Nada tão prático quanto uma boa teoria
Ao afirmar que quem não vive como pensa acaba pensando como vive, a sabedoria popular não diz tudo e nem sequer o mais importante.
Porque se é verdade que quem não luta para corrigir um comportamento errado muitas vezes termina adotando uma teoria que a justifique, também é verdade que uma compreensão adequada das realidades fundamentais constitui a melhor e mais permanente ajuda para uma conduta correta.
Entre essas verdades, nenhuma influencia tanto o comportamento como a compreensão profunda de que qualquer homem ou mulher é pessoa. E nenhuma determina tão eficazmente a atitude dos cônjuges entre si e em relação a seus filhos.
Por isso, a consideração pausada das consequências de ser pessoa, longe de nos separar da prática educativa, introduz-nos no seu próprio coração, e ao mesmo tempo ilumina a partir de dentro o sentido mais profundo da paternidade responsável.
Pessoa e filho de Deus
Podemos imaginar a grandeza da descoberta da condição pessoal, unida historicamente à difusão do cristianismo, ao responder à pergunta: “Qual deve ser o valor de cada homem, se o Verbo de Deus decidiu encarnar-se e morrer na Cruz para devolver-lhe a possibilidade de gozar dEele e com Ele por toda a eternidade?”
A verdade era tão inegável como sublime e surpreendente. E as suas consequências práticas tão profundas e cotidianas, que os primeiros a vislumbrá-la temeram não estar à altura de tanta maravilha e esquecer, nem que fosse por um momento, a impressionante grandeza dos que os rodeavam.
Quiseram assegurar então que a própria palavra com que se referiam a eles trouxesse a sua mente o valor quase infinito de qualquer homem ou mulher, de “cada um de todos”.
É exatamente isso o que a palavra pessoa indica, utilizada desde então para designá-los: a magnitude indescritível e a absoluta e insubstituível singularidade de cada ser humano, correlativa, no reino da graça, à condição de filhos de Deus.
Seguindo uma pauta divina
A filosofia e a teologia endossam o que os homens de boa vontade intuem e qualquer cristão sabe com certeza: a única coisa que pode levar Deus a criar é o bem das criaturas às que pensa dar o ser, e em particular, o das pessoas: Ele não ganha nada ao criar-nos, porque o que seu Bem é infinito e não admite crescimento.
Com palavras mais claras: cada um dos seres humanos é resultado do Amor infinito de Deus, que quer o melhor para ele.
E como não existe nada melhor que o próprio Deus, Deus cria o homem à sua imagem e semelhança – torna-o capaz de conhecê-lo e amá-lo – e, elevando-o à ordem da graça, destina-o a unir-se definitivamente a Ele, introduzido na sua própria Vida, num diálogo eterno e poderosamente unitivo de conhecimento e amor.
Para se referir a essa condição final do ser humano, Tomás de Aquino usa expressões tão audazes como profundas: os homens estamos chamados a “atingir” ou “tocar” a Deus (attingere Deum), transformando-nos em “deuses” por participação (participative dii).
Se Deus pode ser descrito como um Ato infinito e perfeito de Amor de Deus, seremos inteiramente semelhantes a Ele quando, ao final, levados por sua graça, todo nosso ser se resuma e transforme em um também perpétuo e gozoso ato... de amor de Deus.
Deuses por participação: esse é o nosso destino e o índice mais soberano da nossa grandeza.
Como “responder” à grandeza dos nossos filhos
Sobre essa convicção construiu-se e continua a fundamentar-se o melhor da nossa civilização; e sobre a mesma base, enriquecida e tornada eficaz através do diálogo com Deus, deve edificar-se a relação dos cônjuges entre si e com cada filho.
Sempre e em qualquer circunstancia, ao referir-se a seus filhos, um pai e uma mãe devem considerar que se encontram diante de uma pessoa e que, com sua própria atitude e maneira de trabalhar, devem responder à grandeza dessa índole pessoal.
