Tema 28. Primeiro e segundo mandamentos

O primeiro mandamento do Decálogo tem uma importância existencial: é o único fundamento possível para configurar uma vida humana bem-sucedida. A razão mais alta da dignidade humana consiste na vocação do homem à comunhão com Deus. O amor a Deus deve compreender o amor às pessoas a quem Deus ama. O segundo mandamento proíbe todo uso inconveniente do nome de Deus e, em particular, a blasfêmia.

O primeiro mandamento

“Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 5). Essas palavras do Deuteronômio convidam o homem a acreditar em Deus, a esperar n’Ele e a amá-Lo sobre todas as coisas (Cf. Catecismo, 2134).

Embora se costume expressar isso de modo sintético com a fórmula “amarás a Deus sobre todas as coisas”, na realidade, “o primeiro preceito abrange a fé, a esperança e a caridade” (Cf. Catecismo, 2086), porque a caridade nos capacita para amar de modo divino, mas não é possível sermos movidos ao amor que Deus merece sem conhecê-lo verdadeiramente, com a luz da fé e sem reconhecê-lo como o bem total a que aspiramos e que confiamos alcançar pela esperança.

O próprio Jesus confirmou que “o primeiro mandamento é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças” (Mc 12, 28-30). É essencial que este mandamento ocupe realmente o seu lugar na vida de cada pessoa: é o primeiro, não só na ordem do decálogo que aprendemos, mas em importância existencial, porque é o único fundamento possível para configurar uma vida humana bem-sucedida.

Sentido do primeiro mandamento

Nossa liberdade permite que nos proponhamos fins muitos diversos e que tomemos decisões para nos encaminharmos rumo a eles. Muitos desses fins são procurados como meios para alcançar outros fins. Sempre há um, porém, que podemos chamar fim último e que não é querido com o objetivo de alcançar outro fim, mas por si mesmo. É o que a pessoa considera seu bem máximo, ao qual subordina a seleção e a busca de todos os fins intermediários: escolhe e atua na vida conforme considera que algo o aproxima ou não do seu fim, favorece-o mais ou menos; e julga com o mesmo critério se os esforços e empenho exigidos por outros fins intermediários valem a pena. O fim último que uma pessoa estabelece para si mesma determina a ordem do amor em sua vida.

Mas se alguém estabelece para si (ou age se tivesse estabelecido) um fim último errado (que não é capaz de preencher sua vida, embora pareça prometê-lo: a fama, as riquezas, o poder...), todas as suas decisões sobre os fins intermediários serão condicionadas por essa desordem do amor. E a liberdade, submetida em seu exercício por esta mentira, acaba prejudicando a pessoa, ou mesmo destruindo-a (Cf., por exemplo, Catecismo, 29).

Porque fomos feitos à medida de Deus: “O homem foi criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem para si, e o homem só em Deus encontrará a verdade e a felicidade que não para de procurar. A razão mais alta da dignidade humana consiste na vocação do homem à comunhão com Deus. O homem é convidado ao diálogo com Deus desde o seu nascimento; pois existe apenas porque, criado por Deus por amor, é conservado sempre por amor; e não vive plenamente segundo a verdade se não reconhecer livremente aquele amor e se entregar a seu Criador” (Gaudium et spes, 19, 1).

Todo o nosso bem está em Deus, e fora dele não há bem verdadeiro e total. É esse, objetivamente, o nosso fim último. Embora possamos não saber ou não entender com clareza em alguns momentos de nossa vida, só Deus pode preencher o nosso desejo de felicidade. E todo amor que não nos leva a Deus, que nos afasta d’Ele, é ao mesmo tempo uma traição a nós mesmos, uma condenação à frustração futura.

Nosso coração é feito para chegar a amar a Deus e ser preenchido pelo seu amor, não há substituto nem alternativa real. A única medida adequada, por isso, para acolher o amor infinito que Deus nos oferece é “tudo”: amar com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças. Se não lhe damos um amor à medida de seus anseios, “o coração vinga-se..., e converte-se em um ninho de vermes” (Forja, n. 204).

