Tema 15. A Igreja, fundada por Cristo

Cristo foi manifestando ao longo de sua vida como deveria ser a sua Igreja. A Igreja é a comunidade de todos os que receberam a graça regeneradora do Espírito pela qual são filhos de Deus. Todos os batizados participam do sacerdócio comum. O movimento ecumênico é uma tarefa eclesial pela qual se procura a unidade visível entre os cristãos na única Igreja fundada por Cristo.

Cristo e a Igreja

A Igreja é um mistério, quer dizer uma realidade na qual entram em contato e comunhão Deus e os homens. Igreja vem do grego ‘ekklesia’, que significa assembleia dos convocados. No Antigo Testamento, este termo foi utilizado para traduzir o ‘quahal Yahweh’, ou assembleia reunida por Deus com o propósito de prestar culto. São exemplos disso a assembleia sinaíta e a que se reuniu em tempos do rei Josias com o fim de louvar a Deus e voltar à pureza da Lei (reforma). No Novo Testamento tem várias acepções, em continuidade com o Antigo testamento, mas designa especialmente o povo que Deus convoca e reúne de todos os confins da terra para constituir a assembleia de todos os que, pela fé em sua Palavra e no Batismo, são filhos de Deus, membros de Cristo e templo do Espírito Santo[1].

“A Igreja encontra origem e consumação no desígnio eterno de Deus. Foi preparada na Antiga Aliança com a escolha de Israel, sinal da reunião futura de todas as nações. Fundada pelas palavras e pelas ações de Jesus Cristo, foi realizada, sobretudo mediante sua morte redentora e a sua ressurreição. Foi depois manifestada como mistério de salvação mediante a efusão do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Terá sua consumação no final dos tempos como assembleia celeste de todos os redimidos”[2].

A Igreja não foi fundada pelos homens, nem sequer constitui uma resposta humana nobre a uma experiência da salvação realizada por Deus em Cristo. Nos mistérios da vida de Cristo, o ungido pelo Espírito, cumpriram-se as promessas anunciadas na Lei e nos profetas. Em sua vida também – inteira – foi fundada a Igreja. Não há um momento único no qual Cristo tenha fundado a Igreja, mas fundou-a em toda a sua vida: desde a encarnação até a sua morte, ressurreição, ascensão e envio do Paráclito. Em toda sua vida, Cristo – em quem habitava o Espírito – foi manifestando como deveria ser sua Igreja, dispondo as coisas uma depois da outra. Depois da sua Ascensão, o Espírito foi enviado a toda a Igreja e nela permanece recordando tudo o que o Senhor disse aos Apóstolos e guiando-a ao longo da história rumo à sua plenitude. Ele é a causa da presença de Cristo em sua Igreja pelos sacramentos e pela Palavra, e a adorna continuamente com diversos dons hierárquicos e carismáticos (Lumen gentium, nn 4 e 12). Por sua presença cumpre-se a promessa do Senhor de estar sempre com os seus até o final dos tempos (Mt 28, 20).

Povo de Deus, corpo de Cristo e comunhão dos santos

A Igreja recebe diferentes nomes na Sagrada Escritura, cada um dos quais sublinha especialmente alguns aspectos do mistério da comunhão de Deus com os homens. ‘Povo de Deus’, título que Israel recebeu. Quando se aplica à Igreja, novo Israel, quer dizer que Deus não quis salvar os homens isoladamente, mas constituindo-os num único povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que o conhecesse na verdade e o servisse santamente (Lumen gentium, 4 e 9; São Cipriano, De Orat Dom. 23; CSEL 3, p. 285).

Significa também que ela foi escolhida por Deus. O Povo é de Deus e não é propriedade de nenhuma cultura, governo ou nação. É, além disso, uma comunidade visível que está a caminho – entre as nações – rumo à sua pátria definitiva. Neste último sentido pode-se dizer que “Igreja e sínodo são sinônimos” (São João Crisóstomo, Explicatio in Psalmum 149: G 55, 493). Todos caminhamos juntos rumo a um mesmo destino comum, todos somos chamados a uma mesma missão, todos estamos unidos em Cristo e no Espírito Santo com Deus Pai. Nesse povo todos têm a comum dignidade dos filhos de Deus, uma missão comum de ser sal da terra, um fim comum, que é o Reino de Deus. Todos participam das três funções de Cristo[3].