No seu sentido mais amplo e profundo, a paternidaderesponsável indica a qualidade do comportamento dos pais que respondem como pessoas à nobreza indescritível, e impossível de exagerar, de uns filhos que também são pessoas.
Além do respeito genérico, e inclusive da veneração e da reverência, essa resposta só se expressa adequadamente com uma palavra: amor, profundamente entendido como a busca coerente e decidida do bem do ser amado.
Cooperadores de Deus
A vida na terra, então, mais do que como uma “prova”, deve ser concebida como a grande oportunidade que Deus oferece para aumentar a nossa capacidade de amar, sendo cada vez mais felizes já neste mundo, de modo que, ao concluir nossa existência terrena, e tendo expandido as fronteiras do nosso coração, Deus “caiba” mais na nossa alma e gozemos mais Dele por toda a eternidade.
O pai e a mãe devem colaborar com Deus nesta tarefa, de uma forma muito particular, derivada de sua condição de pais.
O Modelo é, de novo, o próprio Deus. Se, para nos salvar, Jesus Cristo se “aniquilou”, manifestando assim a infinitude do Amor divino, para educar – que no fundo é ensinar a amar – o pai e a mãe devem saber também “desaparecer” em benefício de cada filho. Quer dizer, seus interesses, suas capacidades, seus sonhos mais nobres só contam na medida em que souberem pô-las sem reservas a serviço do cumprimento do plano de Deus para cada filho.
Em outras palavras, na medida em que ajudam a cada filho a descobrir esse desígnio – único, mesmo que convergente com o de qualquer outro ser humano –, e estimulam e apoiam a sua liberdade; para que saibam dirigir-se por si mesmos à plenitude do Amor que lhes deu o ser e que os interpela para que retornem a Ele livremente.
Co-criadores responsáveis
Esse direito-dever deriva, como dizia, da sua condição de pais. Como recorda também Tomás de Aquino, aqueles que foram a causa do surgimento de uma realidade, devem ser também o motor do seu desenvolvimento: podem e devem.
Um filho nada mais é do que a síntese do amor dos cônjuges entre si, intimamente ligados ao amor de Deus, que cria a alma. Por isso corresponde aos pais cooperar com Deus na educação de cada filho, como um direito inalienável, que ao mesmo tempo é um dever do qual ninguém os pode dispensar: por serem realmente seus pais, por sua condição de co-criadores.
Deus não necessitava de nada nem de ninguém para dar a vida a qualquer ser humano. Porém também quis associar-nos a Ele na sua ação criadora, fruto do seu Amor infinito, elevando-nos de certo modo à altura de co-criadores.
E fez isso “do seu jeito”, tendo em conta a sublimidade e, por assim dizer, a grandeza do resultado da sua ação criadora: cada pessoa humana, que exige ser tratada sempre com amor, porém muito especialmente no instante prodigioso em que começa a sua existência, que é condição de possibilidade de qualquer outro momento e situação.
Por isso, para realizar a criação de cada nova pessoa humana, Deus buscou “algo” igualmente maravilhoso: se o infinito e todo-poderoso Amor divino é o Texto que narra a entrada na vida do ser humano e a realiza – a Palavra de Deus é infinitamente eficaz –, o único contexto proporcionado a esse Amor sem medida deveria ser também um grandioso e gozoso ato de amor.
Refiro-me, como é fácil inferir, ao ato maravilhoso em que se unem intimamente um homem e uma mulher que, por amor, se entregaram mutuamente e por toda a vida.
Como sugeri, este conjunto de verdades, normalmente pouco consideradas, constituem o âmbito e o horizonte essenciais, onde se delineia a doutrina particular da paternidade responsável.
O que nela geralmente afirma-se – e que reservo para um artigo posterior – só se compreende sob a luz da sublimidade dos que participam mais diretamente na geração e no desenvolvimento de toda pessoa humana: Deus, o próprio filho, cada um de seus pais.
T. Melendo