Chamo-me Manuel, tenho 52 anos. Sou engenheiro mecânico e a minha vida foi muito pouco exemplar até hoje. Queria dar o meu testemunho, esperando não escandalizar ninguém. A minha vida deu muitas voltas, teve momentos difíceis, mas Deus nunca me abandonou.
Nasci em Lisboa em abril de 1968. Sou filho único de um Gerente Comercial e de uma Professora de Desenho e talvez isso tenha feito de mim uma pessoa mais reservada. Tenho recordações vagas da minha infância: as memórias mais antigas são de uma viagem a Angola de visita a familiares, aos 3 anos. Recordo episódios da minha vida de estudante da primária na Escola João de Deus Ramos, das férias na praia da Ericeira ou perto de Arganil numa casa de família. Já em criança alimentava o sonho de um dia ter uma moto e de viajar muito por todo o mundo.
E as viagens começaram. Quando tinha onze anos, o meu pai conseguiu um emprego melhor em Coimbra e mudei-me com toda a família para a nova cidade. Novos amigos, nova escola, um pouco estranho ao início, mas fui-me adaptando. Foi precisamente no Colégio de São Teotónio onde um colega de turma me falou pela primeira vez do Opus Dei. Convidou-me para umas aulas de radiomodelismo no Clube Prisma, uma iniciativa do Opus Dei em Coimbra. Por comodismo, disse-lhe que não queria ir, que preferia as atividades de eletrônica que tinha como “hobby”.
O meu pai gostava de futebol e convidava-me para ir ver os jogos da Académica nos domingos à tarde. Não sou nem nunca fui um grande adepto de futebol, mas fiquei sempre simpatizante da Académica.
Aproximou-se o momento de ir para a universidade. Eu queria estudar Engenharia Aeronáutica, no Instituto Superior Técnico em Lisboa. Mas, como estava com os meus pais em Coimbra, para não os abandonar inscrevi-me em Engenharia Mecânica na Universidade de Coimbra em setembro de 1986. Sempre tive facilidade para estudar matérias técnicas. Gostei do curso e tive boas notas. O ambiente estudantil em Coimbra era especial: havia muita vida fora da universidade. Fiz grandes amigos nas aulas, nos laboratórios, nos cafés e na Queima das Fitas. Amigos para a vida que vou reencontrando em jantares de curso para lembrar aqueles tempos.
Nesse navio conheci a primeira pessoa que me falou da indústria “offshore” de extração e produção de petróleo e gás. Isso interessava-me mais do que estar naquele navio. E, ingenuamente, decidi fazer um mestrado em Glasgow nessa área. Quando acabei o mestrado não tinha trabalho porque o mercado estava a passar anos difíceis e eu não tinha experiência profissional.
Só pensava no trabalho e em mim
Voltei a Portugal para ganhar essa experiência que me faltava. Trabalhei no sector das montagens industriais e num estaleiro naval na zona de Lisboa e Setúbal. Sabia que era por um tempo limitado, porque o meu interesse era voltar ao estrangeiro assim que surgisse essa oportunidade. Não pensava em namoro ou constituir uma família: era só eu e a minha carreira profissional.
A morte do meu pai fez-me relativizar algumas questões na minha vida. Depois de algumas pequenas experiências no estrangeiro, quis voltar a estudar e a viver em Coimbra, onde namorava. Fiz um mestrado na Bélgica em Aerodinâmica Industrial, de que gostei muito, inserido num doutoramento na Universidade de Coimbra em Engenharia Mecânica. Lá reencontrei um professor, cristão, que, conhecendo um pouco o ziguezague da minha vida me falou de Deus, e dos escritos de São Josemaria. Na altura, a hipótese de voltar a Deus estava descartada, mas recordo que li com gosto alguns textos do fundador do Opus Dei.
Embora estivesse fora do país, voltava a Portugal com frequência. Na altura retomei o contacto com uma amiga do liceu, começamos a namorar à distância, ela visitou-me em Singapura e decidimo-nos casar em 2003. Casamo-nos em Penacova. Pensava que seria o momento em que me estabilizaria com a minha família em Portugal até porque voltei a trabalhar no nosso país num terminal de gás na zona de Sines.
Mas Deus tem os seus caminhos, torcidos e difíceis de compreender. A minha mulher morreu seis meses depois do nosso casamento. Naquele momento, toquei o fundo da revolta interior, que se prolongou por anos e cheguei a perguntar-me: “Deus, se existes, onde estás?”. Voltei a agarrar-me ao trabalho, mesmo desmoralizado.
