Meditações: Segunda-feira da 1ª semana da Quaresma

Reflexão para meditar na segunda-feira da 1ª semana da Quaresma. Os temas propostos são: renunciar ao pecado é um ganho; Ver Cristo nos outros; O céu para quem recebe tudo de Deus.


“OS PRECEITOS do Senhor são precisos, alegria ao coração – canta o salmista – O mandamento do Senhor é brilhante, para os olhos é uma luz” Alegria para o coração e luz para os nossos olhos: são esses os frutos que o Senhor nos tem preparados se nos abrirmos, durante esta Quaresma, à sua conversão. Deus quer-nos felizes e o primeiro ponto do Catecismo da Igreja Católica recorda-o: “Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada”[1].

Queremos pedir-Lhe luz para não ficarmos apenas na superfície das coisas, das pessoas, das nossas tarefas. Converter-se é olhar de uma forma nova para aquilo que já vimos muitas vezes. É o Espírito Santo que pode purificar o nosso olhar e purificar o nosso coração para amar melhor a Deus e aos outros. A mentira do inimigo consiste em nos fazer suspeitar que Deus nos pede só renúncia. No entanto, renunciar ao pecado é sempre um ganho, um benefício incalculável. “O sacrifício é apenas aparente, porque, ao viver assim (...), livra-se de muitas escravidões e no íntimo do seu coração consegue saborear todo o amor de Deus”[2].

“A Quaresma é um novo começo, uma estrada que leva a um destino seguro: a Páscoa da Ressurreição, a vitória de Cristo sobre a morte. E este tempo não cessa de nos dirigir um forte convite à conversão: o cristão é chamado a voltar para Deus ‘de todo o coração’ (Jl 2, 12), não se contentando com uma vida medíocre, mas crescendo na amizade do Senhor (...). A Quaresma é o momento favorável para intensificarmos a vida espiritual”[3].


“EU ESTAVA com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa” (Mt 25, 35). Jesus diz aos discípulos que essa é a conduta daqueles, que no final, serão contados entre os bem-aventurados. São Paulo, por sua vez, escreve aos Efésios: “não cesso de dar graças a vosso respeito, quando me lembro de vós em minhas orações” (Ef 1, 16). Deus disse claramente que nos espera em cada pessoa com quem nos encontramos; saber isto já é motivo suficiente de agradecimento. Se nos abrirmos à sua graça, aprenderemos a descobrir o traço da imagem divina em cada alma, especialmente na dos que passam por alguma necessidade. Saber que o Senhor não só ama a esse colega, a essa amiga ou a esse familiar, mas que está até presente neles, é um estímulo para procurar aí o rosto de Cristo. As pessoas que nos rodeiam são um dom de Deus para nós.

E como se fosse pouco, Jesus Cristo prometeu-nos que Ele próprio amará os homens através de nós. Chegaremos então a amar como Ele ama. “Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40). Deus impele-nos a levar carinho, compreensão e paz aonde quer que nos encontremos. Neste empenho, um sorriso pode já ser já um bom início. “Não esqueças que às vezes, faz-nos falta ter ao lado caras sorridentes”[4], escreve São Josemaria. Para sermos difusores de paz e de alegria à nossa volta, deveremos primeiro tê-las dentro. Nesse sentido, é importante sermos muito sinceros com Deus, conosco mesmos e com quem nos ajuda. “Não tenhamos medo de ser verdadeiros, de dizer a verdade, de ouvir a verdade, de nos conformarmos com a verdade. Assim poderemos amar (...) A hipocrisia tem medo da verdade. As pessoas preferem fingir do que ser elas mesmas”[5]. Para alimentar o faminto, dar de beber ao sedento e acolher o peregrino, é importante, primeiro, pacificar o nosso interior; viver com uma serenidade que nos permita ver Cristo nos outros.


“VINDE BENDITOS de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo” (Mt 25, 34). Em certo sentido, “o juízo final já está decorrendo, começa agora, durante a nossa existência. Este juízo é pronunciado em cada instante da vida, como referência do nosso acolhimento, com fé, da salvação presente e concreta em Cristo, ou então, da nossa incredulidade, com o consequente fechamento em nós mesmos”[6] Existe o risco de pensar neste caminho como uma dura luta para conseguir que Deus nos ame, sem percebermos que o Seu Amor é eterno e anterior a nós mesmos. Assim se compreende melhor que “o inferno consiste, formalmente, na recusa do ser humano em receber algo e na sua pretensão de ser totalmente autônomo. Ele é a expressão do encerramento em si próprio (...). A essência daquilo a que chamamos céu, ‘o alto’ consiste, pelo contrário, num exclusivo receber (…), é aquilo que não é, nem poderia ser, feito por nós mesmos”[7].

Nos antípodas desta atitude estão as exigências dos dois filhos da parábola do pai misericordioso. O mais novo exige: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe” (Lc 15,12). O mais velho, por sua vez, censura: “Nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos” (Lc 15, 29). Ambos imaginam o que poderiam esperar, mas enganam-se. Ao mais novo, nem se lhe deixa terminar a sua frase quando regressa: “Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o, para comermos e festejarmos” (Lc 15, 21-23). Ao mais velho, é prometido ainda mais: “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu” (Lc 15, 22-31). Assim aprendem a receber e podem ir para o céu receber por toda a eternidade o amor infinito de Deus. No anseio de deixar atuar Deus na nossa alma, podemos unir-nos à oração de São Josemaria: “Senhor, sim, com a ajuda da Nossa Mãe do Céu, seremos fiéis, seremos humildes, e nunca esqueceremos que temos pés de barro, e que tudo o que brilha em nós é Teu, é graça, é essa divinização que nos dás porque queres, porque és bom”[8].


[1]Catecismo da Igreja Católica, n. 1.

[2] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 84.

[3] Francisco, Mensagem para a Quaresma de 2017, 18/10/2016.

[4] São Josemaria, Sulco, n. 57.

[5] Francisco, Audiência, 25/08/2021.

[6] Francisco, Audiência, 11/12/2013.

[7] Joseph Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, Principia, Cascais 2005, p. 226 e 227.

[8] São Josemaria, Cartas 2, n. 62.