São Lucas é o evangelista que mais destaca o sentido da oração no ministério de Cristo[1]. É o único que nos transmitiu três parábolas de Jesus sobre a oração.
A segunda delas é esta: “havia em uma cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Também havia naquela cidade uma viúva, que vinha a ele dizendo: ‘Faz-me justiça ante meu adversário’. E durante muito tempo não quis.
No entanto, no final ele se disse: ‘Mesmo que não tema a Deus nem respeite aos homens, como esta viúva está molestando-me, lhe farei justiça, para que não continue vindo a importunar-me’”.
Concluiu o Senhor: “prestai atenção ao que disse o juiz injusto. Acaso Deus não fará justiça aos seus eleitos que clamam a Ele dia e noite, e os fará esperar?”[2]
a oração contínua é algo prescrito por Jesus: trata-se de um mandato e não só de um conselho
Ao apresentar a parábola, São Lucas escreve: “lhes propunha uma parábola sobre a necessidade de orar sempre e não desfalecer”[3]. E, pouco depois, refere outras palavras de Jesus sobre a necessidade da vigilância: “vigiai orando em todo o tempo, a fim de que possais evitar todos esses males que vão acontecer, e estar em pé diante do Filho do Homem”[4].
Como se pode observar, o terceiro evangelista destacou como Jesus outorga muita importância à constância na oração, pois manda a seus discípulos que permaneçam continuamente nela: “dia e noite”, “em todo tempo”. Fica claro, além disso, pelo tom que o Senhor usa em suas palavras, que a oração contínua é algo prescrito por Jesus: trata-se de um mandato e não só de um conselho.
É necessário rezar sem interrupção para seguir de perto ao Senhor, porque Ele mesmo nos dá exemplo e ora continuamente a seu Pai Deus. Assim nos mostra São Lucas: “Ele se retirava para lugares afastados e fazia oração”[5], e também: “estava fazendo oração em certo lugar. E quando terminou, disse-lhe um de seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos”[6].
No terceiro Evangelho se recolhem numerosas cenas onde vemos que Jesus ora antes dos momentos decisivos de sua missão, entre outros: o seu Batismo; a Transfiguração; antes de escolher e chamar aos Doze; antes de cumprir com a sua Paixão o desígnio de amor do Pai[7].
Sobre o exemplo da oração do Senhor, comenta são Josemaria: “como enamorou aos primeiros discípulos a figura de Cristo orante! Depois de contemplar essa atitude constante do Mestre, lhe perguntaram: Domine, doce nos orare, Senhor ensina-nos a orar assim”[8].
Nos Atos dos Apóstolos, São Lucas retrata, com três pinceladas, a maneira de rezar dos primeiros fiéis: “todos eles perseveravam unânimes na oração, junto com algumas mulheres e com Maria, a mãe de Jesus”[9], e pouco depois: “perseveravam assiduamente na doutrina dos apóstolos e na comunhão, na fração do pão e nas orações”[10]. E quando Pedro é preso por pregar audazmente a verdade, “a Igreja rogava incessantemente por ele a Deus”[11].
Depois de São Lucas, é São Paulo quem mais faz eco do preceito de Jesus sobre a oração contínua, pois exorta frequentemente aos fiéis a pô-lo em prática; por exemplo; aos de Tessalônica: “orai sem interrupção”[12], e aos de Éfeso: “orando em todo tempo movidos Pelo Espírito”[13]. O mesmo São Paulo nos dá exemplo, quando diz que reza constantemente pelos seus “noite e, dia, sem cessar”[14].
Seguindo os ensinamentos bíblicos, alguns Padres da Igreja e escritores eclesiásticos antigos também exortam os cristãos a levar uma vida de oração incessante. Um deles, por exemplo, escreve: “se bem que alguns atribuem a oração a determinadas horas, por exemplo, a terceira, a sexta, e a nona, o cristão perfeito reza durante sua vida inteira esforçando-se em viver com Deus por meio da oração”[15].
Vida de oração constante
Como cristãos correntes, que querem seguir de perto a Jesus nas encruzilhadas do mundo, temos de viver continuamente unidos a Deus, por meio de uma oração constante: “sempre que sentimos no coração desejos de melhorar, de corresponder mais generosamente ao Senhor, e procuramos um roteiro, um norte claro para a nossa existência cristã, o Espírito Santo traz-nos à memória as palavras do Evangelho: Importa orar sempre e não desfalecer (...). Quereria que hoje, na nossa meditação, nos persuadíssemos definitivamente da necessidade de nos dispormos a ser almas contemplativas, no meio da rua, do trabalho, mantendo com o nosso Deus um diálogo contínuo, que não deve decair ao longo do dia. Se pretendemos seguir lealmente os passos do Mestre, esse é o único caminho”[16].
