Jerusalém: a gruta do Pai Nosso

O lugar em que Jesus ensinou o Pai Nosso aos discípulos é um dos que não é mencionado no Evangelho, só recebemos notícias através das tradições locais, difundidas de geração em geração pelos cristãos da Terra Santa.

Presbitério da basílica inacabada, sobre a gruta do Pai Nosso. Foto: Alfonso Puertas.

“No Evangelho, revivemos a cena em que Jesus se retirou em oração, e os discípulos estavam por perto, provavelmente contemplando-o. Quando terminou, um deles decidiu-se a suplicar-lhe: Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou aos seus discípulos. E Jesus respondeu-lhes: Quando fordes orar, deveis dizer: Pai, santificado seja o teu nome (Lc 11, 1-2)”[1].

“Contempla devagar esta realidade: os discípulos convivem com Jesus Cristo e, nas suas conversas, o Senhor ensina-lhes – também com as ações – como devem orar, e o grande portento da misericórdia divina: que somos filhos de Deus, e que podemos dirigir-nos a Ele, como um filho fala com seu Pai”[2].

Durante os três anos da sua vida pública, Jesus andou pela Palestina e pelas regiões vizinhas anunciando o Reino de Deus. Os evangelistas localizam detalhadamente alguns cenários daquela pregação itinerante, como as sinagogas de Nazaré e de Cafarnaum, o poço de Sicar, os pórticos do Templo ou a casa de Marta, Maria e Lázaro, em Betânia. No entanto, de outros lugares só recebemos notícias através das tradições locais, difundidas de geração em geração pelos cristãos da Terra Santa. Assim acontece com o ensinamento do Pai-Nosso, que São Mateus inclui no Sermão da Montanha, enquanto é apresentado por São Lucas num certo lugar[3] na subida do Senhor para Jerusalém.

No local em que se encontravam as naves da basílica bizantina, agora existe um jardim.

De fato, desde tempos muito antigos se venerava uma gruta junto ao caminho que vai de Betânia e Betfagé à Cidade Santa, no cume do monte das Oliveiras, muito perto do local onde se recordava a Ascensão. Jesus teria se retirado para aquela gruta muitas vezes com os apóstolos, teria instruído sobre muitos mistérios – entre outros, as previsões sobre o fim do mundo e a destruição de Jerusalém –, e teria transmitido a oração do Pai-Nosso. A recordação devia ser tão forte que Santa Helena mandou construir ali uma basílica no ano 326. Chamava-se Eleona – como o local onde se erguia –, tinha três naves e estava precedida de um grande átrio com quatro pórticos. A cripta sob o presbitério era a gruta original. Algumas décadas mais tarde, a poucos metros foi edificado o santuário conhecido como Imbomon, que guardava a rocha de onde o Senhor se teria elevado ao céu.

A peregrina Egéria, que descreve várias cerimônias que ali se celebravam no final do séc. IV, testemunha: na terça-feira da Semana Santa, “todos vão à igreja que está no monte Eleona. Quando se chega a essa igreja, o bispo entra dentro da gruta na qual o Senhor costumava ensinar os discípulos e toma o livro do Evangelho e, estando de pé, o próprio bispo lê as palavras do Senhor que estão escritas no Evangelho segundo Mateus, isto é, onde diz: ‘Vigiai para que ninguém vos seduza (Mt, 24, 4). E o bispo lê inteiramente toda essa alocução”[4].

A tradição do local do Pai-Nosso, confirmada por outras testemunhas posteriores, manteve-se constante: o local não mudou, embora dos edifícios antigos e das restaurações medievais só restem ruínas. Durante o período otomano, em 1872, estabeleceu-se na propriedade uma comunidade de carmelitas de fundação francesa, que construíram a igreja atual e um convento anexo. Depois da I Guerra Mundial, em 1920, começaram as obras para construir sobre a gruta uma nova basílica dedicada ao Sagrado Coração; contudo, os trabalhos, quando já tinham eliminado uma ala do claustro e afetado a cripta primitiva, tiveram de ser interrompidos e não voltaram a ser retomados.

Entra-se no santuário de Eleona pela estrada de Betfagé. À direita, onde cresce um exuberante jardim, encontrava-se o pórtico da basílica bizantina; à esquerda, descendo umas escadas, chega-se ao convento das Carmelitas Descalças, com a igreja precedida pelo claustro; e no centro, sob o presbitério da construção abandonada, está a gruta do Pai-Nosso. Trata-se de um pequeno espaço, com uma entrada dupla que lembra a basílica da Natividade e remonta à época dos cruzados. Há dois ambientes: um restaurado e outro, ao fundo, reduzido a ruínas; foram aí encontradas sepulturas que poderiam datar-se dos primeiros séculos da nossa era.