O amor a Deus

O amor a Deus a que se refere o primeiro mandamento , implica:

  • Escolher Deus como fim último de tudo o que decidimos fazer. Procurar fazer tudo por amor a Ele e para a sua glória: “quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Cor 10, 31). “Deo omnis gloria – para Deus toda a glória”[1]. Não deve haver um fim que se prefira a este, porque nenhum amor merece estar acima do amor a Deus: “Quem ama seu pai ou sua mãe, mais que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho mais que a mim, não é digno de mim” (Mt 10, 37). Não seria verdadeiro, nem bom, um amor que excluísse ou subordinasse o amor a Deus.
  • Cumprir a sua vontade com obras: “Nem todo aquele que me diz: “Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7, 21). Cumpri-la também quando exige sacrifício: “não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22, 42), com o convencimento de que vale apenas porque aí reside o nosso maior bem.
  • A vontade Deus é que sejamos santos (Cf. 1 Ts 4, 3), que sigamos a Cristo (Cf. Mt 17, 5), fazendo o necessário para viver de acordo com seus mandamentos (Cf. Jo 14, 21). “Queres de verdade ser santo? – Cumpre o pequeno dever de cada momento: faz o que deves e está no que fazes”[2].
  • Viver sabendo que estamos em dívida com Ele – a dívida de um filho com seu pai bom – e querendo corresponder ao seu amor. Ele nos amou primeiro, criou-nos livres e nos fez seus filhos (Cf. 1 Jo 4, 19). O pecado é rejeitar o amor de Deus (Cf. Catecismo, 2094), mas Ele perdoa sempre, entrega-se a nós sempre: a lógica de Deus é superabundância. “Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado, e enviado seu Filho para expiar os nossos pecados” (1 Jo 4, 10; Cf. Jo 3, 16). “Amou-me e se entregou por mim” (Gl 2, 20). “Para corresponder a tanto amor, é preciso que haja de nossa parte uma entrega total”[3]. Não se trata de um sentimento, mas de uma determinação da vontade que pode estar ou não acompanhada de manifestações sensíveis.

O desejo de corresponder por amor leva ao empenho de cultivar, de diferentes modos[4], a relação com Deus, o trato pessoal com Ele que, por sua vez, forma e alimenta o amor. O primeiro mandamento inclui, por isso, diversas manifestações da religião:

- “A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante de seu Criador” (Catecismo, 2628). É a atitude mais fundamental da religião (Cf. Catecismo, 2095). “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás” (Mt 4, 10). “Que a tua oração seja sempre um sincero e real ato de adoração a Deus”[5]. A adoração a Deus libera das diversas formas de idolatria, também atuais, que levam à escravidão.

- A ação de graças (Cf. Catecismo, 2638), porque tudo o que somos e temos recebemos dele: “Que é que possuis que não tenhas recebido? E, se o recebeste por que te glorias, como se o não tivesses recebido? ” (1 Cor 4, 7).

- A petição: de perdão, pelas decisões e atitudes que nos separam de Deus (o pecado); e de ajuda, também para os outros, a Igreja e a humanidade inteira. Jesus inclui no Pai Nosso esses dois tipos de petição. A oração de petição do cristão está cheia de segurança, porque é uma petição filial por meio de Cristo: “o que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo dará” (Jo 16, 23; Cf. 1 Jo 5, 14-15).

- O amor se manifesta igualmente com o sacrifício, que é o oferecimento a Deus de um bem como expressão da entrega interior da própria vontade, quer dizer, de obediência. Cristo nos redimiu pelo Sacrifício da Cruz, que manifesta a sua perfeita obediência ao Pai até a morte (Cf. Fl 2, 8).

