Um projeto de felicidade

Décimo artigo da série “Como as mãos de Deus”, com textos da pregação de São Josemaria sobre a família.

Tradução de textos da pregação de São Josemaria sobre a família publicados no livro “Como las manos de Dios” de Antonio Vázquez (Ed. Palabra).


Poucas coisas são procuradas com mais empenho do que a felicidade. Todos corremos atrás dela e, se não a encontramos, simulamos aparências para mostrar que tomamos posse de um tesouro tão buscado. O fundador do Opus Dei, que sabia olhar com misericórdia, comentou certa manhã em São Paulo a um grande grupo de pessoas: As pessoas estão tristes. Fazem muito barulho, cantam, dançam, gritam, mas soluçam. No fundo do coração só têm lágrimas: não são felizes, são desgraçados. E o Senhor, a vocês e a mim, nos quer felizes. É questão de identificar onde está a verdadeira felicidade, para não nos enganarmos com substitutos que, mais cedo ou mais tarde, acabam desaparecendo. Para que não haja mal-entendidos ou falsas comparações que nos façam olhar as galinhas do quintal alheio como se fossem perus, São Josemaria dá-nos as marcas da alegria autêntica, que não é o chocalho do riso bobo, algo animal. A alegria, fundamentada na esperança em Deus, é algo muito profundo. Não tem que se manifestar externamente e é compatível com o cansaço, é compatível com a dor, que Deus permite, mas que temos que suportar com a elegância de um filho de Deus.

Todo projeto de casamento coloca uma expectativa de felicidade no horizonte. Quando essa expectativa não se cumpre na intensidade e forma esperadas, queima-nos por dentro uma inquietação crescente que pode transformar as intenções mais bem guardadas em cinzas. Perante a frustração progressiva ou súbita, acionam-se mecanismos de defesa, com manifestações que se podem resumir em dois pontos a que já nos referimos: o culpado é o outro cônjuge ou a causa é a própria instituição matrimonial, que nos parece insuportável. A priori, essa abordagem contém uma falácia tão grande que raramente se encontram caminhos de solução, porque, mais uma vez, a fantasia nos pregou uma peça e falta-nos maturidade para reconhecer e percorrer a distância que separa o ideal da sua verdadeira realização. Gostaríamos de ver o nosso direito à felicidade reconhecido como um mandato constitucional e gratuito, sem aceitar, na prática, que o caminho da felicidade está dentro de nós mesmos e que para percorrê-lo devemos saber qual é o seu significado.

Em uma primeira aproximação, a felicidade é aquilo a que todos aspiramos, mesmo sem saber, pelo simples fato de viver. É uma semente divina que Deus colocou dentro de cada homem. A confusão começa quando tentamos identificá-la e a situamos em um sentimento, um prazer, um estado ou um hábito; tudo isso são parcelas. É preciso perceber que a felicidade é uma condição da própria pessoa, dela toda, ou seja, está na organização do ser. Portanto, afeta-o completamente e pode-se dizer que é “esférico”. Trata-se de viver como pessoas, a felicidade já chegará.

Assim, a felicidade nasce da íntima conformidade entre o que queremos e o que vivemos. Quando essa unidade se rompe, surge um buraco, um vazio, uma fissura, que deve ser suturada. É evidente que, diante da fragilidade humana, ocorrem muitas vezes aquelas feridas que devem ser curadas com a aceitação da própria fraqueza e o perdão da fraqueza dos outros. Os anos passarão e poderemos ter uma existência remendada, com cicatrizes, mas ao mesmo tempo uma grande felicidade. Paradoxal, mas verdadeiro.

Muitos erros têm origem no desconhecimento da raiz e das condições dessa felicidade que tantas vezes é difícil distinguir entre seus substitutos ou subprodutos, como bem-estar, sucesso ou prazer. Ricardo Yepes ressalta que a felicidade requer a plenitude de desenvolvimento de todas as faculdades humanas, a harmonia da alma, e que isso, visto de fora, é alcançado se houver um fim, um objetivo que unifique os desejos, tendências e amores da pessoa e dê unidade e direção à sua conduta. Os clássicos diziam que a felicidade é o “bem” último a que todos aspiramos, sem hesitar em concluir que só poderia ser encontrada no Bem Absoluto, ou seja, Deus. A felicidade não é, portanto, um problema teórico, mas algo prático, consiste em “fazer” o bem. Algo que se confecciona todos os dias.

