Meditações: quarta-feira de Cinzas

Reflexão para meditar na quarta-feira de Cinzas. Os temas propostos são: a Quaresma é um tempo de conversão; oração, esmola e jejum; um constante regresso à casa do Pai.


“Ó DEUS, VÓS tendes compaixão de todos e nada do criastes desprezais: perdoais nossos pecados pela penitência porque sois o Senhor nosso Deus”[1]. Estas palavras do Livro da Sabedoria, que ressoam no início da Missa, são o pórtico de entrada para o tempo da Quaresma.

Durante a celebração litúrgica, vamos nos aproximar do sacerdote e inclinar-nos para receber a imposição das cinzas. Recordaremos o convite do Senhor: “Convertei-vos e crede no Evangelho” ou a advertência inspirada no livro do Gênesis: “Lembra-te de que és pó e ao pó hás de voltar”. Trata-se de um gesto forte, que nos faz pensar como a nossa vida é frágil. No entanto, por trás deste rito podemos descobrir também a ternura de Deus que nos procura. São Josemaria comentava: “A liturgia da Quaresma ganha às vezes acentos trágicos, quando se medita no que supõe para o homem o seu afastamento de Deus. Mas essa conclusão não é a última palavra. A última palavra é Deus quem a pronuncia, e é a palavra do seu amor salvador e misericordioso e, portanto, a palavra da nossa filiação divina”[2].

Há momentos da nossa existência em que percebemos a nossa fragilidade: dificuldades na família ou no trabalho, problemas de saúde, imprevistos... e sobretudo a experiência do pecado dentro de nós mesmos. Tudo isso pode fazer-nos pensar que somos “pó e cinza”. No entanto, a fé cristã dá-nos a convicção de que a misericórdia de Deus é maior. No meio das nossas limitações, podemos sempre cantar com o Salmo: “a terra está cheia da Sua bondade” (Sl 33, 5). A paciência de Deus é tão grande que, precisamente quando nos afastamos d'Ele, põe em nós a nostalgia do Seu amor. A Quaresma é um bom momento para deixar que essa nostalgia se transforme em conversão, num regresso à casa do Pai, para experimentar novamente a sua ternura.


APESAR DE VIVERMOS rodeados da misericórdia do Senhor, às vezes podemos esquecer essa realidade. No entanto, Jesus no Evangelho recorda-nos que Deus nos olha continuamente. Quando explica como dar esmola, como rezar, como jejuar, Jesus insiste que não vale a pena fazer tudo isso para que os outros nos vejam; nesse momento, deixamos o Senhor de lado, e as nossas boas ações ficam torcidas. Deus, pelo contrário, vê “o que está escondido” (Mt 6, 4), escuta a intimidade do nosso coração. O tempo da Quaresma é um bom momento para deixar de viver voltados para fora, e pelo contrário, cultivar um ambiente interior capaz de acolher a realidade de um modo mais novo, mais sobrenatural.

“Chegamos à maturidade espiritual convertendo-nos a Deus, e a conversão realiza-se por meio do jejum e da esmola, devidamente entendidos. Não se trata só de “práticas” momentâneas, mas de atitudes constantes, que imprimem na nossa conversão a Deus, forma duradoura. A Quaresma, como tempo litúrgico, dura só quarenta dias ao ano: mas para Deus devemos tender sempre; isto significa que é preciso convertermo-nos continuamente. A Quaresma deve deixar marca forte e indelével na nossa vida”[3].

Um caminho de oração, esmola e jejum, adequado às nossas circunstâncias pessoais levar-nos-á a levantar o olhar durante estes dias. “Dedicando mais tempo à oração, possibilitamos ao nosso coração descobrir as mentiras secretas, com que nos enganamos a nós mesmos, para procurar finalmente a consolação em Deus (…). A prática da esmola liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o outro é nosso irmão: aquilo que possuo, nunca é só meu (…). O jejum desperta-nos, torna-nos mais atentos a Deus e ao próximo, reanima a vontade de obedecer a Deus, o único que sacia a nossa fome”[4].


“OLHAMOS PARA O FILHO PRÓDIGO e compreendemos que é tempo também para nós de regressar ao Pai. Como aquele filho, também nós esquecemos o ar de casa, dilapidamos bens preciosos em troca de coisas sem valor e ficamos com as mãos vazias e o coração insatisfeito. Caímos: somos filhos que caem continuamente, somos como criancinhas que tentam andar, mas estatelam-se no chão precisando uma vez e outra de ser levantadas pelo seu pai”[5].

Reconhecer que a misericórdia do Senhor enche a terra, que Ele é um Pai que nos espera constantemente não nos leva à passividade. Pelo contrário, esse amor põe em movimento a nossa iniciativa de encontrar os caminhos para correr pela trilha de regresso a Deus. E um caminho privilegiado é o sacramento da Reconciliação. “É o perdão do Pai que sempre nos coloca de pé: o perdão de Deus, a Confissão, é o primeiro passo da nossa viagem de regresso”[6]. Ali encontramos o rosto paterno de Deus, que nos encoraja e nos ama como Seus filhos.

“De certo modo, a vida humana é um constante retorno à casa do nosso Pai – dizia São Josemaria. Retorno mediante a contrição, mediante a conversão do coração, que se traduz no desejo de mudar, na decisão firme de melhorar de vida, e que, portanto, se manifesta em obras de sacrifício e de doação”[7]. Nesta Quaresma, que é caminho de regresso e de maior proximidade à casa do Pai, adivinhamos a presença de Santa Maria, que nos acompanha. Coloquemos nas suas mãos maternas esse desejo de nos converteremos interiormente para celebrar a Páscoa do Seu Filho.


[1] Antífona de Entrada, Missa de quarta-feira de Cinzas.

[2] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 66.

[3] São João Paulo II, Audiência 14-III-79.

[4] Francisco, Mensagem para a Quaresma de 2018, 6/02/2018.

[5] Francisco, Homilia 17/02/2021.

[6] Ibid.

[7] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 64.