Um pai desesperado se aproxima de Jesus porque o seu filho está possuído pelo demônio. É fácil compreender a sua frustração: “Eu pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não conseguiram” (Mc 9,18). É possível que os apóstolos, no meio dessa conversa, se sentissem confusos e um pouco envergonhados ao contemplar a sua ineficácia. Em ocasiões anteriores, tinham conseguido expulsar demônios, mas, aquele dia, a sua experiência não foi suficiente. Conosco pode acontecer algo parecido: quantas vezes, aparentemente, não chegam os frutos que desejamos em nossa vida de apóstolos? Quantas vezes Jesus tem que nos repetir sua repreensão firme – “geração incrédula!” (Mc 9,19) –, mas, ao mesmo tempo, cheia de carinho e esperança?
Jesus, no entanto, não se detém somente naquela observação, mas acrescenta rapidamente: “Se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda (...) nada vos será impossível” (Mt 17,20). É necessário que o centro da vida esteja na força de Cristo para conseguir essa confiança, essa fé, diminuta, mas suficiente. E para isso, somente temos um caminho: “Essa espécie só pode ser expulsa pela oração” (Mc 9,29). Nestas poucas frases se esconde o modo como Deus quer que colaboremos com seu desejo de salvar toda a humanidade. Jesus não procura simplesmente dar uma receita para a nossa eficácia, mas nos mostrar uma maneira diferente de enfocar a tarefa: Jesus fala-nos de fé e de oração. A partir desse momento, desde que compreenderam essa lógica, os apóstolos se sentem capazes de enfrentar qualquer desafio. Sabem que a missão não depende somente deles. São conscientes de que serão portadores desse amor de Deus que deseja ardentemente a felicidade de cada um dos seus filhos.
O sentido desse primeiro lugar
Os que tiveram a sorte de participar na canonização de são Josemaria, possivelmente não se esqueceram de um detalhe encantador que são João Paulo II teve durante a homilia. Puderam ouvir, naquele momento tão importante, um ponto de Caminho que teriam meditado muitas vezes. Com sua voz grave, lembrou: “Primeiro, oração; depois, expiação; em terceiro lugar, muito em ‘terceiro lugar’, ação”[1]. Em um mundo como o nosso, marcado pelo excesso de atividades, é uma ordem que nos surpreende. E, no entanto, faz todo o sentido do mundo. Porque a oração e a mortificação – oração dos sentidos – na realidade nos abrem à ação de Deus, lançam-nos à missão de Cristo. Na lógica dessa ordem proposta por são Josemaria, palpita a força do Espírito Santo já que somente Ele sabe pedir como nos convém (cfr. Rom 8,26).
Ao rezar nos desprendemos daquilo que nós fazemos, das nossas seguranças. Ao rezar, confiamos em Cristo, procuramos fazer a sua obra, manifestamos o nosso desejo de trabalhar por Ele, com Ele e n’Ele. Não nos importam o cansaço, nem as dificuldades, nem a aparência de sucesso ou de fracasso. Se, ao contrário, priorizamos a ação, corremos o risco de pensar que somos nós os que transformamos os nossos amigos. Então, a nossa insegurança procura a segurança nos resultados. Queremos ter a certeza de que estamos fazendo tudo bem. Mas este olhar geralmente é superficial, de curto alcance. A este olhar possivelmente falta o grão de mostarda de que Jesus falou a seus discípulos.
A tentação de nos colocarmos em primeiro lugar pode se apresentar também, de modo mais sutil, inclusive em nossa oração. Isso acontece quando pensamos que é necessário convencer a Deus, merecer os frutos ou estar à altura. Sem querer, às vezes entendemos a nossa oração como algo que exclusivamente nós fazemos. Situamo-nos diante de Cristo e não junto d’Ele. Ou, melhor ainda, não nos situamos n’Ele. Não é difícil que, então, interpretemos a nossa oração ou a nossa ação como uma moeda para comprar frutos apostólicos. Em sentido contrário, santo Agostinho explica que “o intuito de nosso Senhor e Deus (...) é despertar pelas orações nosso desejo. Isso nos tornará capazes de receber o que se prepara para nos dar — o que é imensamente grande. Nós somos, porém, pequenos e estreitos demais para recebê-lo”[2]. Em síntese: a nossa oração nos prepara para desejarmos nos unir aos planos de Cristo, sejam quais forem.
São Josemaria contava uma experiência que pode nos ajudar a tirar essa mentalidade comercial da oração: “em 1940, na praia de Valencia, pude ver como uns pescadores – rijos, robustos – arrastavam a rede até a praia. Um menino pequeno tinha-se metido entre eles e, tratando de imitá-los, puxava também as redes. Era um estorvo: mas observei que a rudeza daqueles homens do mar se enternecia, e não afastavam o pequenino, deixando-o na sua ilusão de que ajudava na labuta. Contei a vocês muitas vezes este episódio, porque me comove pensar que Deus Nosso Senhor também nos deixa pôr a mão nas suas obras, e nos olha com ternura, ao ver o nosso empenho em colaborar com Ele”[3].