Quereria que hoje nos persuadíssemos da necessidade de ser almas contemplativas,
no meio da rua
O cristão que quer ser coerente com a sua fé deseja esforçar-se para transformar o seu dia em uma conversa constante e íntima com Deus, de tal modo que a oração não seja um ato isolado que se cumpre e logo se abandona: “pela manhã penso em ti; e, de tarde, a Ti se eleva minha oração como o incenso. O dia inteiro pode ser tempo de oração: da noite até à manhã e da manhã até à noite. Mais ainda: como nos recorda a Escritura Santa, o próprio sono deve ser oração”[17].
Isto mesmo foi afirmado por alguns Padres da Igreja, por exemplo São Jerônimo: “o apóstolo nos manda orar sempre e, para os santos, o próprio sono é oração”[18].
A oração contínua é certamente um dom divino, que Deus não nega a quem corresponde com generosidade à sua graça. Algumas práticas de piedade cristã manifestam de modo especial esse diálogo ininterrupto com o Senhor que preenche a alma.
Tais práticas são, ao mesmo tempo, consequência do amor e meio para crescer nele. E esse caráter de meio faz que, se o cristão quer alcançar uma vida de oração contínua, não pode adotar uma atitude passiva em relação a luta interior: deve procurar e usar lembretes, que possam avivar em qualquer momento o diálogo divino e a presença de Deus.
Esses despertadores da vida interior são muito pessoais, porque o amor é engenhoso: serão diversos segundo as distintas circunstâncias de cada um, porém todos nós temos de ver que meios usamos para rezar constantemente: todos devemos adotar em nossa jornada algumas normas de sempre, práticas de piedade que não se limitam a um momento concreto.
O mais importante do trato do cristão com o Senhor é que “a relação com Deus esteja presente no mais íntimo do nosso ser”, e para isso “, é preciso que esta relação seja sempre desperta e que sejam sempre a ela referidas as coisas de cada dia”[19]. E isto o conseguimos propondo-nos, por exemplo, buscar a presença de Deus habitualmente, e considerando que somos filhos de Deus antes de começar um trabalho, ou dando graças ao Senhor por um favor que nos fizeram, aproveitando que se a ele agradecemos também o fazemos à pessoa a quem o devemos.
Estas normas de sempre estão profundamente entrelaçadas entre si, porque no fundo não são mais que a “orientação que impregna toda a nossa consciência, a presença silenciosa de Deus na base do nosso pensamento, da nossa reflexão e do nosso ser”[20]. Desse modo, por exemplo, a presença de Deus ajuda a perceber as coisas boas que Ele nos dá e mostrar-lhe nossa gratidão. Quem se propõe agradecer ao Senhor os bens que recebe – inclusive a própria existência, a fé, a vocação cristã – aproveitando algumas circunstâncias do dia, acaba descobrindo outras ocasiões para louvá-lo durante a jornada. E isto é a “oração contínua”[21].
“como é possível perceber tudo isso, reparar que Deus nos ama, e não enlouquecer também de amor?”
São Paulo nos deu exemplo de viver uma vida de ação de graças constante: “dou constantemente graças a meu Deus por vós, a propósito da graça de Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus”[22].
Nesta mesma linha, São Josemaria exorta a converter a vida inteira do cristão em uma contínua ação de graças: “Como é possível perceber tudo isso, reparar que Deus nos ama, e não enlouquecer também de amor? (...) A nossa vida converte-se assim numa contínua oração, num bom humor e numa paz que nunca se acabam, num ato de ação de graças desfiado ao longo das horas”[23].
A Virgem Santíssima permaneceu sempre em oração contínua, porque alcançou o cume mais alto da contemplação. Como a olharia Jesus e como corresponderia Ela ao olhar de seu Filho! Não estranhemos que uma realidade tão inefável tenha ficado em silêncio, apenas insinuada: eram as coisas que Maria conservava em seu coração[24].
M. Belda.
[1] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2600.
[2] Lc 18, 2-7.
[3] Lc 18. 1.
[4] Lc 21, 36.
[5] Lc 5. 16.
[6] Lc 11, 1.
[7] Cfr. Lc 3, 21; 9, 28; 6, 12; 22, 41-44.
[8] É Cristo que passa, n. 119.
[9] At 1, 14.
[10] At 2, 42.
[11] At 12, 5.
[12] 1 Ts 5, 17.
[13] Ef 6, 18.
[14] 1 Ts 3,10; cfr. 2 Ts 1, 11; Rm 1,10; 1 Co 1, 4; Flp 1, 4; Ts 1,3; Flm 4.
[15] Clemente de Alexandria, Stromata, 7, 7, 40, 3.
[16] Amigos de Deus, 238.
[17] É Cristo que passa, 119.
[18] São Jerônimo, Epístola 22, 37.
[19] J. Ratzinger – Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 122.
[20] Ibid.
[21] Cfr. Ibid.
[22] 1 Cor 1, 4; cfr. Ef 1,16.
[23] É Cristo que passa, n. 144.
[24] Cfr. Lc 2, 51.