Quando dizemos que a Igreja é o ‘corpo de Cristo’ queremos sublinhar que, com o envio do Espírito Santo, Cristo une intimamente consigo os fiéis, sobretudo na Eucaristia porque nela os fiéis se mantêm e crescem unidos na caridade formando um só corpo na diversidade dos membros e funções. Indica também que a saúde e a doença de um membro repercutem em todo o corpo (1 Cor 12, 1-24), e que os fiéis como membros de Cristo são seus instrumentos para atuar no mundo[4]. A Igreja também é chamada ‘Esposa de Cristo’ (Ef. 5, 26s), o que acentua, dentro da união que a Igreja tem com Cristo, a distinção entre Cristo e sua Igreja. Também indica que a Aliança de Deus com os homens é definitiva, Deus é fiel às suas promessas e a Igreja lhe corresponde fielmente sendo Mãe fecunda de todos os filhos de Deus.

O Concílio Vaticano II retomou uma antiga expressão para designar a Igreja: ‘comunhão’. Indica-se com isto que ela é a expansão da comunhão íntima da Santíssima Trindade com os homens, que nesta terra ela já é comunhão com a Trindade divina, embora ainda não se tenha consumado em sua plenitude. A Igreja é, além de comunhão, sinal e instrumento dessa comunhão para todos os homens. Por ela participamos da vida íntima de Deus e pertencemos à família de Deus como filhos no Filho (Gaudium et Spes, 22) pelo Espírito. Isto é realizado especificamente nos sacramentos, principalmente na Eucaristia, também chamada muitas vezes comunhão (1 Cor 10, 16).

A Igreja é communio sanctorum: comunhão dos santos, quer dizer, comunidade de todos os que receberam a graça regeneradora do Espírito pela qual são filhos de Deus, unidos a Cristo e chamados santos. Uns ainda caminham nesta terra, outros já morreram e se purificam, também com a ajuda de nossas orações. Outros, enfim, já gozam da visão de Deus e intercedem por nós. A comunhão dos santos também quer dizer que todos nós cristãos temos em comum os dons santos, em cujo centro está a Eucaristia, todos os outros sacramentos que se ordenam a ela e todos os outros dons e carismas.

Pela comunhão dos santos, os méritos de Cristo e de todos os santos que nos precederam na terra ajudam-nos na missão que o próprio Senhor nos pede para realizar na Igreja. Os santos que estão no Céu não assistem com indiferença a vida da Igreja peregrina, e aguardam que a plenitude da comunhão dos santos se realize com a segunda vinda do Senhor, o juízo e a ressurreição dos corpos. A vida concreta da Igreja peregrina e de cada um de seus membros têm grande importância para a realização de sua missão, para a purificação de muitas almas e para a conversão de tantas outras: “De que tu e eu nos portemos como Deus quer – não o esqueças – dependem muitas coisas grandes”[5].

Cabe, ao mesmo tempo, a desgraça de que os fiéis não respondam como Deus quer, devido a suas limitações, a seus equívocos ou ao pecado cometido. Algumas das parábolas do Reino explicam que o trigo convive com a cizânia, os peixes bons com os maus, até o fim do mundo. São Paulo reconhecia que os Apóstolos levavam o grande tesouro em vasos de barro (2 Cor 4, 7) e há várias advertências no Novo Testamento contra os falsos profetas e contra os que escandalizam os outros (por exemplo, Ap 2 e 3)[6]. Como na Igreja primitiva, também agora os pecados dos cristãos (ministros ou fiéis não ordenados) têm uma certa repercussão na missão e nos outros cristãos. Ela é maior quando quem peca – por ação ou omissão – é um ministro ou tem a responsabilidade de velar pelos outros, podendo inclusive causar escândalo (convite a pecado). Embora os pecados afetem a comunhão e esse efeito possa ser inclusive bem visível, nunca poderão ofuscar completamente a santidade da Igreja nem sufocar completamente sua missão, porque equivaleria a afirmar que o mal pode mais que o amor que Deus manifestou e continua manifestando pelos homens. Além disso, a repercussão do bem que tantos cristãos realizam é menos visível, mas muito maior, que a do pecado. A oração de todos os cristãos pelo Papa, pelos bispos, por todo clero, pelos religiosos e leigos é uma resposta de fé diante dessa situação que a Igreja vive até que o seu mistério seja consumado na pátria celeste. Mesmo reconhecendo a presença dos pecadores na Igreja, nosso Padre afirmava que isso “não autoriza de modo algum a julgar a Igreja com critérios humanos, sem fé teologal, atendendo apenas à maior ou menor qualidade de certos eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é permanecer na superfície. O mais importante na Igreja não é ver como nós, os homens, correspondemos, mas ver o que Deus realiza. A Igreja é nem mais nem menos Cristo presente entre nós, Deus que vem até à humanidade para salvá-la, chamando-nos com a sua Revelação, santificando-nos com a sua graça, sustentando-nos com a sua ajuda constante, nos pequenos e nos grandes combates da vida diária. Podemos chegar a desconfiar dos homens, e cada um deve desconfiar pessoalmente de si mesmo e coroar seus dias com um mea culpa, com um ato de contrição profundo e sincero. Mas não temos o direito de duvidar de Deus. E duvidar da Igreja, da sua origem divina, da eficácia salvadora da sua pregação e dos seus sacramentos é duvidar do próprio Deus, é não crer plenamente na realidade da vinda do Espírito Santo”[7].