- A oração e o sacrifício são inseparáveis: “a oração valoriza-se com o sacrifício”[6]. Ambos, em suas diversas fórmulas, formam parte do culto a Deus, que se chama culto de latria ou adoração. O ato de culto por excelência é a Santa Missa, na qual o próprio Cristo oferece ao Pai, pelo Espírito Santo, a perfeita adoração, ação de graças, petição de perdão pelos pecados e súplica de sua graça. Nós, cristãos, feitos membros de Cristo pelo batismo, recebemos a capacidade de oferecer-nos nele especialmente na celebração eucarística, deixando que Jesus assuma os nossos sacrifícios e os apresente, unidos ao d’Ele, ao Pai pelo Espírito Santo (Cf. Catecismo, 2100).

- O amor a Deus deve manifestar-se na dignidade do culto: observância das prescrições da Igreja, “urbanidade da piedade”[7], cuidado e limpeza dos objetos destinados ao culto divino. “Aquela mulher que, em casa de Simão o leproso, em Betânia, unge com um rico perfume a cabeça do Mestre, recorda-nos o dever de sermos magnânimos no culto de Deus. – Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco”[8].

A fé e a esperança em Deus

Fé, esperança e caridade são as três virtudes “teologais” (virtudes que se dirigem a Deus). A maior é a caridade (Cf. 1 Cor 13, 13), que dá “forma” e “vida” sobrenatural à fé e à esperança (de modo semelhante a como a alma dá vida ao corpo). Mas a caridade pressupõe a fé, porque só pode amar a Deus – como fruto de sua liberdade – quem o conhece; e pressupõe a esperança, porque só pode amar a Deus quem põe seu desejo de felicidade na união com Ele, do contrário amará, para seu mal, as coisas que deseja.

A fé é um dom de Deus, luz na inteligência que nos permite conhecer a verdade que Deus revelou e assentir a ela, torná-la nossa. Implica crer no que Deus revelou, mas também crer no próprio Deus que o revelou (confiar nele).

Não há nem pode haver oposição entre fé e razão. A razão, guiada pela luz da fé, é imprescindível para assimilar a fé e aprofundar nela, tornando cada vez mais nosso, por assim dizer, o olhar de Deus sobre a realidade.

A formação doutrinal é importante, para alcançar uma fé firme e, assim, alimentar o amor a Deus e aos outros por Deus: para a santidade e o apostolado. A vida de fé é uma vida apoiada na fé e coerente com ela.

A esperança é igualmente um dom de Deus que leva a desejar a união com Ele, que é a nossa felicidade, sem desalentar-nos por considerá-la inalcançável, porque confiamos em que nos dará, embora não saibamos como, a capacidade e os meios para alcançá-la (Cf. Catecismo, 2090).

Nós cristãos devemos estar “alegres na esperança” (Rm 12, 12), porque se formos fiéis, aguarda-nos a felicidade do Céu: a visão de Deus face a face (1 Cor 13, 12), a visão beatífica. “E, se somos filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo, contanto que soframos com ele, para que também com ele sejamos glorificados” (Rm 8, 17).

A vida cristã é um caminho de felicidade, não só futura, mas também nesta terra, porque já agora, pela certeza que a verdadeira esperança nos dá, gozamos antecipadamente de algo dessa felicidade eterna. Enquanto dura nossa vida terrena, sabemos que a felicidade é compatível com a dor, com a cruz. A esperança permite-nos viver seguros de que vale a pena trabalhar e sofrer, por Amor[9], para que se cumpram com nossa cooperação os maravilhosos desígnios de Deus sobre a nossa vida.

“A esperança não desengana. Não está fundada no que nós podemos fazer ou ser, e nem sequer naquilo em que podemos acreditar. O seu fundamento, ou seja, o fundamento da esperança cristã, é o que de mais fiel e seguro pode existir, isto é, o amor que o próprio Deus alimenta por cada um de nós” (Francisco, Audiência geral, 15/02/2017).