A oração nos ajuda precisamente a compreender o privilégio dessa escolha, a sorte que tivemos ao participar dessa missão. Cristo quer que nos sintamos seus colaboradores e que, em nossa pequenez, o sejamos realmente. De que nos animemos a pôr nossas mãos nas redes de Cristo “dependem muitas coisas grandes”[4]. Depois, será Ele quem fará tudo e, além disso, frequentemente nos oferece também o prêmio: “Sequer vimos a batalha, contudo, obtivemos a vitória; foi o Senhor quem lutou e nós quem fomos coroados”[5]. Cristo nos presenteia com a capacidade de saborear a missão, de ficarmos com a melhor parte, de receber o mérito, também quando, algumas vezes, não pudermos ver os frutos exteriormente. Deus prometeu que seus eleitos “não trabalharão em vão” (Is 65,23) e a sua promessa deveria ser suficiente para nós.
Para que sejam felizes
São Josemaria estava a ponto de abandonar um de seus refúgios durante a guerra civil espanhola quando dirigiu uma meditação aos que o acompanhavam. Contou-lhes um projeto que levava muito dentro de si: desejava escrever, quando fosse possível, um pequeno livrinho que se intitularia Tratado da felicidade ou, simplesmente, Sobre a felicidade. Leu-lhes o possível início: “Jesus e eu queremos que você seja feliz, aqui e no outro mundo”[6]. Apesar de que este livro não chegou a ver a luz, esse começo vale a pena por si só. Assim poderíamos definir nossa missão como apóstolos: junto a Jesus, ocupamo-nos de fazer os outros felizes.
Cristo deseja fazer-nos canais da sua graça, dos seus milagres. Ao chamar-nos à sua barca nos presenteou com as aspirações de seu coração. Todos temos, graças ao batismo, alma sacerdotal, isto é, capacidade de ser mediadores. Ele nos enviou para dar fruto e para que o nosso fruto permaneça (cfr. Jo 15, 16). E justamente isso é o que significa saborear: experimentar ou sentir satisfação com os produtos e utilidades de alguma coisa. É possível que algumas vezes reparemos somente nas dificuldades. É, então, a hora de rezar, de descobrir que o protagonista é o Espírito Santo. É o tempo da oração e do sacrifício que, mesmo que pareçam pouco eficazes, na realidade são o remédio dos males mais profundos que afligem o mundo. Por outro lado, outras vezes veremos o fruto dos nossos esforços e transbordaremos em ações de graças. Em ambos os casos, Deus quer que nos alegremos com a nossa missão, que possamos saboreá-la, degustando o amor de Jesus pelas almas.
Quando rezamos vamos nos enchendo daquela loucura do seu coração, a que o moveu a abaixar-se até tornar-se um como nós. Essa loucura que O levou a Belém e que o conduziu à Cruz. A loucura que O mantém no Sacrário, esperando por nós. “O zelo é uma loucura divina de apóstolo, que te desejo, e que tem estes sintomas: fome de intimidade com o Mestre; preocupação constante pelas almas; perseverança que nada faz desfalecer”[7]. E, cheio desse fervor, o apóstolo se lança à aventura de compartilhar a sua experiência, compartilhar a felicidade de Deus, a felicidade de um criador arrebatado pelo frágil carinho de suas criaturas. É tão simples acompanhá-lo, perseverar junto a Ele: bastam a oração e o sacrifício, algo acessível a qualquer fortuna.
O apostolado de sonhar
O Papa Francisco nos pede “sonhar coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras”[8]. Sonhar é de graça, mas, para fazê-lo, também é necessário dar prioridade à oração. Nesse sentido, a santa Missa pode ser o lugar ideal, pois se trata da imensa possibilidade que temos de nos introduzir na oração, na entrega e no agradecimento de Jesus Cristo.
O bem-aventurado Álvaro del Portillo nos recorda esta grande oportunidade, pois “na Santa Missa encontramos o remédio para a nossa fraqueza, a energia capaz de superar todas as dificuldades da nossa tarefa apostólica. Tenham a certeza de que para abrirem no mundo sulcos de amor a Deus, precisam viver bem a Santa Missa! Para levarem a termo a nova evangelização da sociedade que a Igreja nos pede, cuidem cada dia mais da Missa! Para que o Senhor nos envie vocações com abundância divina e para que se formem bem, recorram ao Santo Sacrifício! Importunem o Dono da messe um dia e outro, bem unidos à Santíssima Virgem, enchendo a Missa a que assistem de petições!”[9]. Quando estamos diante do altar do Santo Sacrifício, é o momento ideal para sonhar, para pedir sem nos cansarmos. Quando rezamos com Cristo – e é isso que fazemos na Santa Missa – temos novamente a coragem de lançar a rede no mesmo lugar onde talvez já tenhamos fracassado anteriormente, quando trabalhávamos sozinhos.
