Meditações: 4º domingo da Quaresma (Ano B)

Reflexão para meditar no 4º domingo da Quaresma (Ano B). Os temas propostos são: um desígnio incansável de salvação; uma cruz que leva à alegria; amor e sacrifício.


O QUARTO domingo da Quaresma é tradicionalmente conhecido como domingo Laetare, em alusão às palavras com que começa a Missa: “Laetare, Ierusalem… Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais!” Aproxima-se a Páscoa, o momento da nossa salvação, e considerar isso traz alegria à penitência austera da Quaresma, “que é simultaneamente um tempo de fortaleza e de júbilo: devemos encher-nos de ânimo, visto que a graça do Senhor não nos faltará, pois Deus estará a nosso lado”[1].

O motivo fundamental da nossa alegria vem de contemplar o amor de Deus por nós, a sua misericórdia e paciência para conosco. É disto que fala a primeira leitura, que recorda como as repetidas infidelidades do povo de Israel terminaram numa violenta invasão de Nabucodonosor II, que arrasou a cidade, queimou o Templo e levou cativos para a Babilônia, todos os que escaparam à espada, para serem escravos do rei.

Embora tivessem repetidamente ignorado muitos apelos dos profetas à conversão, no mau momento Deus não abandonou o Seu povo. Depois de um tempo de arrependimento e penitência, lembrando com nostalgia a terra prometida, o Senhor fez com que um rei pagão, o imperador Ciro, decretasse a liberdade dos israelitas.

Embora às vezes não correspondamos fielmente ao que Deus quer de nós, Ele não nos rejeita, mas continua a nos amar como um pai bom e paciente. O Seu desejo de nos libertar do pecado torna-se ainda mais evidente com a encarnação, morte e ressurreição do Seu Filho, como expressa São Paulo na segunda leitura: “Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo” (Ef 2, 4-5). Saborear a doçura do perdão e da graça divina será uma ajuda para superar o cansaço ou o desânimo que podem ocorrer durante esta Quaresma ou em diferentes períodos das nossas vidas. Agora que a Páscoa se aproxima, podemos renovar o desejo de nos deixar atrair pelo Senhor e assim nos prepararmos para nos converter um pouco mais e acolher a salvação que nos oferece.


“DO MESMO MODO como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado” (Jo 3, 14). No Evangelho deste domingo, o Senhor diz estas palavras a Nicodemos, com quem fala da vida nova que veio trazer à terra, e dirige-as também a cada um de nós. Cristo convida-nos a centrar a nossa oração na cruz, onde “se expressou de modo total a ternura redentora de Deus”[2]. A partir daí podemos aprender a enfrentar com paz e alegria a dor que inevitavelmente surge na vida, “o nosso sofrimento, a nossa tristeza, a nossa angústia, a nossa fome e sede de justiça”[3].

Assim explicava São Josemaria, com uma convicção que vinha da sua experiência pessoal, como a cruz pode ter um significado positivo: “Encontrar a cruz é encontrar Cristo. E com Ele há sempre alegria, mesmo perante a injustiça, perante a incompreensão, perante a dor física. Por isso sinto desagrado – embora compreenda que seja uma forma habitual de dizer – quando ouço chamar cruzes às contradições muitas vezes nascidas do próprio orgulho da pessoa, que não são a cruz, que não são a verdadeira cruz, porque não são a cruz de Cristo. Nunca me senti desgraçado e o Senhor enviou-me dores abundantes (...). Fizeste-me, Senhor, entender que ter a cruz é encontrar a felicidade, a alegria. E a razão – vejo-a mais claramente do que nunca – é esta: ter a cruz é identificar-se com Cristo, é ser Cristo e, portanto, ser filho de Deus”[4].

Não faltarão dificuldades e dores na nossa vida pessoal ou no nosso mundo: violências, tragédias, doenças... Estes momentos são também uma oportunidade para renovar a nossa fé e a nossa esperança no Senhor, no poder salvador do seu sacrifício redentor, ao qual podemos nos unir na nossa existência diária: “na cruz, Jesus sente todo o peso do mal e, com a força do amor de Deus, vence-o, derrota-o na Sua ressurreição. Este é o bem que Jesus realiza por todos nós sobre o trono da Cruz. Abraçada com amor, a cruz de Cristo nunca leva à tristeza, mas à alegria, à alegria de sermos salvos e de realizarmos um pouco daquilo que Ele fez no dia da sua morte”[5].


“DEUS AMOU tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Continuamos a contemplar aquela entrega do Filho pelo Pai, que terminou com a morte de Jesus na cruz. “É a glória do Crucificado que cada cristão está chamado a compreender, a viver e a testemunhar com a sua existência. A Cruz, a doação de si mesmo por parte do Filho de Deus é, definitivamente, o "sinal" por excelência que nos foi dado para compreender a verdade do homem e a verdade de Deus: todos nós fomos criados e redimidos por um Deus que por amor imolou o Seu único Filho. (...): isto é o amor na sua forma mais radical”[6].

O amor de Deus por nós chama-nos a corresponder. Uma forma de corresponder é abraçar, com confiança de filhos, o sofrimento que o Senhor permite nas nossas vidas. “Não sejamos cristãos adocicados: na terra tem que haver dor e Cruz” [7], dizia São Josemaria. E explicou isso mais detalhadamente numa das suas homilias: “Às vezes fala-se do amor como se fosse uma procura de satisfação pessoal ou um mero recurso para completarmos egoisticamente a nossa personalidade. E não é assim; amor verdadeiro é sair de si mesmo, entregar-se. O amor traz consigo a alegria, mas é uma alegria que tem as suas raízes em forma de cruz. Enquanto estivermos na terra e não tivermos chegado à plenitude da vida futura, não pode haver amor verdadeiro sem a experiência do sacrifício, da dor. Uma dor de que se gosta, amável, fonte de íntimo gozo, mas dor real, porque significa vencer o nosso egoísmo e tomar o amor como regra de todas e cada uma das nossas ações”[8].

Assim como Cristo morreu na cruz por amor, na nossa caminhada terrena não há amor verdadeiro – por Deus, por nós mesmos e pelos outros – se a cruz não estiver presente na nossa vida: a capacidade de sofrer com alegria e a liberdade interior de se entregar aos outros ou abandonar o que nos prende ao pecado. E também quando surgirem contrariedades objetivas – às vezes duras e inesperados –, com a sua graça poderemos abraçar a cruz: “Sempre pacíficos e corajosos diante das contradições, caso elas surjam, ou diante do que as pessoas chamam fracassos. O sucesso ou o fracasso estão na vida interior. O sucesso está em receber com serenidade a Cruz de Jesus Cristo, em estender os braços abertos, porque para Jesus, como para nós, a Cruz é um trono, é a exaltação do amor; é o cúmulo da eficácia redentora, para levar as almas a Deus”[9]. Podemos pedir à Virgem Maria, que soube estar aos pés da cruz, que nos ajude a acolher as dificuldades com o desejo de consolar o seu Filho.


[1] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 63.

[2] Bento XVI, Homilia, 26/03/2006.

[3] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 168.

[4] São Josemaria, Notas de uma meditação, 28/04/1963.

[5] Francisco, Homilia, 24/03/2013.

[6] Bento XVI, Homilia, 26/03/2006.

[7] São Josemaria, Notas de uma meditação, 25/02/1963.

[8] São Josemaria, ÉCristo que passa, n. 43.

[9] São Josemaria, Carta, 31/05/1954, n. 30.