A comunhão dos santos é organicamente estruturada na terra, porque Cristo e o Espírito a tornaram continuam tornando sacramento da Salvação, ou seja, meio e sinal pelo qual Deus oferece a Salvação à humanidade. A Igreja é estruturada internamente segundo as relações entre os que, pelo Batismo, têm o sacerdócio comum e os que, além disso, receberam o sacerdócio ministerial pelo sacramento da Ordem. A Igreja também se estrutura externamente na comunhão das igrejas particulares, formadas à imagem da Igreja universal e presidida cada uma por seu próprio bispo. Analogamente esta comunhão existe também em outras realidades eclesiais. A Igreja assim estruturada, serve ao Espírito de Cristo para a missão (cf. Lumen gentium, 8).

Sacerdócio comum

Ao entrar na Igreja, os cristãos renascem em Cristo e, com Ele, são feitos reis e sacerdotes pelo sinal da Cruz; pela unção do Espírito são consagrados sacerdotes. Além disso, alguns recebem o sacramento da Ordem, pelo qual são capacitados para tornar Cristo sacramentalmente presente para os outros fiéis, seus irmãos, pregar a Palavra de Deus e guiar seus irmãos no que concerne a fé e a vida cristã. Com esta distinção entre a condição cristã comum e os ministros sagrados, Deus mostra que deseja comunicar sua graça através de outros, que a salvação vem de fora de cada um de nós e não depende das nossas capacidades pessoais. Na Igreja de Deus, há, pois, dois modos essencialmente distintos de participar do sacerdócio de Cristo que estão mutuamente ordenados entre si; essa mútua ordenação não é uma mera condição moral para o desenvolvimento da missão, mas o modo como o sacerdócio de Cristo se torna presente nesta terra (Lumen gentium, 10, 11).

O sacerdócio não se reduz, portanto, a um serviço específico dentro da Igreja, porque todos os cristãos receberam um carisma específico e se reconhecem membros de uma estirpe real e participam da função sacerdotal de Cristo (cf. São Leão Magno, Sermones, IV, 1: PL 54, 149). Trata-se de uma condição comum a todos os cristãos, homens e mulheres, leigos e ministros sagrados, que foi recebida com o Batismo e reforçada pela Confirmação. Todos os cristãos têm em comum, portanto, a condição de fiéis, ou seja, ao ser “incorporados a Cristo mediante o Batismo, são constituídos membros do povo de Deus. Tendo-se tornado participantes, segundo a própria condição, da função sacerdotal, profética e régia de Cristo, são chamados a exercer a missão confiada por Deus à Igreja. Entre eles subsiste uma verdadeira igualdade na sua dignidade de filhos de Deus”[8]. O sacerdócio comum é exercido na resposta à chamada para a santidade e para continuar a missão de Cristo, que todos receberam com o Batismo.

No hebraísmo, nas religiões que rodearam Israel e em muitas outras religiões, o sacerdote faz o papel de mediador. Quem quer entrar em relação com Deus tem, portanto, que pedir ao sacerdote que o faça em seu nome. A função do sacerdote é de mediação: unir os homens a Deus e Deus aos homens, oferecer sacrifícios e abençoar. Para explicar o sacerdócio dos fiéis, os Padres da Igreja sublinharam que cada um dos cristãos tinha acesso direto a Deus. Porque todos participamos do sacerdócio de Cristo, há uma proximidade de todos os cristãos com Deus, sem mediações.