Amor aos outros e a si mesmo por amor a Deus

Ao responder à pergunta sobre o principal mandamento, antes citada, Jesus acrescentou: “O Segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 39). Não se refere ao mandamento formulado como segundo no decálogo, mas ao segundo núcleo essencial, junto com o amor de Deus, que inclui vários mandamentos do decálogo. Jesus o descreve como o “semelhante” ao primeiro: é distinto, não é equivalente ou intercambiável, mas inseparável. Sua importância é, por isso, semelhante à do primeiro.

O amor a Deus deve compreender o amor àqueles que Deus ama. “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão” (1 Jo 4, 19-21). Não se pode amar a Deus sem amar todos os homens, criados por Ele à sua imagem e semelhança e chamados a ser seus filhos pela graça (Cf. Catecismo, 2069).

“Com os filhos de Deus temos que nos comportar como filhos de Deus”[10]:

  • Comportar-se como filho de Deus, como outro Cristo. O amor aos outros tem como regra o amor de Cristo: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis também amar uns aos outros. Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos” (Jo 13, 34-35). O Espírito Santo foi enviado a nossos corações para que possamos amar como filhos de Deus, com o amor de Cristo (Cf. Rm 5, 5).
  • Ver nos outros filhos de Deus, Cristo: “tudo o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40). Querer para eles o verdadeiro bem, o que Deus quiser: portanto, que sejam santos, felizes. A primeira manifestação de caridade é o apostolado. Isso leva também a um interesse pelas suas necessidades materiais. Compreender – tornar próprias – as dificuldades espirituais e materiais dos outros. Saber perdoar. Ter misericórdia (Cf. Mt 5, 7). “A caridade é paciente, é amável, não tem inveja (...) não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor...” (1 Cor 4, 5). A correção fraterna (Cf. Mt 18, 15).

A fórmula “Amarás a teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 39), expressa também que há um amor bom a si mesmo que leva a ver-se e valorizar-se como Deus faz e a procurar para si mesmo o bem que Deus quer: a santidade e, portanto, a felicidade n’Ele.

Há também um amor desordenado a si mesmo, o egoísmo, que inclina a colocar a própria vontade acima da de Deus e o próprio interesse acima dos interesses dos outros. O bom amor a si mesmo não pode existir sem luta contra o egoísmo. Comporta abnegação, entrega de si a Deus e aos outros. “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á” (Mt 16, 24-25). O homem “pode encontrar sua plenitude a não ser no sincero dom de si mesmo”[11].

Pecados contra o primeiro mandamento

Os pecados contra o primeiro mandamento são pecados contra as virtudes teologais:

A) Contra a fé: o ateísmo, agnosticismo, a dúvida deliberada, o indiferentismo religioso, a heresia, a apostasia, o cisma, etc. (Cf. Catecismo, 2089). Também é contrário ao primeiro mandamento colocar voluntariamente em perigo a própria fé. Contrários ao culto a Deus, são os sacrilégios, a simonia, certas práticas de superstição, magia, etc., e o satanismo (Cf. Catecismo, 2111-2128).

B) Contra a esperança: o desespero da própria salvação (Cf. Catecismo, 2091), e, no extremo oposto, a presunção de que a misericórdia divina perdoará os pecados sem conversão nem contrição ou sem necessidade do sacramento da Penitência (Cf. Catecismo, 2092). É igualmente contrário a esta virtude colocar a esperança de felicidade última em algo fora de Deus.

C) Contra a caridade: qualquer pecado é contrário à caridade, mas opõe-se diretamente a ela a rejeição de Deus e também a tibieza, que leva a não querer amá-lo seriamente com todo coração.

