No artigo anteriorfalou-se do fundamento natural do direito dos pais à educação dos seus próprios filhos, e do caráter universal e irrenunciável desse direito.
Certamente, a partir dessas considerações é fácil passar a entender a escola como prolongamento da tarefa formativa que se deve levar a cabo no próprio lar. E, no entanto, é preciso afirmar que não são só os pais que são legitimamente competentes em questões que têm que ver com a educação: o Estado e também a Igreja, por outros títulos, têm obrigações iniludíveis neste campo.
A FUNÇÃO DO ESTADO EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO
São múltiplas as razões que justificam o interesse dos poderes públicos pelo ensino. Do ponto de vista prático, é um fato comprovado a nível internacional que o crescimento efetivo da liberdade e o progresso socioeconômico das sociedades se baseiam na necessidade de que os poderes públicos garantam um certo nível cultural à população.Uma sociedade complexa só poderá funcionar corretamente se se der uma adequada distribuição da informação e dos conhecimentos proporcionados para a sua oportuna gestão, bem como a suficiente compreensão das virtudes e das normas que possibilitam a convivência civil e condicionam os comportamentos individuais e coletivos.
Basta pensar, por exemplo, na importância de combater o analfabetismo para melhorar a justiça social, para entender que o Estado tem poderes, funções e direitos indeclináveis em matéria de promoção e difusão da educação, a que todo o homem tem um direito inalienável [1].
Isto justifica, como concreta exigência do bem comum, que o ordenamento estatal estabeleça certos níveis de ensino cujo aproveitamento eficaz pode legitimamente condicionar o acesso a determinadas carreiras universitárias ou a outros tipos de atividades profissionais.
Neste contexto, pode colocar-se o problema das competências dos pais e as do Estado serem discordantes ou incompatíveis ou, pelo contrário, poderem chegar a ser complementares. Em todo o caso, pode perguntar-se: como se relacionam entre si? Até onde pode o Estado legislar sem ultrapassar o direito dos pais, ou quando poderá intervir para garantir os direitos das crianças frente aos seus pais?
Na realidade, trata-se de questões que não tocam a função do que, com respeito ao ensino, corresponde ao Estado. No entanto, contrariamente ao que seria desejável, observa-se uma tendência nos poderes públicos, que se vem manifestando em muitos países, pelo menos desde o século XVIII, a assumir de modo cada vez mais exclusivo a função educativa, atingindo nalgumas ocasiões níveis de monopólio quase total da escola.
Na base deste interesse encontra-se a pretensão de estender a todas as pessoas uma ética única, que corresponderia a uma moral de cidadania cujo conteúdo estaria formado por uns princípios éticos mínimos de validade universal e partilhados por todos; nos casos mais extremos caiu numa concepção quase totalitária, pois pretende substituir o cidadão na responsabilidade de possuir um juízo próprio de moralidade e de consciência, impedindo outros projetos ou estilos de vida que não sejam os promovidos a partir da opinião pública criada ou apoiada pelo Estado.
O instrumento para impulsionar estes objetivos foi a defesa à saciedade do ensino neutro na chamada escola pública, o isolamento ou a asfixia econômica das iniciativas de ensino nascidas no seio da sociedade civil ou, de modo indireto, o estabelecimento através da legislação estatal de requisitos de homologação ou programação geral com tão elevado grau de precisão e exaustividade que eliminam na prática as possibilidades de especificidade das alternativas de caráter social, dando lugar pela via dos fatos a um monopólio sobre a educação, ou a existência puramente formal do pluralismo escolar.
Neste contexto, pode afirmar-se que a pretendida neutralidade dos programas estatais é só aparente, pois implica uma posição ideológica concreta. Além disso, no Ocidente, pode verificar-se que esse tipo de iniciativas costumam estar relacionadas com o desejo de emancipar a cultura humana de toda a concepção religiosa, ou com o afã de relativizar bens morais que são fundamentais, como o sentido da afetividade e do amor, da maternidade, o direito à vida desde o primeiro instante da concepção até à morte natural...
Nos últimos anos, esta postura foi reforçada ao aplicar à escola princípios mais próprios do âmbito universitário, como a liberdade de cátedra e de expressão de quem se dedica à função docente. Desse modo, a liberdade educativa vê-se restringida à presumida liberdade que teria o professor para expressar as suas ideias e formar, a seu capricho, os seus alunos, como uma concessão que lhe delegou o Estado.
Na base dessas formas de conceber a liberdade nota-se um profundo pessimismo acerca das possibilidades da pessoa humana e da capacidade dos pais, e da sociedade em geral, para garantir formação na virtude e na responsabilidade de cidadania aos filhos.
