Tabgha, Igreja do Primado

A uns três quilômetros a oeste de Cafarnaum, segundo a tradição, Jesus teria indicado aos discípulos onde jogar as redes para a segunda pesca milagrosa, e confirmou São Pedro no primado da Igreja.

Em outros artigos anteriores, citamos o testemunho da peregrina Egéria sobre Tabgha, que vem do século IV: “não longe de Cafarnaum veem-se os degraus de pedra onde o Senhor se sentou. Ali, junto ao lago, encontra-se um terreno coberto de abundante erva e muitas palmeiras e, perto do mesmo lugar, sete fontes jorrando água abundante de cada uma delas. Neste lugar o Senhor saciou uma multidão com cinco pães e dois peixes. A pedra sobre a qual Jesus pousou o pão foi transformada num altar. Junto às paredes daquela igreja passa a rua, onde Mateus tinha o seu telônio. No monte vizinho há um lugar onde o Senhor subiu para pronunciar as Bem-Aventuranças”[1].

Concentramos a nossa atenção no primeiro lugar indicado por Egéria: “os degraus de pedra onde o Senhor se sentou”. Segundo esta tradição, referem-se ao lugar de onde Jesus teria indicado aos da barca que lançassem as redes à sua direita, durante a aparição do Senhor ressuscitado que São João narra no fim do seu evangelho: Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos de Jesus. Simão Pedro disse a eles: “Eu vou pescar”. Eles disseram: “Também vamos contigo”. Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite. Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus. Então Jesus disse: “Moços, tendes alguma coisa para comer?” Responderam: “Não”. Jesus disse-lhes: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis”. Lançaram pois a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar. Os outros discípulos vieram com a barca, arrastando a rede com os peixes. Na verdade, não estavam longe da terra, mas somente a cerca de cem metros. Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão. Jesus disse-lhes: “Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. Então Simão Pedro subiu ao barco e arrastou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu. Jesus disse-lhes: “Vinde comer”. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por eles. E fez a mesma coisa com o peixe. Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos (Jo 21, 2-14).

O relato de Egéria não afirma que existisse uma igreja na margem onde Jesus apareceu, mas um texto tardio – dos séculos X-XI – atribui à imperatriz Santa Helena a construção de um santuário dedicado aos Apóstolos no lugar onde o Senhor comeu com eles. Alguns documentos a partir do século IX denominam-no indistintamente ‘Mensa, Tabula Domini’, dos Doze Tronos ou das Brasas, todos nomes que recordam aquele almoço. Através de um testemunho da Idade Média, sabemos também que o templo estava particularmente dedicado ao Príncipe dos Apóstolos: “no sopé do monte está a igreja de São Pedro, muito bela, mas abandonada”, afirma o peregrino Saewulfus em 1102[2]. Após diversas vicissitudes, foi definitivamente destruída em 1263. A atual, construída pelos franciscanos em 1933 sobre as fundações da antiga capela, chama-se Igreja do Primado para recordar o lugar onde Jesus confirmou Pedro como pastor supremo da Igreja: Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, tu me amas mais do que estes?”. Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus disse: “Apascenta os meus cordeiros”. E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro disse: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta as minhas ovelhas”. Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo” (Jo 21, 15-17).

Pesquisas arqueológicas realizadas em 1969 confirmaram que sob a igreja do Primado se encontram restos de dois santuários mais antigos. Do primeiro, datado de finais do século IV, restam alguns fragmentos das paredes com reboco branco; o segundo, construído cem anos mais tarde em basalto, é reconhecível nas paredes perimetrais. Ambos tinham como centro uma rocha chamada pelos peregrinos ‘Mensa Christi’, que atualmente se continua a venerar diante do altar como o local da refeição com os Apóstolos. Além disso, os degraus referidos por Egéria podem-se observar na parte exterior, no lado sul da capela, protegidos por um portão.

A confirmação de São Pedro no Primado

Comentando o diálogo entre Jesus e São Pedro que consideramos, São Leão Magno – pontífice romano entre os anos 440 e 461 – destacava que a solicitude do Príncipe dos Apóstolos se estende especialmente aos seus sucessores: “em Pedro robustece-se a fortaleza de todos, de tal modo se ordena o auxílio da graça divina, que a firmeza conferida a Pedro por Cristo se dá aos outros apóstolos por Pedro. Por isso, depois da ressurreição, o Senhor, para manifestar a tripla confissão de amor eterno, depois de ter dado ao bem-aventurado apóstolo Pedro as chaves do reino, numa manifestação plena de mistério, diz três vezes: apascenta as minhas ovelhas. E fá-lo sem dúvida agora, e o piedoso pastor manda que se realize o mandato do Senhor, confirmando-nos com exortações e rezando por nós sem cessar, para que não sejamos vencidos por nenhuma tentação. Se ele realiza este cuidado da sua piedade para com todo o povo de Deus, e em toda a parte, como se deve crer, quanto mais se dignará conceder a sua ajuda a nós, que fomos imediatamente instruídos por ele, que estamos junto ao sagrado leito do seu sono, onde descansa a mesma carne que presidiu?”[3].

