Tema 18. A Doutrina Social da Igreja

A boa notícia da salvação exige a presença da Igreja no mundo. O Evangelho constitui, de fato, um anúncio da transformação do mundo segundo o desígnio de Deus. A doutrina social da Igreja faz parte da teologia moral social, que deriva de uma visão cristã do homem e da vida política. A moral social da Igreja ensina que há uma primazia dos bens espirituais e morais sobre os bens materiais.

A origem da Doutrina Social da Igreja

Jesus Cristo, nosso Salvador, “deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2,4). A Igreja continua o anúncio do Evangelho no mundo, a boa nova da salvação, anunciada por Jesus Cristo: “a Igreja, partícipe das alegrias e esperanças, das angústias e das tristezas dos homens, é solidária com todo homem e a toda a mulher, de todo lugar e de todo tempo, e leva-lhes a Boa Nova do Reino de Deus, que com Jesus Cristo veio e vem em meio a eles”.

A boa notícia da salvação exige a presença da Igreja no mundo: esta oferece os sacramentos, a pregação da Palavra de Deus e numerosos ensinamentos que se referem às realidades sociais pelas repercussões antropológicas e éticas que têm. “A convivência social, com efeito, não raro determina a qualidade da vida e, por conseguinte, as condições em que cada homem e cada mulher se compreendem a si próprios e decidem de si mesmos e da sua própria vocação. Por esta razão, a Igreja não é indiferente a tudo o que na sociedade se decide, se produz e se vive, numa palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e humanizadora, da vida social”.

O anúncio da salvação próprio do cristianismo não leva a desentender-se do mundo e da sociedade, como se para ser autenticamente cristãos devêssemos deixar de lado o bem comum. “A caridade não é algo abstrato; significa entrega real e total ao serviço de Deus e de todos os homens (...) exige que se viva a justiça, a solidariedade, a responsabilidade familiar, a alegria, a castidade, a amizade...” (São Josemaria, Entrevistas, n. 62).

O Evangelho constitui, de fato, um anúncio da transformação do mundo segundo o desígnio de Deus. Por isso, a política, a economia, o trabalho ou a cultura não são campos indiferentes para a fé cristã, pois têm uma influência importante na vida dos fiéis da Igreja. Por exemplo, uma organização econômica que não deixe tempo para cuidar dos filhos ou que não conceda os meios econômicos necessários para sustentar a família pode ser um sério obstáculo para desenvolver a própria vocação matrimonial. Se os pastores da Igreja se referem a essas questões, não é porque querem propor soluções técnicas, mas porque estão preocupados com o impacto que têm na vida dos fiéis. Por isso, é importante lembrar que “a missão própria que Cristo confiou à sua Igreja certamente não é de ordem política, econômica ou social. Pois a finalidade que lhe propôs é de ordem religiosa. Mas desta mesma missão religiosa decorrem benefícios, luzes e forças que podem auxiliar a organização e o fortalecimento da comunidade humana segundo a Lei de Deus”.

A doutrina social da Igreja faz parte da teologia moral social, que deriva de uma compreensão cristã do homem e da vida política. Isso significa, por um lado, que as ações da moral pessoal não são idênticas às estudadas pela moral social, pois os princípios, critérios de julgamento e diretrizes da doutrina social são muito amplos e neles há espaço para um grande pluralismo: não existem soluções únicas para dilemas econômicos ou políticos. Por outro lado, os ensinamentos da Igreja não propõem soluções sociais considerando dilemas de ética pessoal.

A moral social da Igreja sempre existiu, porque a Igreja sempre se interessou pela sociedade em que vive: “Com a sua doutrina social a Igreja assume a tarefa de anúncio que o Senhor lhe confiou. Ela atualiza nos acontecimentos históricos a mensagem de libertação e de redenção de Cristo, o Evangelho do Reino. A Igreja, anunciando o Evangelho, ‘testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas; ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina’ (Catecismo da Igreja Católica, 2419)”. Este interesse se concretizava nos primeiros séculos, por um lado, em promover as boas obras, sobretudo as obras de misericórdia; e, por outro lado, denunciando injustiças, especialmente aquelas cuja solução não estava nas mãos de quem as sofria.

Os princípios da Doutrina Social da Igreja

Em termos gerais, a moral social da Igreja ensina que há uma primazia dos bens espirituais e morais sobre os bens materiais. A Igreja preocupa-se com o bem integral dos homens, que inclui também o bem-estar material, mas a sua missão é espiritual: por isso a preocupação do Magistério não se concentra nos instrumentos de organização da sociedade humana, geralmente políticos ou econômicos, mas na promoção de uma moral social coerente com o Evangelho. Cabe aos cristãos comuns, a partir de seu trabalho e posição na sociedade, buscar caminhos para alcançar esse bem comum. Ainda assim, o Magistério orienta os fiéis, oferecendo-lhes princípios de ação e geralmente deixa a escolha técnica dos meios sob a responsabilidade de quem dirige os diversos campos do trabalho social.

