1. Noção e objeto da fé
O ato de fé é a resposta do homem a Deus que Se revela (cf. Catecismo, 142). “Pela fé, o homem submete completamente sua inteligência e sua vontade a Deus. Com todo o seu ser, o homem dá seu assentimento a Deus revelador” (Catecismo, 143). A Sagrada Escritura chama este assentimento de “obediência da fé” (cf. Rm 1, 5; 16, 26).
A virtude da fé é uma virtude sobrenatural que capacita o homem – ilustrando sua inteligência e movendo sua vontade – a assentir firmemente a tudo o que Deus revelou, não por sua evidência intrínseca, mas pela autoridade de Deus que revela. “A fé é primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus; é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou” (Catecismo, 150).
2. Características da fé
– “A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele (cf. Mt 16, 17). Para dar a resposta da fé é necessária a graça de Deus” (Catecismo, 153). Não basta a razão para abraçar a verdade revelada; é necessário o dom da fé.
– A fé é um ato humano. Ainda que seja um ato que se realiza graças a um dom sobrenatural, “crer é um ato autenticamente humano. Não contraria nem a liberdade nem a inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por Ele reveladas” (Catecismo, 154). Na fé, a inteligência e a vontade cooperam com a graça divina: “Crer é um ato do entendimento que assente à verdade divina por determinação da vontade movida por Deus mediante a graça”[1].
– Fé e liberdade. “O homem deve responder a Deus, crendo por livre vontade. Por conseguinte, ninguém deve ser forçado contra sua vontade a abraçar a fé. Pois o ato de fé é por sua natureza voluntário” (Catecismo, 160)[2]. “Cristo convidou à fé e à conversão, mas de modo algum coagiu. Deu testemunho da verdade, mas não quis impô-la pela força aos que a ela resistiam” (ibidem).
– Fé e razão. “Apesar de a fé estar acima da razão, jamais pode haver desacordo entre elas. Posto que o mesmo Deus que revela os mistérios e comunica a fé fez descer no espírito humano a luz da razão, não poderia negar-Se a Si mesmo, nem o verdadeiro contradizer jamais ao verdadeiro”[3]. “Por isso, se a pesquisa metódica, em todas as ciências, proceder de maneira verdadeiramente científica, segundo as leis morais, na realidade nunca será oposta à fé: tanto as realidades profanas quanto as da fé originam-se do mesmo Deus” (Catecismo, 159).
Carece de sentido tentar demonstrar as verdades sobrenaturais da fé; por outro lado, pode-se provar sempre que é falso tudo o que pretende ser contrário a essas verdades.
– Eclesialidade da fé. “Crer” é um ato próprio do fiel enquanto fiel, isto é, enquanto membro da Igreja. Aquele que crê assente à verdade ensinada pela Igreja, que custodia o depósito da Revelação. “A fé da Igreja precede, gera, conduz e alimenta nossa fé. A Igreja é a mãe de todos os crentes” (Catecismo, 181). “Ninguém pode ter a Deus por Pai se não tem a Igreja por mãe”[4].
– A fé é necessária para a salvação (cf. Mc 16, 16; Catecismo, 161). “Sem a fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11, 6). “Aqueles que sem culpa própria não conhecem o Evangelho de Cristo e sua Igreja, mas buscam a Deus de coração sincero e procuram em sua vida, com a ajuda da graça, fazer a vontade de Deus, conhecida através do que lhes dita a consciência, podem conseguir a salvação eterna”[5].
3. Os motivos de credibilidade
“O motivo de crer não é o fato de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à luz de nossa razão natural. Cremos 'por causa da autoridade de Deus que revela e que não pode nem enganar-se nem enganar-nos'” (Catecismo, 156).
Entretanto, para que o ato de fé fosse conforme com a razão, Deus quis dar-nos “motivos de credibilidade que mostram que o assentimento da fé não é de modo algum um movimento cego do espírito”[6]. Os motivos de credibilidade são sinais certos de que a Revelação é palavra de Deus.
Estes motivos de credibilidade são, entre outros:
– a gloriosa ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, sinal definitivo de sua Divindade e prova certíssima da veracidade de Suas palavras;
– “os milagres de Cristo e de Seus santos (cf. Mc 16, 20; At 2, 4)” (Catecismo, 156)[7];
– o cumprimento das profecias (cf. Catecismo, 156), feitas sobre Cristo ou pelo próprio Cristo (por exemplo, as profecias sobre a Paixão de Nosso Senhor; a profecia sobre a destruição de Jerusalém etc.). Este cumprimento é prova da veracidade da Sagrada Escritura;
– a sublimidade da doutrina cristã é também prova de sua origem divina. Quem medita atentamente nos ensinamentos de Cristo pode descobrir, em sua profunda verdade, em sua beleza e em sua coerência, uma sabedoria que excede a capacidade humana de compreender e de explicar o que é Deus, o que é o mundo, o que é o homem, sua história e seu sentido transcendente;
– a propagação e a santidade da Igreja, sua fecundidade, sua estabilidade “são sinais certos da Revelação, adaptados à inteligência de todos” (Catecismo, 156).
