Meditações: Sexta-feira da 1ª semana da Quaresma

Reflexão para meditar na sexta-feira da 1ª semana da Quaresma. Os temas propostos são: Os juízos críticos e o quinto mandamento; Pensar sempre bem dos outros; O amor de Deus nos libera da inveja.


“A MINH'ALMA espera no Senhor mais que o vigia pela aurora. Espere Israel pelo Senhor, pois no Senhor se encontra toda graça e copiosa redenção” (Sl. 129, 7). Nós, cristãos, esperamos em Deus que é perdão e misericórdia, queremos contemplar o mundo ao lado dele. Assim se poderia também definir a luta pela santidade: essa progressiva identificação do nosso olhar com o dele. O ponto de partida dessa tarefa é a purificação do nosso coração, a que a Quaresma nos convida incessantemente. Sabemos, porém, que não se trata de um processo automático. Pode, às vezes, parecer-nos que somos excessivamente inclinados ao juízo temerário, a olhar as coisas só do nosso ponto de vista, sem ter consciência do dano que causamos aos outros e a nós mesmos. Jesus relaciona essas rixas e inimizades com o quinto mandamento, que proíbe de matar (cfr. Mt 5, 21-24).

“Quem pode julgar o homem? A terra inteira está cheia de juízos temerários. Com efeito, aquele de quem desesperávamos, quando menos pensávamos, converte-se subitamente e chega a ser o melhor de todos. Aquele, pelo contrário, em quem havíamos confiado tanto, quando menos esperávamos, cai subitamente”[1]. O Reino de Deus está entre nós, e só o Senhor ocupará o lugar de juiz. Por que caímos com tanta frequência nos juízos críticos? “Como é fácil criticar os outros (...). O Espírito Santo além de doar-nos a mansidão, convida-nos à solidariedade, a carregar os pesos dos outros. Quantos pesos presentes na vida de uma pessoa: a doença, a falta de trabalho, a solidão, a dor...! E quantas outras provas que requerem a proximidade e o amor dos irmãos”[2].


NÃO É FÁCIL desativar o mecanismo interior que nos leva à crítica; mas o Espírito Santo pode dar-nos luz para descobrir o que acontece em nosso coração quando surgem essas emoções negativas. “Muitas vezes o dedo que aponta e o juízo que fazemos a respeito dos outros são sinal da incapacidade de acolher dentro de nós mesmos a nossa própria fraqueza, a nossa fragilidade. Só a ternura nos salvará da obra do Acusador (cfr. Ap 12, 10). Por isso, é importante encontrar a Misericórdia de Deus, especialmente no sacramento da Reconciliação, fazendo uma experiência de verdade e ternura”[3]. Uma consciência profunda do perdão, de não ter méritos para merecer tanta bondade de Deus, levar-nos-á a considerar os outros do mesmo modo, com um olhar benevolente. Algumas vezes, julgar os outros pode ser sintoma de que pensamos ser merecedores da graça, consequência de um Deus que não ama, mas que paga.

Um caminho para não cair no juízo crítico é pensar sempre o melhor possível dos outros. São Tomás de Aquino indicava que “pode acontecer que quem interpreta no melhor sentido se engane mais frequentemente; é, porém, melhor que alguém se engane muitas vezes fazendo bom conceito de um homem mau do que quem se engana raras vezes pensando mal de um homem bom, pois neste caso se faz injúria ao outro, o que não acontece no primeiro”[4]. É melhor enganar-se, pensando bem, do que injuriar pensando mal. “Paradoxalmente, também o Maligno pode dizer-nos a verdade, mas, se o faz, é para nos condenar. Entretanto nós sabemos que a Verdade vinda de Deus não nos condena, mas acolhe-nos, abraça-nos, ampara-nos, perdoa-nos”[5]. “Acostuma-te a falar cordialmente de tudo e de todos – recomendava São Josemaria – em particular, de todos os que trabalham no serviço de Deus, E quando não for possível, cala-te! Também os comentários bruscos ou desembaraçados podem beirar a murmuração ou a difamação”[6].


“SE LEVARDES em conta nossas faltas, quem haverá de subsistir?” (Sl 129, 3), perguntamos, com o salmista. Consola-nos, por isso, pensar quanto Deus nos perdoou, considerar o seu amor totalmente gratuito para conosco, apesar das nossas traições. Às vezes, no entanto, a inveja nos leva de modo paradoxal a entristecer-nos pelos bens alheios, fundamentalmente pelo amor ou pela honra que recebem. Se tivéssemos plena consciência da grande estima de Deus por cada um de nós, isto não entraria em nosso coração.

O Santo Cura D’Ars dizia que “se tivéssemos a sorte de estar isentos do orgulho e da inveja, nunca julgaríamos ninguém, mas sim contentar-nos-íamos em chorar nossas misérias espirituais, rezar pelos pobres pecadores e nada mais, bem persuadidos de que Deus não nos pedirá contas das ações dos outros, mas só das nossas”[7]. Enquanto não aprendermos, no entanto, a alegrar-nos com os bens dos outros, ou por brilharem mais que nós, a inveja nos acompanhará ao longo de nosso caminho pela terra. Para nossa sorte, Jesus aceitará um juízo injusto que ferirá a sua honra para que nós sejamos livres de qualquer condenação; para ver-nos livres da própria necessidade de julgar e de julgar-nos.

“A Trindade Santíssima coroou a nossa Mãe. - Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo pedir-nos-á contas de toda a palavra ociosa. Mais um motivo para que digamos a Santa Maria que nos ensine a falar sempre na presença do Senhor”[8].


[1] Santo Agostinho, Sermão 46, sobre os pastores, 24-25.

[2] Francisco, Audiência, 3/11/2021.

[3] Francisco, Patris corde, n. 2.

[4] São Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 60, a. 4, ad 1.

[5] Francisco, Patris corde, n. 2.

[6] São Josemaria, Sulco, n. 902.

[7] São João Maria Vianney, Sermão sobre o juízo temerário.

[8] São Josemaria, Sulco, n. 926.