- Deus colocou em prática a correção fraterna
- Uma demonstração de carinho e confiança
AS OBRAS DE MISERICÓRDIA nos convidam a sair de nós mesmos para ir ao encontro de nossos irmãos com os braços abertos. O Catecismo nos lembra que “são as ações caritativas pelas quais socorremos o próximo em suas necessidades corporais e espirituais (Is 58,6-8 y Hb 13,3). Instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência”[1]. Dessa forma, elas nos ensinam a olhar para os outros com os olhos de Deus, buscando apenas o bem deles. Uma dessas obras de misericórdia espirituais é corrigir os que erram. Justamente porque só queremos o bem de nossos irmãos, além de apoiá-los, servi-los, rezar por eles, etc., também tentamos ajudá-los, na medida do possível, a se afastarem do pecado ou incentivá-los gentilmente a eliminar um defeito.
Como lemos no Antigo Testamento, o próprio Deus colocou esse costume em prática “cada vez que os homens se empenhavam – e podemos dizer, nos empenhamos – em empreender o caminho do mal. A história do Povo eleito é uma clara manifestação deste cuidado divino. Em muitas situações, Javé poderia tê-los largado da mão, mas sempre – também umas vezes com castigos e outras com advertências dos profetas – voltava a atraí-los para si, reencaminhando-os pelas vias da salvação (...). No Evangelho, vemos que Jesus Cristo não deixa de repreender, de corrigir, aqueles que deseja levar pelo caminho reto; não só os fariseus que recusavam a sua mensagem, mas também os seus amigos: Pedro, mesmo com dureza, quando o Apóstolo lhe insinua que deve evitar a Paixão; ou a Marta, em Betânia, com doçura, por se preocupar em excesso com as tarefas da casa. O Senhor sabia utilizar o tom e a linguagem que mais convinha a cada pessoa”[2]. Podemos pedir a Deus que nos dê “um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf. Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós”[3].
NO ÂMBITO dessa misericórdia divina está o costume evangélico da correção fraterna, que nasce de uma preocupação genuína com a salvação e a santidade dos outros. Já no Antigo Testamento encontramos referências: “Corrige o amigo que talvez tenha feito o mal e diz que não fez, e se o fez, para que não torne a fazê-lo. Corrige o próximo, que talvez tenha dito algo inconveniente; e se o disse, para que não o repita (...). Indaga o próximo, antes de ameaçá-lo” (Ecl 19,13-14.17). No contexto de um discurso sobre o serviço aos menores e o perdão sem limites, Jesus estabelece o canal para essa obra de misericórdia: “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão” (Mt 18,15).
A partir do ensinamento e do exemplo do Senhor, a correção fraterna é uma tradição da família cristã, que surge como uma necessidade real, uma obrigação de amor e de justiça ao mesmo tempo. Santo Ambrósio escreveu no século IV: “Se você descobrir uma falha em um amigo, corrija-o em segredo (...). As correções, de fato, fazem bem e são mais benéficas do que uma amizade silenciosa. Se o amigo se sentir ofendido, corrija-o mesmo assim; insista sem medo, mesmo que o gosto amargo da correção o desagrade. Está escrito no livro de Provérbios que as feridas de um amigo são mais toleráveis do que os beijos dos bajuladores (Pr 27,6)”. A correção fraterna também é uma expressão concreta da comunhão dos santos: como formamos um só corpo e não somos indiferentes ao que acontece com os outros, sempre que possível e prudente, ajudamos com nossos conselhos a superar quaisquer dificuldades ou perigos que eles possam encontrar. Queremos cuidar de nossos irmãos e irmãs como Cristo fez, cooperando em sua salvação para que nenhum deles se perca (cf. Jo 17,12). Santo Agostinho adverte sobre a grave responsabilidade que implica a omissão dessa ajuda: “Pior és tu calando do que ele pecando”[4].
A atitude com a qual se faz a correção fraterna é sempre delicada e prudente, usando palavras impregnadas de verdadeiro afeto e compreensão, que evitam humilhar a pessoa que está sendo corrigida. Feita dessa maneira, não será vista como um julgamento, mas como um serviço, “una prueba de sobrenatural cariño y de confianza”[5]. Por essa razão, antes de fazê-la, é muito conveniente conversar com o Senhor na oração, examinando nosso próprio coração para perceber que somos os primeiros a precisar de correção e, ao mesmo tempo, para descobrir se há outras intenções que não são tão santas ao lado do desejo de ajudar. “A regra suprema da correção fraterna é o amor: querer o bem dos nossos irmãos e irmãs. Trata-se de tolerar os problemas dos outros, os defeitos dos outros em silêncio na oração, e depois encontrar o modo correto de os ajudar a corrigir-se”[6].
SÃO JOSEMARIA aconselhava, para o momento de exercer a correção fraterna: “Obrad siempre con sencillez, virtud tan propia del buen hijo de Dios. Mostraos naturales en vuestro lenguaje y en vuestra actuación. Llegad al fondo de los problemas; no os quedéis en la superficie. Mirad que hay que contar por anticipado con el disgusto ajeno y con el propio, si deseamos de veras cumplir santamente y con hombría de bien nuestras obligaciones de cristianos”[7].
A correção fraterna é um gesto de honestidade para com o outro, porque, em vez de criticá-lo pelas costas, dizemos-lhe pessoalmente, com gentileza, o que achamos que ele poderia mudar. “Infelizmente, porém, a primeira coisa que muitas vezes se cria ao redor de quem erra é o mexerico, em que todos ficam sabendo do erro, com todos os pormenores, exceto a pessoa em questão! Isto não está certo, irmãos e irmãs, isto não agrada a Deus. Não me canso de repetir que o mexerico é uma chaga na vida das pessoas e das comunidades, pois traz divisão, traz sofrimento, traz escândalo, e nunca ajuda a melhorar, nunca ajuda a crescer”[8].
Embora seja difícil fazer e receber a correção fraterna, porque isso implica entrar na vida de outra pessoa, pode dar vergonha e até parecer que a outra pessoa, no fundo, tem suas razões para agir de determinada maneira, também é verdade que Deus abençoa essa ajuda de irmão para irmão, e que ela deixa no coração um fruto de paz. A pessoa que a pratica fica cheia de paz porque, em vez de murmurar, tentou ajudar um irmão; e a pessoa que a recebe sabe que tem a oração e o carinho de alguém que se preocupa com o seu bem.
A virtude da prudência desempenha um papel importante no discernimento do momento e da maneira corretos de fazer e receber a correção. Em geral, a prudência nos levará a buscar o conselho de uma pessoa sábia sobre o momento certo e a entender que a correção deve ser sobre o que é realmente necessário e importante, não sobre ninharias ou erros ocasionais. Da mesma forma, a prudência nos levará a não corrigir com muita frequência as mesmas falhas, porque todos nós precisamos de tempo e da graça de Deus para melhorar. Podemos pedir a Maria, a quem veneramos como a Virgem Prudentíssima, que nos ajude a apoiar uns aos outros em nossa jornada cristã, sabendo que O irmão ajudado por seu irmão é tão forte quanto uma cidade amuralhada” (Pr 18,19).
[1] Catecismo da Igreja católica, n. 2447.
[2] Javier Echevarría, podcast Corrigir os que erram (em www.opusdei.org).
[3] Bento XVI, Mensagem, 3/112011.
[4] Santo Agostinho, Sermão 82, n. 7.
[5] São Josemaria, Forja, n. 566.
[6] Francisco, Audiência, 3/11/2021.
[7] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 160.
[8] Francisco, Ângelus, 10/09/2023.