O cristão está concretamente – por sua união com Cristo – capacitado para oferecer sacrifícios espirituais, levar o mundo a Deus e Deus ao mundo. Todos os batizados são chamados a colocar em relação Deus e os outros. Há uma dimensão ascendente e outra descendente do sacerdócio comum. A ascendente nos capacita para elevar a Deus nossas vidas com tudo o que implicam, junto com Cristo. Nele, na Santa Missa, nossos pequenos trabalhos e sacrifícios adquirem um valor de eternidade. Mais para a frente, no Céu, nós os veremos transfigurados.

A dimensão descendente do sacerdócio comum implica que o sacerdote comunica os dons de Deus aos homens. Torna-nos instrumentos da santidade dos outros, por exemplo, com o nosso apostolado. Realizamos isso através da missão dos pais quando ajudam seus filhos a crescer na fé, na esperança e na caridade, ou na santificação do matrimônio e da vida familiar. Também quando aproximamos de Deus nossos amigos e nossos colegas de trabalho: “Enquanto vocês realizam a sua atividade na própria entranha da sociedade, participando de todos as aspirações nobres e em todos os trabalhos honrados dos homens, não devem perder de vista o profundo sentido sacerdotal que a sua vida tem: devem ser mediadores em Cristo Jesus para levar todas as coisas a Deus e para que a graça divina vivifique tudo”[9]. Tal missão santificadora dos cristãos não ordenados está intimamente unida à missão santificadora dos ministros sagrados, e precisa dela. São Josemaria explicava isso, falando concretamente do apostolado de seus filhos, explicando que cada um “procura ser apóstolo em seu próprio ambiente de trabalho, aproximando as almas de Cristo, através do exemplo e da palavra: do diálogo. Mas no apostolado, ao conduzir as almas pelos caminhos da vida cristã, acaba-se chegando ao muro sacramental. A função santificadora do leigo tem necessidade da função santificadora do sacerdote, que administra o sacramento da penitência, celebra a Eucaristia, e proclama a palavra de Deus em nome da Igreja”[10].

O sacerdócio comum também comporta a missão real de Cristo, pela qual todos os cristãos fazem com que Cristo reine em suas vidas e em seu ambiente, servindo os outros, especialmente os pobres, os doentes, e todos os necessitados. O serviço é o modo de exercício da dignidade real dos cristãos. Ajuda-nos igualmente a descobrir e a realizar o que Deus pensou para o mundo.

Deus pensou no sacerdócio comum e no ministerial mutuamente ordenados entre si na Igreja. Seu sacerdócio se apresenta na terra nessa mútua articulação. O clericalismo é, por isso, um desequilíbrio desta ordenação mútua. Este desequilíbrio acontece quando os ministros invadem o campo dos fiéis em assuntos e coisas que não lhes dizem respeito, ou quando os fiéis não-ordenados invadem o campo do sacerdócio ministerial realizando funções que são dos ministros.

Diversidade de vocações na Igreja

A Igreja deve anunciar e instaurar entre todos os povos o Reino de Deus inaugurado por Cristo. Ela é na terra o germe e o início deste Reino. Depois da sua Ressurreição, o Senhor enviou os Apóstolos para anunciar o Evangelho, batizar e ensinar a cumprir tudo o que Ele havia mandado (Mt 28, 18ss). O Senhor deixou para sua Igreja a mesma missão que o Pai lhe tinha confiado (Jo 20, 21). Desde o início da Igreja esta missão foi realizada por todos os cristãos (At 8, 4; 11, 19), que muitas vezes chegaram ao sacrifício da própria vida para cumpri-la. O mandato missionário do Senhor tem a fonte no amor eterno de Deus, que enviou seu Filho e seu Espírito porque “quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2, 4).

Nesta missão estão contidas as três funções da Igreja na terra: o munus profeticum (anunciar a boa nova da salvação em Cristo), o munus sacerdotale (tornar efetivamente presente e transmitir a vida de Cristo que salva pelos sacramentos e pela graça) e o munus regale (ajudar os cristãos a cumprir a missão de levar o mundo a Deus e de crescer em santidade). Embora todos os fiéis compartilhem essa mesma missão, nem todos desempenham o mesmo papel. Alguns sacramentos e carismas configuram e capacitam os cristãos para determinadas funções ligadas à missão.