As dificuldades superam-se quando se considera que a escola cumpre uma função supletiva com respeito aos pais, e que «os poderes públicos têm o dever de garantir este direito dos pais e de assegurar as condições reais do seu exercício» [2], ou seja, devem ser guiados pelo princípio da subsidiariedade.
A LIBERDADE DE ENSINO
A defesa do direito dos pais à educação dos filhos no âmbito escolar, quer seja a respeito dos abusos dos poderes públicos, quer seja a respeito das pretensões ideológicas do professor, é o que usualmente se denomina liberdade de ensino ou também liberdade de educação. É o mesmo direito natural dos pais visto na perspectiva das relações com o Estado ou com outros agentes educativos.
A liberdade de ensino é, portanto, um direito humano que tem como sujeito os pais de família para educarem os filhos de acordo com as suas preferências, que podem ser de qualquer tipo [3]; desde questões que afetam o currículo (a escolha dos idiomas, ou dos esportes que se praticam), até metodológicas ou pedagógicas (onde entra, por exemplo, o ensino diferenciado ou outros aspetos de índole e caráter mais disciplinar).
Logicamente, entra neste campo a orientação religiosa; é normal que um pai deseje educar o filho na sua mesma fé, de modo coerente com aquilo em que acredita e pratica. Não se trata, pois, de uma questão confessional ou ideológica, mas sim do próprio direito natural dos pais.
Esta liberdade garante que serão eles que se ocuparão da educação dos filhos, quer por si próprios quer escolhendo as escolas ou outros meios que considerem oportunos ou necessários, ou também criando os seus próprios centros educativos. O Estado tem evidentemente funções de promoção, de controle, de vigilância. E isso exige igualdade de oportunidades entre a iniciativa privada e a do Estado: vigiar não é levantar obstáculos, nem impedir ou restringir a liberdade[4].
Em qualquer caso, este direito não se limita apenas ao âmbito doméstico, mas tem justamente como objeto próprio o ensino, que satisfaz a obrigação legitimamente imposta pelo poder público acerca de levar a cabo uma instrução mínima do menor, ou seja, durante todo o tempo em que o filho se encontre sob a tutela dos pais.
Em consequência, a liberdade de ensino não versa sobre qualquer tipo de educação, mas refere-se às atividades educativas que têm uma relevância social concreta, de modo que a educação recebida pelo menor de idade tenha valor jurídico. A liberdade de ensino traz consigo, portanto, admitir que não é só a escola estatal que é capaz de certificar o cumprimento da obrigação da instrução mínima estabelecida legitimamente pelo poder público.
Durante este tempo de menor idade, a atividade dos professores não se rege pela livre transmissão de conhecimentos nem pela liberdade de investigação própria do âmbito e do afazer universitários; os professores atuam principalmente como delegados dos pais, pondo ao seu serviço o talento profissional que possuem para cooperar com eles no tipo de educação que pretendem proporcionar aos filhos.
No âmbito da escola, a atividade docente do professor é uma atividade que se deveria qualificar de “paterna”, nunca uma atividade ideológica. A liberdade de ensino revolta-se face à mudança de paradigma que implica a substituição do princípio segundo o qual a escola atua como delegada dos pais, por aquele outro que defende que a escola atua como agente ideológico-administrativo dos poderes estatais.
O DEVER DE INTERVIR NO ÂMBITO PÚBLICO EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO
Todos os cidadãos e de modo especial os pais, individualmente ou unidos em associações, podem e devem intervir no âmbito público quando esteja em jogo a educação, aspecto fundamental do bem comum.Há dois pontos capitais na vida dos povos: as leis sobre o casamento e as leis sobre o ensino; e aí, os filhos de Deus devem estar firmes, lutar bem e com nobreza, por amor a todas as criaturas [5].
Esta firmeza, que corresponde soberanamente à família fundada no matrimônio, apoia-se numa potestade que é intrínseca – não concedida pelo Estado, nem pela sociedade, mas anterior a eles pois tem o seu fundamento na natureza humana – e, portanto, deve aspirar a ver reconhecido o direito próprio dos pais a educar os filhos por si próprios, ou o direito para delegar essa atividade em quem queiram delegar a sua confiança, como manifestação do sentir social da família, e âmbito de soberania frente a outros poderes que pretendam interferir na referida atividade. Tal atitude por parte dos pais requer, por seu lado, grande espírito de responsabilidade e iniciativa.
J.A. Araña e C.J. Errázuriz
1. Cfr. João Paulo II, Alocução à UNESCO, 2-VI-1980; Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Libertatis conscientia, n. 92.
2. Catecismo da Igreja Católica, n. 2229.
3. Cfr. Ibid.
4. São Josemaria, Temas Atuais do Cristianismo, n. 79.
5. São Josemaria, Forja, n. 104.