No início do seu pontificado, Bento XVI também se referiu à missão de velar pela Igreja que o Senhor confiou a Pedro e aos seus sucessores, e por três vezes pediu orações para ser fiel ao seu ministério: “uma das características fundamentais deve ser a de amar os homens que lhe foram confiados, assim como ama Cristo, a cujo serviço se encontra. ‘Apascenta as minhas ovelhas’, diz Cristo a Pedro, e a mim, neste momento. Apascentar significa amar, e amar quer dizer também estar prontos para sofrer. Amar significa: dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença, que ele nos oferece no Santíssimo Sacramento. Queridos amigos neste momento eu posso dizer apenas: rezai por mim, para que eu aprenda cada vez mais a amar o Senhor. Rezai por mim, para que eu aprenda a amar cada vez mais o seu rebanho, a Santa Igreja, cada um de vós singularmente e todos vós juntos. Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos lobos. Rezai uns pelos outros, para que o Senhor nos guie e nós aprendamos a guiar-nos uns aos outros”[4].

Dom Álvaro esteve na igreja do Primado no dia 16 de março de 1994. Rezou pelo Papa, e teve uma oportunidade especial para se unir à sua pessoa e às suas intenções. Dom Javier Echevarría recordou-o pouco depois:

"Quando entramos na Igreja do Primado, os frades franciscanos, que nos receberam com muito carinho, ficaram contentes ao ver o Padre. Disseram-nos: aqui temos o costume de oferecer aos bispos a estola que Paulo VI usou quando fez a sua viagem em 1964, para darem a bênção aos fiéis. O Padre ficou muito contente, porque uma ocasião de unir-se a Pedro, ao Papa, seja quem for, é motivo de alegria para um bom filho da Igreja. Temos de amar o Papa com loucura.

O Padre ficou muito feliz por usar aquela estola que já é uma recordação, uma relíquia, de Paulo VI. Deu a bênção aos fiéis. Mas não contávamos com as pessoas sempre querem mais: naquele momento chegou um grupo de italianos e quando viram o que o Padre tinha acabado de fazer, disseram: nós também queremos uma bênção! O Padre voltou a vestir a estola, deu-lhes a bênção com alegria e pediu-lhes orações”[5].

São Josemaria deixou-nos a convicção de que depois de Deus e da nossa Mãe a Virgem Santíssima, na hierarquia do amor e da autoridade, vem o Santo Padre[6]. Em 14 de fevereiro de 1975, durante a última tertúlia geral na Venezuela, ele expressou esta ideia em outras palavras:

-Padre, como podemos demonstrar nestes momentos o nosso amor e fidelidade ao Papa? Perguntou uma mulher.

-Que boa pergunta, minha filha! O Papa é o Vice-Cristo, o Papa é Pedro, o Papa é o representante de Deus na terra. O nosso amor de cristãos tem de ser assim: Jesus Cristo, Maria Santíssima, São José, o Papa! O Papa acima de tudo (...). Na terra, está formando - por assim dizer - uma unidade de amor com Cristo, com Maria Santíssima, Mãe de Cristo, e com São José (...). Já te respondi: amar o Papa!

As pessoas irromperam em uma salva de palmas, e o fundador do Opus Dei se juntou a eles dizendo:

-Sim, para o Papa, para o Papa este aplauso.

O aplauso tornou-se então muito maior[7].


[1] Appendix ad Itinerarium Egeriæ, II, V, 2-3 (CCL 175, 99).

[2] Saewulfus, Relatio de peregrinatione ad Hierosolymam et Terram Sanctam.

[3] São Leão Magno, Homilia na festa de São Pedro Apóstolo.

[4] Bento XVI, Homilia no solene início do ministério petrino, 24-IV-2005

[5] Javier Echevarría, Palavras citadas em Crónica, 1994, pp. 294-295
(AGP, biblioteca, P01).

[6] São Josemaria, Forja, n. 135.

[7] São Josemaria, Anotações de uma tertúlia, 14-II-1975, publicado no vídeo “Amor ao Papa”.