Decidido a isolar-me num trabalho a bordo, decidi aceitar uma proposta de uma empresa dinamarquesa na área do offshore. Tive projetos na Noruega e Tailândia.Mais tarde consegui por fim trabalhar nas plataformas offshore em alto mar. Estive na Escócia, Angola, Canadá e Brasil. O trabalho é muito intenso e tive grandes desafios técnicos para arrancar e manter em funcionamento as plataformas: incêndios a bordo, tempestades, inundações, fugas de gás; embora as pessoas pensem que é “andar de helicóptero todo o dia”.
Agradava-me a ideia de trabalhar intensa, mas intermitentemente, por períodos típicos de quatro semanas e dispor do tempo restante para “mim”, num espírito muito egoísta tentando convencer-me da minha auto-suficiência. Nos meus tempos livres aproveitava, sempre que podia, para viajar a Portugal para estar com a minha mãe e andar de moto, gosto que fomentei com alguns amigos portugueses. Também sempre li muito, mas nem sempre essas leituras foram as que mais me convinham.
Numa unidade offshore vive-se uma grande multiculturalidade. Tinha colegas de todos os pontos do mundo com quem tinha grandes conversas nas pausas ou nos fins dos turnos. Um dia a bordo do “Cidade de Saquarema” (na Bacia de Santos, Brasil) o tema “Deus” veio à conversa com um colega indiano que era hindu, uma pessoa de grande fé. Mesmo antes de saber dos desaires da minha vida, disse-me: “Ninguém gosta tanto de ti como os teus pais. Se eles te formaram na fé católica, isso foi porque querem o teu bem”. Naquele momento pensei: “Quem sou eu para duvidar de tudo isto? Não será que vivo numa grande arrogância?”. Aquela conversa, em alto mar foi crucial. Foi o começo da segunda parte da parábola do filho pródigo.
Pela mesma altura, veio a falecer um familiar de quem muito gostava e com quem privava bastante. Queria-lhe quase como a um pai. Vindo do mar, cheguei a Portugal a tempo do funeral na Igreja do Campo Grande. As palavras daquele sacerdote foram tão justas, tão apropriadas e inspiradas, que me tocaram de modo muito profundo.
Aprouve ainda entretanto a Deus converter a minha antiga namorada do tempo de investigador em Coimbra. Ela soube perdoar-me e continuamos amigos. O seu testemunho e as suas orações foram mais um bom exemplo que viria a frutificar.
Dias depois do referido funeral, fui submetido a uma intervenção cirúrgica programada. Tratava-se de um procedimento simples mas que teve algumas complicações e uma recuperação demorada. Nova ocasião para meditar e colocar toda a minha vida em equação. As peças do puzzle pareciam começar a esboçar uma imagem.
Finalmente, a viagem do filho pródigo
Quando recuperei da operação, resolvi acompanhar minha mãe à Missa aos domingos. Foi como se lhe perguntasse se lhe poderia fazer companhia num passeio. Senti-me em casa, ali na Paróquia das Mercês, com toda a naturalidade, como se não tivessem passado décadas desde que abandonara a prática religiosa. Mas o Senhor, na sua bondade, quis enviar-me outro sinal, já que a leitura do Evangelho desse domingo era nada menos do que a parábola do filho pródigo.
A partir daí retomei a minha prática sem interrupção e recomecei um período de catequese. Tive a alegria de receber em outubro passado a minha confirmação, numa cerimônia que se atrasou uns meses devido à pandemia. A minha madrinha foi a amiga de quem falei. Talvez por isso me tenha parecido ainda mais valiosa essa vinda do Espírito Santo, embora quatro meses de atraso não pareçam ter grande significado face às quatro décadas decorridas desde a pergunta inicial de minha mãe.
Estou agora em Portugal, onde penso estabelecer-me como consultor na área energética. Vivo com a minha mãe em Lisboa. Não posso terminar sem falar de Nossa Senhora. Fui batizado, fiz a minha 1ª comunhão e agora fui crismado na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima em Lisboa. Depois da conversão, pude também voltar ao Santuário de Fátima com os olhos novos de um crente e pensei: “Como é bom estar aqui!”. Sei que Ela não desistiu para que, como na parábola dos trabalhadores da vinha, eu fosse um dos contratados das “cinco da tarde”. Espero vir a merecer ainda o meu denário. E neste percurso sinuoso, com não poucas dificuldades, estou muito agradecido aos meus pais, aos meus amigos, à Igreja em Portugal e ao Opus Dei.