Deus quer a nossa felicidade, antes, mais e melhor do que nós mesmos. Seu projeto de felicidade para cada um é imensamente mais amplo e profundo do que o que qualquer pessoa possa sonhar nos diferentes momentos de sua vida. Se Ele nos deu a existência por amor e nos chama ao amor, não há dúvida de que deseja que sejamos felizes amando.

Para verificar esta verdade, em escala reduzida, basta observar como nós, que somos pais, colocamos a felicidade dos nossos filhos como o primeiro objetivo de nossas vidas. No entanto, essa nobre e veemente aspiração não ofusca a realidade de que toda felicidade é árdua. Basta olhar para alguns deles suando na preparação para os exames. Pela nossa experiência, somos conscientes de que, como comenta Leonardo Polo em tom amavelmente irônico, todo sucesso é prematuro, por isso, com um mínimo de bom senso, temos que desejar para eles uma felicidade que sem fim.

Muitas vezes, esse olhar tão claro para a situação de nossos filhos, fica obscurecido e se traduz em descontentamento, quando analisamos a nossa. Correndo atrás da felicidade, esbarramos em uma aparente contradição: a limitação física, psicológica e moral de todo ser humano pode desencorajar, desorientar e deixar crescer a erva daninha da frustração. Ao mergulhar um pouco no coração do homem, parece ouvir-se uma queixa, com argumentos diferentes, mas com o mesmo sentimento de lamentação: quero ser feliz já!... Agora! Existe um grande clamor que a exige como um direito inalienável.

Deus tem essa mesma urgência. Quando no Sermão da Montanha nos oferece a maior das alegrias – as bem-aventuranças – começa por anunciá-las desde já. Sua Encarnação, sua presença nesta terra, é a maior garantia. Jesus Cristo é a felicidade no mais alto grau e veio para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância. Nem por um momento deixou de ser infinitamente feliz, embora a amorosa Vontade do seu Pai não o privasse de trabalho e sofrimento. São Josemaria, identificado com este projeto divino, quando falava de felicidade, unia inseparavelmente a felicidade temporal e a eterna. Afirma-o como quem já o comprovou: Estou cada vez mais convencido: a felicidade do Céu é para quem sabe ser feliz na terra.

Basta olhar para sua vida para perceber que ele não navegou por um mar de rosas. Desde muito jovem experimentou a dor e a contradição, e seus últimos anos foram uma entrega contínua por toda a humanidade. Doenças, difamações, injúrias, calúnias, desentendimentos e lágrimas, muitas lágrimas... porque, como ele nos disse alguma vez, só os animais não choram. Não é exagero concluir que ele experimentou uma amostra de dor. No entanto, ele estava feliz e mostrou esse caminho para milhares e milhares de homens e mulheres de todas as raças e culturas. Sua felicidade, sua alegria, era tão contagiante que chamava a atenção de quem o conhecia. Algumas das suas palavras revelam o segredo dessa aparente contradição, entre a dor e a alegria bem travadas. Frequentemente, não são poucas as pessoas que me comentam com espanto sobre a alegria que, graças a Deus, meus filhos têm e contagiam no Opus Dei. Diante da evidência dessa realidade, respondo sempre com a mesma explicação, porque não conheço outra: o fundamento de sua felicidade consiste em não ter medo da vida ou da morte, em não se encolher diante da tribulação, no esforço cotidiano para viver com espírito de sacrifício, sempre pronto – apesar da miséria e fraqueza pessoal – a negar-se a si mesmo, para tornar o caminho cristão mais suportável e bondoso para com os outros.

