Meditações: terça-feira da 3ª semana do Tempo Comum

Reflexão para meditar na terça-feira da 3ª semana do Tempo Comum. Os temas propostos são: a chave para abrir a porta da santidade; guia para uma vida feliz; um coração dócil.

  • A chave para abrir a porta da santidade
  • Guia para uma vida feliz
  • Um coração dócil

UMA GRANDE multidão encontra-se junto de Jesus. A sua vida pública acaba de começar e já despertou vários tipos de paixões. Muitos ouvem atentamente as suas palavras, entusiasmados com as curas que realiza. Outros, no entanto, já estão planejando como acabar com Ele, pois apresentou-Se como o Filho de Deus e declarou que o homem é mais importante do que o sábado. A multidão ao seu redor é tão grande que nem mesmo a sua Mãe e os seus discípulos conseguem se aproximar d’Ele. Quando dizem a Jesus que estes O procuram, responde: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” E imediatamente conclui: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 33-35).

A pergunta que Jesus faz pode dar a impressão de demonstrar uma certa indiferença, como se não soubesse quem é a sua Mãe e os seus irmãos. No entanto, com o que logo a seguir acrescenta, deixa entrever a base do seu parentesco com eles. Não são apenas aqueles que O seguem de perto ou com quem tem mais confiança, mas todos aqueles que procuram cumprir a vontades de Deus podem ter familiaridade com Jesus. Os seus discípulos são os que puseram todas as suas expectativas e sonhos no Senhor, para que as suas vidas estejam concentradas no que Ele quer. Embora tenham que ir purificando a sua forma de entender e seguir o Mestre, reconhecem que, junto d’Ele, encontrarão a vontade divina para cada um, e que este caminhar juntos deve se tornar o ponto de referência para toda a sua existência. Esta é a chave para abrir a porta da santidade: viver segundo a vontade de Deus[1]. Como Cristo afirmará noutra ocasião: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7, 21).


EM MUITOS momentos Jesus afirma que a sua prioridade é cumprir o que seu Pai espera d’Ele. Mesmo quando é criança e permanece em Jerusalém, responde assim quando Maria e José O encontram no Templo: “Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” (Lc 2, 49). Mais tarde dirá também que o seu alimento é fazer a vontade d’Aquele que O enviou (cf. Jo 4, 34). Este foi o desejo que guiou toda a sua existência.

Quem quer imitar Cristo pode constatar que nem sempre sabe o que Deus espera dele. E mesmo que o descubra, pode também sentir contrariedades. Neste sentido, é reconfortante saber que Jesus também experimentou em Getsêmani a tensão entre as suas próprias forças e o que seu Pai Lhe pedia: “Se é possível, afaste-se de mim este cálice. Contudo, não seja feito como eu quero, mas sim como tu queres” (Mt 26, 39). Sabia que era difícil cumprir a missão pela qual tinha vindo ao mundo. Mas o desejo de fazer a vontade de seu Pai era maior do que esse peso.

O amor à vontade de seu Pai deu a Jesus uma visão adequada sobre o valor das realidades terrenas: “O meu julgamento é justo, porque não procuro fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 5, 30). Este é o critério que nos permite ter uma vida feliz, pois Deus é o primeiro a desejar o nosso bem na terra e no céu. Ninguém sabe melhor que Ele como construir essa felicidade, que muitas vezes pode ir unida ao sacrifício e à dor. Amar a Sua vontade não é propriamente uma submissão a certas condições, tendo em vista uma recompensa futura, mas sim confiar na bondade dos planos de Deus, que também são para nós: o seu desejo é partilhar a sua felicidade conosco, embora na terra não seja plena. Como escreve São João: “Conhecemos o amor que Deus tem para conosco e acreditamos nele. Deus é amor: quem permanece no amor permanece com Deus, e Deus permanece com ele” (1Jo 4, 16).


COM FREQUÊNCIA, São Josemaria falava de obediência inteligente: Deus não nos impõe uma obediência cega. De fato, esta virtude não consiste simplesmente em realizar o que alguém nos pediu, mas sim em pôr em prática as nossas capacidades para realizar esse objetivo. Precisamente no Horto das Oliveiras Jesus está ponderando como agir diante do que seu Pai Lhe pede. Ao reorientar a sua vontade humana para o sim pleno a Deus, “diz-nos que o ser humano só alcança a sua verdadeira altura, só chega a ser divino, conformando a sua própria vontade com a vontade divina”[2].

É normal que às vezes não saibamos qual é a vontade de Deus. Por isso procuramos a ajuda da direção espiritual, de alguém que possa dar-nos um conselho. Ao mesmo tempo, nem sempre será fácil reconhecer o sentido daquilo que nos é proposto quando choca com o que pensávamos. De fato, essa pessoa não é infalível, e ninguém pode transmitir exatamente a vontade de Deus. Mas também sabemos que nós próprios não somos infalíveis e podemos enganar-nos. E mesmo que um conselho nem sempre se identifique necessariamente com o que Deus quer, o Senhor conta com a nossa disponibilidade de o seguirmos, por amor. Isto mesmo foi que o profeta Samuel transmitiu a Saul quando lhe desobedeceu: “O Senhor quer holocaustos e sacrifícios ou quer a obediência à sua palavra?” (1Sm 15,22). Deste modo, esclarecia “a hierarquia de valores: é mais importante ter um coração dócil e obedecer do que fazer sacrifícios, jejuns, penitências”[3].

São Lucas destaca que, depois de encontrarem Jesus no Templo, nem Maria nem José compreenderam o que tinha acontecido. No entanto, observa que “sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração” (Lc 2, 51). Ou seja, considerava o que lhe acontecia procurando descobrir por que o Senhor permitia que isso acontecesse. De fato, há realidades que só conseguiremos compreender plenamente com o passar do tempo. E Maria, com a sua obediência, soube confiar na vontade de Deus.


[1] cf. São Josemaria, Caminho, n. 754.

[2] Bento XVI, Audiência, 01/02/2012.

[3] Francisco, Homilia, 20/01/2020.