O segundo mandamento

O segundo mandamento do decálogo é: Não tomar o nome de Deus em vão. Este mandamento manda honrar e respeitar o nome de Deus (Cf. Catecismo, 2142), que não se deve pronunciar “senão para o bendizer, louvar e glorificar” (Catecismo, 2143). Do contrário, o homem perde, em maior ou menor escala, o sentido da realidade: esquece quem é Deus e quem é ele; e reincide na tentação original. “O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anônima” (Catecismo, 203). Deus não pode, no entanto, ser totalmente compreendido por conceitos humanos, nem existe ideia capaz de representá-lo, nem nome que possa expressar exaustivamente a essência divina. Deus é “Santo”, o que significa que é absolutamente superior, que está acima de toda criatura, que é transcendente.

Apesar de tudo, para que possamos invocá-lo e dirigir-nos pessoalmente a Ele, no Antigo Testamento “revelou-se progressivamente e sob diversos nomes a seu povo” (Catecismo, 204). O nome que manifestou a Moisés indica que Deus é um Ser por essência, que não recebeu o ser de ninguém e do qual tudo procede: “Deus disse a Moisés: Eu sou aquele que sou e acrescentou eis como responderás aos israelitas: (Aquele que se chama) ‘Eu sou’ [Yahvê: ‘Ele é’] envia-me junto de vós (...) Esse é o meu nome para sempre” (Ex 3, 13-15; Cf. Catecismo, 213). Por respeito à santidade de Deus, o povo de Israel não pronunciava seu nome, mas o substituía pelo título “Senhor” (“Adonai”, em hebraico; “Kyrios”, em grego) (Cf. Catecismo, 209). Outros nomes de Deus no Antigo Testamento são: “Elohim”, que é o plural majestático de “plenitude” ou “grandeza”; “El-Saddai”, que significa poderoso, onipotente.

No Novo Testamento, Deus dá a conhecer o mistério da sua vida intima: que é um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. E Jesus nos ensina a chamar a Deus de “Pai” (Mt 6, 9): “Abbá” que é o modo familiar de dizer Pai em hebraico (Cf. Rm 8, 15). Deus é Pai de Jesus Cristo e nosso Pai, embora não do mesmo modo, porque Ele é o Filho Unigênito e nós filhos por adoção. Essa peculiar adoção faz-nos, porém, verdadeiramente filhos (Cf. 1 Jo 3, 1), irmãos de Jesus Cristo (Rm 8, 29), porque o Espírito Santo foi enviado a nossos corações e participamos da natureza divina (Cf. Gl 4, 6; 2 Pd 1, 4). Somos filhos de Deus em Cristo. Em consequência, podemos dirigir-nos a Deus chamando-o verdadeiramente de “Pai”, como aconselha São Josemaria: “Deus é um Pai cheio de ternura, de infinito amor. Chama-o Pai muitas vezes ao dia e diz-lhe – a sós, no teu coração – que o amas, que o adoras; que sentes o orgulho e a força de ser seu filho”[12].

No Pai-Nosso rezamos: “Santificado seja o vosso nome”. O termo “santificar” deve ser entendido aqui no sentido de “reconhecer o nome de Deus como santo, tratar seu nome de modo santo” (Catecismo, 2807). É o que fazemos quando adoramos, louvamos ou damos graças a Deus. Mas as palavras “santificado seja o vosso nome” constituem também uma das petições do Pai nosso: ao pronunciá-las pedimos que seu nome seja santificado através de nós, quer dizer, que com nossa vida lhe demos glória e elevemos os outros a glorificá-lo (Cf. Mt 5, 16). “Depende de nossa vida e de nossa oração que seu nome seja santificado entre as nações” (Catecismo, 2814).

O respeito ao nome de Deus requer também o respeito ao nome da Santíssima Virgem Maria, dos Santos e das realidades santas nas quais Deus está presente de alguma forma, sobretudo a Santíssima Eucaristia, verdadeira Presença de Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, entre os homens.