Trata-se de enfrentar a vida de forma elegante, não desafiadora, mas inabalavelmente confiante. Não há nada, nem ninguém, que possa tirar a felicidade de um filho de Deus. É o amor que gera a nossa felicidade, mesmo em meio a qualquer infortúnio. São Josemaria em Sulco o expressa com uma frase breve e incisiva: O que é preciso para conseguir a felicidade não é uma vida cômoda, mas um coração enamorado. Temos muito medo do menor aborrecimento e imediatamente nos sentimos desconfortáveis. Talvez seja a simples contradição diante de um plano frustrado por qualquer circunstância adversa. Outras vezes será a incompreensão dos outros ou a doença, real ou fictícia. Existem mil maneiras pelas quais o encontro com a dor pode ocorrer. No entanto, o ladrão mais perigoso é o que está dentro de casa, e por isso, na maioria das vezes, é o capricho pessoal insatisfeito, ou o desejo mais profundo de impor nossa “santa” vontade, que se manifesta em dramas que a fantasia suscita sobre um cenário de papelão.

Nessa mesma direção, São Josemaria volta a nos oferecer uma fórmula quase mágica: sem mortificação, não há felicidade na terra. Parece um paradoxo, mas não é uma contradição. Se alguém duvida, que o comprove. É muito possível que em certos episódios da sua vida você tenha conseguido saborear essa grande verdade, todas as vezes que pisou no seu capricho, no seu conforto ou no seu amor-próprio. Talvez o remédio tenha sido um pouco amargo ao ser ingerido, mas o bem-estar alcançado supera em muito o desconforto.

O medo da dor e a ignorância prática do que a Cruz supõe são aterrorizantes. O medo nos aflige, nos obscurece e nos impede de ver o que está por trás. Não nos conscientizamos de que a verdadeira Cruz sempre gera felicidade. Resignação é palavra pouco generosa. Quer a Cruz. Quando de verdade a quiseres, a tua Cruz será... uma Cruz sem Cruz. A diferença está em carregá-la com relutância ou abraçá-la. Não é uma fórmula simplesmente especulativa, porque São Josemaria não era dado a enunciar teorias. Falava por experiência própria.

Tudo isso é possível: lembro-me da emoção com que uma moça evocava, anos depois, uma visita ao Museu do Prado. Acompanhada de seu pai, estava andando por uma das salas, quando pararam diante de um Cristo com a Cruz. Enquanto ela, então adolescente, prestava atenção aos detalhes, seu pai, mergulhando em si mesmo, a fez notar o título da pintura: “Veja, não está escrito Cristo carregando a cruz, mas Cristo abraçando a Cruz”. Ele não disse mais nada e continuou andando. No dia seguinte, a protagonista foi ao museu comprar uma reprodução daquela pintura.

Amor, entrega, lutar contra a comodidade, matar o eu. Nessa direção encontraremos a felicidade, porque a primeira condição é não a procurar. O homem busca a felicidade pelo caminho do amor, e tem razão, mas o amor só é amor quando renuncia à própria felicidade. Podemos dizer que a felicidade é mais um resultado do que uma intenção. Assim recorda São Josemaria de forma concreta aos casais: Só quem se esquece de si e se entrega a Deus e aos outros – também no matrimônio – pode ser feliz na terra com uma felicidade que é preparação e antecipação do céu.

Especificar algumas ideias não é suficiente. Você precisa estar convencido de que o bordado da felicidade exige muitos pontos todos os dias. Não é tecido com exalações momentâneas de sentimento, nem com borrifos esporádicos de carinho, ou fogos de artifício em circunstâncias particularmente alegres. Para mostrar os atalhos, o fundador do Opus Dei oferece aos casais alguns pontos de referência. O segredo da felicidade conjugal está no quotidiano, não em sonhos. Está em encontrar a alegria escondida de chegarem ao lar; no trato afetuoso com os filhos; no trabalho de todos os dias, em que toda a família colabora; no bom-humor perante as dificuldades, que é preciso enfrentar com espírito esportivo. Em suma, trata-se de arejar a alma, esquecendo-nos de nós mesmos para adquirir, pouco a pouco, o que ele descrevia como um saudável preconceito psicológico de pensar sempre nos outros.

Para encerrar essas leves pinceladas, é bom lembrar que nada disso se adquire em um dia. Um dos maiores inimigos da nossa felicidade é a impaciência. Temos muita pressa para nos sentirmos felizes, sem perceber que essa maturidade é alcançada – como observou J.B. Torelló – pelas crises sucessivas que devem ser suportadas para não cair na infidelidade ou na infelicidade, as duas sepulturas do processo da maturidade.

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