Como vimos, os que têm o sacerdócio comum e os que têm também o sacerdócio ministerial estão mutuamente ordenados entre si, de tal modo que tornam presente o sacerdócio e a mediação de Cristo na terra, os dons da graça, a força e a luz de que todos necessitam para desenvolver a missão. Alguns deles foram conformados com Cristo cabeça da Igreja de uma forma específica, distinta dos outros. Tendo recebido o sacramento da Ordem, possuem o sacerdócio ministerial para tornar Cristo sacramentalmente presente para todos os outros fiéis. Os que receberam a plenitude do sacramento da Ordem são os Bispos, sucessores dos Apóstolos. Os que receberam o sacramento da Ordem em seu segundo grau são os presbíteros, que ajudam diretamente os bispos. O terceiro grau do sacramento da Ordem, diaconal, configura o cristão com Cristo servidor, para ajudar o bispo e os presbíteros na pregação, na caridade e na celebração de alguns sacramentos.

No que diz respeito à missão de levar o mundo a Deus, há duas grandes condições de vida ligadas a essa tarefa. Uns têm a peculiar vocação de levar o mundo a Deus a partir de dentro, são os leigos. Fazem isso ordenando de acordo com a vontade de Deus os assuntos temporais com os quais sua vida está entretecida (cf. Lumen gentium, 31). Posto que participam do sacerdócio de Cristo, os leigos participam de sua missão santificadora, profética e real[11]. Participam da missão sacerdotal de Cristo quando oferecem como sacrifício espiritual, sobretudo na Eucaristia, a própria vida com todas as suas obras. Participam da missão profética de Cristo quando acolhem na fé a Palavra de Cristo, e a anunciam ao mundo com o testemunho da vida e da palavra. Participam da missão régia de Cristo porque recebem dele o poder de vencer o pecado em si mesmos e no mundo, por meio da abnegação e da santidade da própria vida, e impregnam de valores morais as atividades temporais do homem e as instituições da sociedade.

Outros têm a vocação peculiar de afastar-se das realidades e atividades seculares, vivendo segundo um estado de vida específico que se assemelha, em termos humanos, à condição de vida que os homens terão no final (não se casam e frequentemente vivem como irmãos em comunidades, não possuem bens, muitas vezes mudam de nome para significar assim que morrem para sua vida anterior, etc.). Para entrar nesse estado de vida consagram-se de modo especial a Deus pela profissão dos conselhos evangélicos: castidade (no celibato ou virgindade), pobreza e obediência. A vida consagrada é um estado de vida reconhecido pela Igreja, que participa de sua missão mediante uma plena entrega a Cristo e aos irmãos dando testemunho da esperança do Reino dos céus[12]. Com seu estado de vida, recordam concretamente a todos os outros que não têm neste mundo um domicílio permanente, dão um testemunho público de que todas as realizações humanas deverão ser transfiguradas no dia da vinda do Senhor e levam o mundo a Deus por atração, não através das atividades e assuntos dos quais se afastaram (cf. Lumen gentium, 44; PC, 5).

Leigos e religiosos levam o mundo a Deus a partir de posições diferentes: os primeiros de dentro e promovendo o desenvolvimento da criação de acordo com a disposição divina (cf. Gn 2, 15); os segundos, de fora, atraindo a criação para a sua consumação, que eles antecipam simbolicamente em sua forma de vida. Os leigos precisam que os religiosos lhes recordem que não se pode levar o mundo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças, os religiosos precisam que os leigos lhes recordem que a vocação original do homem é levar a criação à perfeição que Deus quis para ela; uns e outros, em comunhão, servem à edificação do Reino de Deus. A vida consagrada também contribui muito para animar cristãmente o mundo através de obras de caridade, beneficência e assistência social, às quais se dedica com generosidade.

Na vida da Igreja vão surgindo, além disso, muitos caminhos e modos de levar a cabo a missão comum. O século XX viu nascer muitas realidades, movimentos, novas comunidades monásticas e outras instituições mais recentes que colaboram todas na evangelização através de seus próprios carismas.

Oitavário pela unidade dos cristãos

A Igreja é Una porque a sua origem e modelo é a Santíssima Trindade; porque Cristo – seu fundador – restabelece a unidade de todos em um só corpo; porque o Espírito Santo une os fiéis com a Cabeça, que é Cristo. Esta unidade manifesta-se em que os fiéis professam uma mesma fé, celebram os mesmos sacramentos, estão unidos numa mesma hierarquia, têm uma esperança comum e a mesma caridade.

A Igreja subsiste como sociedade constituída e organizada no mundo na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele (cf. Lumen gentium, 8). Só nela podemos obter a plenitude dos meios de salvação uma vez que o Senhor confiou todos os bens da Nova Aliança só ao Colégio apostólico, cuja cabeça é Pedro. Cristo deu a unidade à Igreja e ela subsiste na Igreja Católica. Essa unidade não se perde por causa das desuniões dos cristãos entre si. As separações entre cristãos causam, no entanto, uma ferida na Igreja, pode causar escândalo e atrasam a evangelização.