O segundo Mandamento proíbe todo uso inconveniente do nome de Deus (Cf. Catecismo 2146), e em particular a blasfêmia, que “consiste em proferir contra Deus – interior ou exteriormente – palavras de ódio, de ofensa, de desafio (...). É também blasfemo recorrer ao nome de Deus para encobrir práticas criminosas, reduzir povos à servidão, torturar ou matar. [...] A blasfêmia é em si um pecado grave” (Catecismo, 2148).

Proíbe ainda jurar falso (Cf. Catecismo, 2150). Jurar é colocar a Deus como testemunha do que se afirma (por exemplo, para dar garantia de uma promessa ou testemunho). É licito o juramento, quando é necessário e se faz com verdade e com justiça: por exemplo em um julgamento ou ao assumir um cargo (Cf. Catecismo, 2154). Quanto ao resto, o Senhor ensina a não jurar: “Dizei somente: Sim, se é sim; não, se é não” (Mt 5, 37; Cf. Tg. 5, 12; Catecismo, 2153).

O nome do cristão

O homem é a única criatura na terra que Deus quis por si mesma”[13]. Não é “algo”, mas “alguém”, uma pessoa. “Só Ele é chamado a participar, pelo conhecimento e pelo amor, da vida de Deus. Com este fim foi criado, e tal é a razão fundamental da sua dignidade” (Catecismo, 356). No Batismo, recebe um nome que representa a sua singularidade única diante de Deus e diante dos outros (Cf. Catecismo, 2156, 2158). Batizar também tem como sinônimo “cristianizar”. Cristão, seguidor de Cristo, é o nome próprio de todo batizado: “foi em Antioquia que os discípulos [os que se convertiam ao ser evangelizados] receberam pela primeira vez o nome de cristãos” (At, 11, 26).

Deus chama cada um pelo seu nome (Cf. 1 S, 3, 4-10; Is 43, 1; Jo 10, 3; At 9, 4). Ama pessoalmente a cada um. De cada um espera uma resposta de amor: “amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração e com toda tua alma e com toda tua mente e com todas as tuas forças”. Ninguém pode substituir-nos nessa resposta. São Josemaria anima a meditar “com calma aquela divina advertência, que enche a alma de inquietação, ao mesmo tempo, lhe sabe a favo de mel: redemi te et vocavi te nomine tuo:meus es tu (Is 43, 1); Eu te redimi e te chamei pelo teu nome: tu és meu! Não roubemos a Deus o que é seu. Um Deus que nos amou a ponto de morrer por nós, que nos escolheu desde toda a eternidade, antes da criação do mundo, para sermos santos na sua presença (Cf. Ef. 1, 4)”[14].

Javier López / Jorge Miras


Bibliografia básica

- Catecismo da Igreja Católica, 2064-2132

- Catecismo da Igreja Católica, 203-213; 2142-2195.

- Joseph Ratzinger - Bento XVI, Jesus de Nazaré; Primeira Parte (Planeta, São Paulo, 2007), (cap. 5, 2).

Leituras recomendadas

- Bento XVI, Deus caritas est, 25/12/2005, 1-18.

- Bento XVI, Spe salvi, 30/11/2007.

- Francisco, Lumen fidei, 29/06/2013

- São Josemaria, Homilias, Vida de fé, A esperança do cristão, Com a força do amor, em Amigos de Deus, 190-237.

- São Josemaria, Homilia A relação com Deus, em Amigos de Deus, 142-153.


[1] São Josemaria, Caminho, 780.

[2] Ibid., 815. Cf. Ibid., 933.

[3] São Josemaria, É Cristo que passa, 87.

[4] Cf. São Josemaria, Caminho, 91.

[5] São Josemaria, Forja, 263.

[6] São Josemaria, Caminho, 81.

[7] Ibid., 541.

[8] Ibid., 527. Cf. Mt 26, 6-13.

[9] São Josemaria, Forja, 26

[10] São Josemaria, É Cristo que passa, 36.

[11] Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 24.

[12] São Josemaria, Amigos de Deus, 150.

[13] Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 24.

[14] São Josemaria, Amigos de Deus, 312.