O verdadeiro apóstolo tem em seu Mestre o centro da sua vida e o fato de trabalhar em sua vinha, junto a Ele, já é o melhor salário (cfr. Mt 20,1-16). Por isso, ao convidar outros a unirem-se à sua tarefa, o apóstolo certamente “insiste oportuna ou inoportunamente” (2 Tim 4,2), mas o faz com a criatividade do amor, que sugere e que abre horizontes. Não lhes obriga a nada, justamente porque o que deseja é fazer os seus amigos felizes. Se alguma vez temos que insistir, não seremos chatos com os outros, já que não faremos mais que seguir o suave mandato de Cristo. O apóstolo procura seguir o mesmo estilo de um Deus apaixonado, mas respeitoso e delicado, inimigo de forçar qualquer consciência. Este estilo é o que mais atrai, o que mais empurra.
São Josemaria também convidava os que o rodeavam a sonhar grande porque sabia que, quando agimos assim, acende-se um fogo em nós que nos dá ânimo para colocar os nossos talentos em jogo. Por isso, nos enganaríamos em contrapor oração e ação. Seria tão errado pensar que tudo depende da ação, como conformar-nos com uma oração que não nos movesse a fazer o impossível por aproximar uma alma a Jesus. Talvez este último pensamento possa ser às vezes mais difícil porque conhecemos bem nossas as resistências e nossa tendência à comodidade. No entanto, nosso trabalho de apóstolos, inclusive quando nos sentimos “servos inúteis”, sempre dá fruto (cfr. Lc 17,10).
Portanto, os frutos não são “compráveis”. Não só valem muito mais do que seríamos capazes de economizar, mas nem sequer estão à venda: são grátis e Deus os concede quando quer e como quer, já que “o vosso Pai sabe do que precisais, antes de vós o pedirdes” (Mt 6,8). Podemos dizer que os frutos são para sonhar. Nesse sentido, o principal fruto da oração e da mortificação fica em nós mesmos. A relação com Jesus que surge desse abandono n’Ele nos liberta da tentação de pensar que tudo depende de nós.
Almas corajosas
Pode acontecer que, mais frequentemente do que pensamos, vivamos a nossa missão com uma perspectiva que não leva muito em conta os tempos e modos de Deus. Isso pode acontecer, por exemplo, quando a aparente falta de frutos nos tira a paz ou nos deixa tristes. Talvez possa se manifestar na pouca audácia para empreender novas iniciativas ou quando nos apegamos a alguns modos de fazer as coisas que nos dão segurança. Não é difícil que, então, às vezes surja em nós a tendência a reprovar nos outros pela sua falta de compromisso ou a tendência a julgar interiormente. Mas estas atitudes não são próprias de um apóstolo porque não são as atitudes que Cristo teve. Ao contrário, como diz santa Teresa, “convém muito não reduzir os desejos, Sua Majestade deseja almas corajosas e é amigo delas”[10]. O verdadeiro apóstolo é apóstolo vinte e quatro horas por dia. Compreendeu com profundidade a sua missão e de onde provém a eficácia. Sabe que Deus conta com a sua liberdade e que, ao mesmo tempo, tudo depende da graça, que é um mistério. Sonha com o que o amor de Deus pode fazer no mundo e procura colocar tudo o que está ao seu alcance para fazer este amor presente entre as pessoas próximas dele.
São Josemaria, depois de falar do título do livrinho que desejava escrever, relatava as linhas gerais de seu projeto nascente: “Sem estilo pesado, sem o tom pretensioso de quem pretende escrever máximas, anotaria três ou quatro ideias-mestras em linguagem afetiva, familiar, que soassem como confidências aos ouvidos”[11]. Esta é a nossa missão: ajudar Cristo a remover e esquentar os corações. Algo que exige, mais do que qualquer outra coisa, um ambiente de afeto, de proximidade e, numa palavra, de amizade.
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Com a oração e com a mortificação nos libertamos de fazer somente a nossa missão e, em troca, a adicionamos à missão de Cristo. Entendemos, por fim, a sua forma de salvar, o seu extraordinário respeito à liberdade, a sua maneira de convidar e a sua paciência para esperar. Jesus nos liberta de nós mesmos para fazer-nos fecundos, felizes, para saborearmos a sua missão. Podemos recorrer à Rainha dos Apóstolos, mestra de oração, para que nos ajude a usufruir desta imensa alegria: “Olha como pede a seu Filho em Caná. E como insiste, sem desanimar, com perseverança. – E como consegue”[12].
[1] São Josemaria, Caminho nº 82.
[2] Santo Agostinho, Carta 130.
[3] São Josemaria, Carta 29/11/1957, nº 65 (Citado em A. Vázquez de Prada, O fundador do Opus Dei II “Deus e Audácia”. Quadrante, São Paulo, 2004, p. 385)
[4] São Josemaria, Caminho nº 755.
[5] São João Crisóstomo, Sobre o cemitério e a cruz, 2: PG 49, 396.
[6] Crescer para dentro, pg. 283
[7] São Josemaria, Caminho nº 934.
[8] Francisco, ex. ap. Christus vivit, nº 15.
[9] Bem-Aventurado Álvaro, Carta 1/04/1986.
[10] Santa Teresa de Jesus, Vida, 13, 2-3
[11] Crescer para dentro, pg. 283
[12] São Josemaria, Caminho nº 502.