Os motivos de credibilidade não são ajuda apenas a quem não tem fé para superar os preconceitos que obstaculizam o recebimento dela, mas também a quem tem fé, confirmando-lhe que é razoável crer e afastando-o do fideísmo.
4. O conhecimento de fé
A fé é um conhecimento: faz-nos conhecer verdades naturais e sobrenaturais. A aparente obscuridade que experimenta o crente é fruto da limitação da inteligência humana ante o excesso de luz da verdade divina. A fé é uma antecipação da visão de Deus “face a face” no Céu (1Cor 13, 12; cf. Jo 3, 2).
A certeza da fé: “A fé é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria palavra de Deus, que não pode mentir” (Catecismo, 157). “A certeza que dá a luz divina é maior do que a que dá a luz da razão natural”[8].
A inteligência ajuda o aprofundamento na fé. “É característico da fé o crente desejar conhecer melhor Aquele em quem pôs sua fé e compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais penetrante despertará por sua vez uma fé maior, cada vez mais ardente de amor” (Catecismo, 158).
A teologia é a ciência da fé: ela se esforça, com a ajuda da razão, por conhecer melhor as verdades que se possuem pela fé; não para torná-las mais luminosas em si mesmas – o que é impossível –, porém mais inteligíveis para o crente. Este afã, quando é autêntico, procede do amor a Deus e vai acompanhado pelo esforço por aproximar-se d'Ele. Os melhores teólogos têm sido e serão sempre santos.
5. Coerência entre fé e vida
Toda a vida do cristão deve ser manifestação de sua fé. Não há nenhum aspecto que não possa ser iluminado pela fé. “O justo vive da fé” (Rm 1, 17). A fé atua pela caridade (cf. Gl 5, 6). Sem as obras a fé está morta (cf. Tg 2, 20-26).
Quando falta esta unidade de vida e se transige com uma conduta que não está de acordo com a fé, esta, necessariamente, debilita-se e corre o perigo de perder-se.
Perseverança na fé: A fé é um dom gratuito de Deus. Mas, podemos perder este dom inestimável (cf. 1Tm 1, 18-19). “Para viver, crescer e perseverar até o fim na fé, devemos alimentá-la” (Catecismo, 162). Devemos pedir a Deus que nos aumente a fé (cf. Lc 17, 5) e que nos faça “fortes in fide” (1Pe 5, 9). Para isto, com a ajuda de Deus, é preciso fazer muitos atos de fé.
Todos os fiéis católicos estão obrigados a evitar os perigos para a fé. Entre outros meios, devem abster-se de ler as publicações que sejam contrárias à fé ou à moral – tanto se as tem assinaladas expressamente o Magistério, como se o adverte a consciência bem formada –, a menos que exista um motivo grave e se deem as circunstâncias que tornem essa leitura inócua.
Difundir a fé: “Não se acende uma luz para pô-la debaixo de um alqueire, mas sobre um candeeiro... Brilhe assim vossa luz diante dos homens” (Mt 5, 15-16). Recebemos o dom da fé para propagá-lo, não para ocultá-lo (cf. Catecismo, 166). Não se pode prescindir da fé na atividade profissional[9]. É preciso informar toda a vida social com os ensinamentos e o espírito de Cristo.
Francisco Díaz
Bibliografia básica
Catecismo da Igreja Católica, 142-197.
Leituras recomendadas
São Josemaria, Homilia Vida de fé, em Amigos de Deus, 190-204.[1] São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 2, a. 9.
[2] Cf. Concílio Vaticano II, Declar. Dignitatis humanae, 10; CIC, 748, §2.
[3] Concílio Vaticano I: DS 3017.
[4] São Cipriano, De catholicae unitate Ecclesiae: PL 4,503.
[5] Concílio Vaticano II, Const. Lumen gentium, 16.Concílio Vaticano II, Const. Lumen gentium, 16.
[6] Concílio Vaticano I: DS 3008-3010; Catecismo, 156.
[7] O valor da Sagrada Escritura como fonte histórica totalmente confiável pode ser estabelecido com provas sólidas: por exemplo, as que se referem à sua antiguidade (vários dos livros do Novo Testamento foram escritos poucos anos depois da morte de Cristo, o que dá testemunho de seu valor), ou as que se referem à análise do conteúdo (que mostra a veracidade dos testemunhos).
[8] São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 171, a. 5, ad 3.
[9] Cf. São Josemaria, Caminho, 353.