O anúncio de fé que o Magistério realiza ao observar as realidades sociais tem diferentes etapas. Em primeiro lugar, a doutrina social da Igreja não oferece apenas uma compreensão das realidades sociais: a cultura, a política, a economia, a educação etc., mas leva também a configurá-las de acordo com a verdade de Deus e da sua criação, que o ser humano protege e da qual é protagonista. Em segundo lugar, estes ensinamentos teóricos e as suas consequências práticas deram origem a princípios morais que estabelecem as bases da organização social com valor permanente e de forma unitária: “constituem aquela primeira articulação da verdade da sociedade, pela qual cada consciência é interpelada e convidada a interagir com todas as demais”. Esses princípios são a dignidade da pessoa, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade.

A) A dignidade da pessoa

O princípio que se refere à dignidade da pessoa é central na doutrina social da Igreja. Significa saber e respeitar a realidade de que a pessoa está aberta a Deus, pois com sua inteligência e vontade alcança uma liberdade que a coloca acima das outras criaturas. Por outro lado, a pessoa não pode ser usada como meio para atingir fins sociais, por exemplo, abusando dos trabalhadores ou enganando os cidadãos. Além disso, considera que cada pessoa é única, de modo que não é possível suprimir algumas pessoas ou os seus direitos fundamentais para perseguir objetivos sociais, por mais urgentes que pareçam. Este princípio se desdobra nos outros três, que de certa forma o especificam.

B) O bem comum

O bem comum é “o conjunto das condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um dos seus membros atingirem de maneira mais completa e facilmente a própria perfeição”. Podemos observar que o bem comum não se define como um conjunto de coisas que são distribuídas entre os membros da sociedade, mas trata-se de condições que permitem o desenvolvimento pessoal, e das quais ninguém pode se apropriar com exclusividade: são condições que são alcançados com a colaboração de todos e das quais todos se beneficiam. Podemos usar diversas imagens para compreender o bem comum, mas é clássico defini-lo como uma grande orquestra. Numa orquestra, a perfeição de cada músico contribui para que toda a orquestra soe melhor, mas ao mesmo tempo a dinâmica profissional da orquestra leva cada músico a dar o melhor de si mesmo. O bem comum é um conjunto de condições que naturalmente leva cada indivíduo a melhorar e ao mesmo tempo permite que o talento individual dê frutos em benefício de todos. O Catecismo da Igreja Católica (n. 1907-1909) ensina que o bem comum compreende três elementos essenciais: o respeito dos direitos fundamentais da pessoa humana (vida, liberdade, propriedade privada etc.), o bem-estar social e as possibilidades de desenvolvimento (acesso à alimentação, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura etc.) e a paz que é fruto de uma ordem social justa. Bento XVI assim o define: “Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É o bem daquele ‘nós todos’, formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social. Não é um bem procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, só nela, podem realmente e com maior eficácia obter o próprio bem. Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade” (Caritas in Veritate, 7).

Embora o bem comum não faça referência às coisas, a Igreja também ensina que os bens da terra foram criados por Deus para todos. “Quanto a este ponto, nós chegamos de novo ao primeiro princípio de toda a ordem ético-social, ou seja, ao princípio do uso comum dos bens”. A destinação universal dos bens é alcançada com mais eficácia quando se respeita a propriedade privada, pois o que é de todos não é de ninguém e acaba sendo negligenciado. Além disso, quando uma pessoa não pode possuir bens próprios, perde o interesse em sua atividade e acaba deixando o emprego, gerando vários tipos de pobreza. Em qualquer o caso, a propriedade privada não é absoluta, porque deve ser utilizada tendo em conta a responsabilidade que todos temos pelo bem-estar dos outros (solidariedade), e porque em algumas ocasiões excepcionais o bem comum pode exigir que seja concedido aos necessitados ser o uso dos próprios bens – uma crise humanitária, uma guerra etc. – e, nesses casos, os pobres e os mais vulneráveis ​​não podem esperar. Mas, fora essas circunstâncias excepcionais, a forma mais eficaz e humana de alcançar a destinação universal dos bens é o respeito à propriedade privada.

C) Subsidiariedade

A Igreja, ao definir o princípio da subsidiariedade, lembra que “uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competências, mas deve antes apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar a sua ação com a das outras componentes sociais, tendo em vista o bem comum”.