Os que nasceram em um estado de separação da Igreja Católica não podem simplesmente ser considerados cismáticos ou heréticos. Em suas comunidades e Igrejas podem receber a graça através do Batismo. Há nelas muitos bens de santificação e de verdade que procedem de Cristo e impulsionam à unidade católica, e o Espírito Santo serve-se delas como instrumento de salvação, pois a sua força vem da plenitude de graça e verdade que Cristo deu à Igreja católica[13].

Os membros dessas Igrejas e comunidades incorporam-se a Cristo no Batismo e por isso os reconhecemos como irmãos. Estamos em certa comunhão de orações e outros benefícios espirituais, inclusive certa verdadeira união no Espírito Santo, com os cristãos que não pertencem à Igreja Católica (Lumen gentium, 15). Podemos crescer em unidade: aproximando-nos mais de Cristo e ajudando os outros cristãos a estarem mais perto d’Ele; fomentando a unidade no essencial, a liberdade no acidental e a caridade em tudo; tornando a casa de Deus mais habitável para os outros; crescendo em veneração e respeito pelo Papa e a hierarquia, ajudando-os e seguindo seus ensinamentos.

O movimento ecumênico é uma tarefa eclesial pela qual se procura a unidade visível entre os cristãos na única Igreja fundada por Cristo. Trata-se de um desejo do Senhor (Jo 17, 21). Realiza-se com a oração, com a conversão do coração, o recíproco conhecimento fraterno e o diálogo teológico.

O Oitavário de oração pela unidade dos cristãos é uma das atividades do movimento ecumênico, no chamado ecumenismo espiritual. Nasceu nos Estados Unidos da América em 1908, por iniciativa episcopaliano Paul Watson, que depois converteu-se à Igreja Católica. Os papas Pio X e Bento XV elogiaram e animaram todos os católicos a se unirem a esta iniciativa. Ele é celebrado entre 18 de janeiro e 25 de janeiro, festa da Conversão de São Paulo. Além da Igreja Católica, é praticado em várias Igrejas ortodoxas e em muitas comunidades cristãs. Em alguns lugares inclui encontros de oração ou mesmo uma oração litúrgica, como as Vésperas, com a presença de cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica. O que é mais praticado por todos, no entanto, é a oração pessoal por esta intenção comum em favor da unidade visível dos cristãos durante os oito dias indicados.


Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, 748-945

Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 147-193

São João Paulo II, Ut unum sint, 25/05/1995


[1] Catecismo da Igreja Católica, 777; cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 147.

[2] Compêndio do Catecismo de Igreja Católica, 149; cf. Catecismo da Igreja Católica, 778.

[3] Catecismo da Igreja Católica, 782-786.

[4] Catecismo da Igreja Católica, 787-795.

[5] São Josemaria Escrivá, Caminho, n. 755

[6] “Há mais de um quarto de século, ao recitar o Credo e afirmar a minha fé na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, em muitas ocasiões acrescento, apesar dos pesares. Quando uma vez por outra comento este costume e alguém me pergunta a que me quero referir, respondo: aos teus pecados e aos meus” (São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, n. 131).

[7] São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, n. 131

[8] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 177.

[9] São Josemaria Escrivá, Cartas, Roma, 28/03/1955, n. 4.

[10] São Josemaria Escrivá, Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, n. 69. “A santidade – quando é verdadeira – transborda do recipiente para encher outros corações, outras almas, dessa superabundância. Nós, os filhos de Deus, santificamo-nos santificando – Propaga-se à tua volta a vida cristã? Pensa nisso diariamente” (Forja, n. 856).

[11] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 189-191.

[12] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica ,192 e seguintes. “Nossa missão de cristãos é proclamar essa realeza de Cristo, anunciá-la com a nossa palavra e as nossas obras. O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da terra. Chama alguns ao deserto, para que se desentendam dos avatares da sociedade dos homens e com o seu testemunho recordem aos demais que Deus existe. Confia a outros o ministério sacerdotal. Mas quer a grande maioria dos homens no meio do mundo, nas ocupações terrenas. Estes cristãos devem, pois, levar Cristo a todos os ambientes em que desenvolvem as suas tarefas humanas: à fábrica, ao laboratório, ao cultivo da terra, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e aos caminhos de montanha” (São Josemaria Escrivá,É Cristo que passa, n. 105).

[13] Catecismo da Igreja Católica, 819.

Miguel de Salis