O princípio da subsidiariedade exige que os fiéis façam valer os seus direitos e cumpram as suas obrigações para que as instituições sociais cumpram a sua função originária. Isso se específica, entre outras coisas, na necessidade de que os fiéis da Igreja participem da vida pública; pois sem essa participação seria muito difícil evidenciar os motivos humanos, e muitas vezes também cristãos, para os quais foram criadas as instituições sociais, pelo menos no Ocidente.

D) Solidariedade

A solidariedade é um termo que se refere a um conceito do Direito Romano. Quando um grupo de pessoas que não eram parentes queria se aventurar em uma empresa, era possível estabelecer um contrato “in solidum”. Por meio dessa figura legal, cada uma das partes contratantes era obrigada a pagar, se necessário, a totalidade da dívida que todo o grupo havia contraído. Dessa forma, a lei garantia que quem emprestasse o dinheiro pudesse recuperá-lo de uma determinada pessoa ou família. Solidariedade refere-se a essa forma de entender a própria responsabilidade sobre o conjunto de um grupo, que é entendido como sociedade civil. Daí a sua definição como “a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos”. Graças à fé, o cristão tem uma motivação superior para viver a solidariedade, porque sabe que somos todos filhos do mesmo Pai e segue o exemplo de Cristo que tem compaixão de todos.

Uma importante manifestação de solidariedade consiste no cumprimento integral dos próprios deveres e obrigações. Um empresário, por exemplo, tem como principal tarefa solidária a de criar empregos onde as pessoas possam ganhar a vida de forma honesta e responsável e sustentar sua família. Além disso, aqueles que, como os empresários, tiverem maior capacidade de contribuir para o bem comum, poderão realizar outros projetos de assistência social. Mas vale lembrar que a solidariedade não é um “assistencialismo”, deve assegurar um autêntico desenvolvimento humano, que se realiza sobretudo quando cada um pode desenvolver os seus talentos a serviço dos outros. Por isso, a Igreja ensina que “a atividade dos empresários  é uma nobre vocação, orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos”.

Existe uma distinção entre solidariedade e justiça. A justiça exige respeitar e dar aos outros o que é “seu”, enquanto a solidariedade leva a dar aos outros algo que é nosso, pelo interesse que temos pelo bem dos outros, que é tão importante quanto o nosso. “A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é ‘meu’; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é ‘dele’, o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir” (Caritas in veritate, 6).

Formas de influir na sociedade

A primeira maneira de influenciar a sociedade com a ajuda da doutrina social da Igreja é difundir esses ensinamentos. Para um estudo temático, é importante a utilização do Compêndio da Doutrina Social da Igreja. “Aos leigos, que trabalham imersos em todas as circunstâncias e estruturas próprias da vida secular, corresponde de forma específica a tarefa, imediata e direta, de ordenar essas realidades temporais à luz dos princípios doutrinais enunciados pelo Magistério; mas atuando, ao mesmo tempo, com a necessária autonomia pessoal perante as decisões concretas que tenham de tomar em sua vida social, familiar, política, cultural, etc.” (São Josemaria, Entrevistas, n. 11).

Um segundo aspecto é realçar as formas pelas quais ela pode ser posta em prática. Dentro deste segundo aspecto, que visa destacar a aplicação da Doutrina Social da Igreja no desenvolvimento cotidiano das atividades sociais, os empresários têm um papel preponderante. Por exemplo, a criação de empregos e sua justa remuneração é um dos maiores bens sociais que podem ser gerados. De qualquer forma, o trabalho bem feito e o oferecimento de bens e serviços de qualidade já são uma forma muito eficaz de contribuir para o bem comum da própria sociedade. “O trabalho, todo o trabalho, é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio sobre a criação; é meio de desenvolvimento da personalidade; é vínculo de união com os outros seres; fonte de recursos para o sustento da família; meio de contribuir para o progresso da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a humanidade” (São Josemaria, É Cristo que passa, n. 47).

Há uma terceira forma de influenciar a sociedade dentro de um contexto mais profissional ou acadêmico. Em muitas ocasiões, será necessário resolver novos problemas, não identificados até agora. É necessário que fiéis, especialistas nos diversos campos sociais (economia, política, mídia, educação etc.) proponham caminhos coerentes com a doutrina social para resolvê-los. Os documentos do magistério social são extensos, de modo que há um grande pluralismo não só de opiniões, mas também de opções técnicas para trilhar o caminho do desenvolvimento. Sempre respeitando as diferentes opiniões, parece em todo caso possível convidar as pessoas a pensar em como "fazer mais pelos outros", sem se desculparem com suas próprias ocupações ou responsabilidades.


 Bibliografia 

—Conselho Pontifício de Justiça e Paz, Compêndio da Doutrina Social da Igreja.