Uma escada dá acesso à gruta do Pai Nosso, onde há dois ambientes: um restaurado e outro em ruínas

As paredes ao redor do recinto estão cobertas de painéis de cerâmica com o Pai-Nosso escrito em mais de setenta línguas. Como sabemos, a formulação tradicional inspira-se nos ensinamentos do Senhor que São Mateus recolheu: “Quando orardes, não useis de muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois o vosso Pai sabe do que precisais, antes de vós o pedirdes. Vós, portanto, orai assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, como no céu, assim também na terra. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos que nos devem. E não nos introduzas em tentação, mas livra-nos do Maligno”[5].

O Pai-Nosso

O Pai-nosso é a principal oração do cristão. O Catecismo da Igreja Católica – citando Tertuliano, santo Agostinho e São Tomás de Aquino – dá-lhe o título de “o resumo de todo o Evangelho”, “compendio das nossas petições”, a mais perfeita das orações[6] Além disso, a expressão tradicional Oração dominical significa que é do Senhor: Jesus, como Mestre, dá-nos as palavras que o Pai Lhe deu; e ao mesmo tempo, como nosso Modelo, revela-nos a forma de rogar pelas nossas necessidades[7].

Este caráter fundamental do Pai-Nosso foi vivido desde o início da Igreja: rapidamente substituiu outras fórmulas da piedade judaica, incorporou-se na liturgia e converteu-se em parte integrante da catequese para receber os sacramentos. Ao longo dos séculos, os grandes mestres de vida espiritual comentaram esta oração, extraindo dela as riquezas teológicas que contém. “Em tão poucas palavras, está encerrada toda a contemplação e perfeição – escreveu Santa Teresa de Jesus –, que parece não termos necessidade de outro livro, senão de estudar neste, porque até aqui nos tem ensinado o Senhor todo o modo de oração e de alta contemplação, desde os principiantes na oração mental, até à de quietude e união, que a ser eu pessoa para o saber dizer, poderia escrever um grande livro de oração sobre tão verdadeiro fundamento”[8].

As paredes ao redor do recinto estão cobertas de painéis de cerâmica com o Pai-Nosso escrito em mais de setenta línguas

Para rezar com proveito o Pai-Nosso, recordemos que “Jesus não nos deixa uma fórmula a ser repetida maquinalmente. Como vale em relação a toda oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina aos filhos de Deus como rezar a seu Pai. Jesus nos dá não só as palavras de nossa oração filial, mas também, ao mesmo tempo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós "espírito e vida" (Jo 6,). Mais ainda: a prova e a possibilidade de nossa oração filial consiste no fato de que o Pai "enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!" (Gal 4, 6)”[9].

Um modo de crescer no conhecimento da nossa filiação divina é converter o conteúdo do Pai-Nosso em matéria do nosso diálogo com Deus. Assim fez São Josemaria em algumas épocas. Num escrito em que se refere a fatos da sua vida espiritual que ocorreram por volta de 1930, relata:

“Quando era jovem, não poucas vezes tinha por costume não utilizar nenhum livro para a meditação. Recitava, degustando-as uma a uma, as palavras do Pater noster, e detinha-me – saboreando – na consideração de que Deus era Pater, meu Pai, que me devia sentir irmão de Jesus Cristo e irmão de todos os homens.

Não deixava de ficar impressionado, contemplando que era filho de Deus! Depois de cada reflexão me encontrava mais firme na fé, mais seguro na esperança, mais vibrante no amor. E nascia na minha alma a necessidade de, sendo filho de Deus, ser um filho pequeno, um filho necessitado. Daí surgiu na minha vida interior viver o máximo de tempo possível – enquanto eu puder – a vida da infância, que sempre recomendei aos meus, deixando-os livres”[10].

Não é difícil colocar em prática este conselho do fundador do Opus Dei, e muito mais se começarmos a pedir ajuda ao Senhor, para que ele nos encha de luzes. Começamos: Pai. E paramos para considerar especialmente a filiação divina. “Deus é um Pai – o teu Pai! – cheio de ternura, de infinito amor. Chama-Lhe Pai muitas vezes, e diz-Lhe – a sós – que O amas, que O amas muitíssimo!: que sentes o orgulho e a força de ser seu filho”[11].

Pai Nosso - continuamos - e percebemos que é nosso, de todos, e por isso somos irmãos: “Perante o Senhor, não existem diferenças de nação, de e raça, de classe, de estado de vida... Cada um de nós renasceu em Cristo, para ser uma nova criatura, um filho de Deus: todos somos irmãos, e temos de comportar-nos fraternalmente!”[12].

Que estais no Céu... E imediatamente lembramos que ele também está no Sacrário, e na nossa alma em graça... “Senhor, a Ti que nos fazes participar do milagre da Eucaristia, nós te pedimos que não te escondas, que vivas conosco, que te vejamos, que te toquemos, que te sintamos, que queiramos estar sempre junto de Ti, que sejas o Rei das nossas vidas e dos nossos trabalhos”[13].


[1] Amigos de Deus, nº 145.

[2] Forja, nº 71.

[3] Lc 11, 1.

[4] Itinerarium Egeriæ, XXXIII, 1-2 (CCL 175, 78).

[5] Mt 6, 7-13.

[6] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2761-2763.

[7] cf. Ibid., nº 2765.

[8] Santa Teresa de Jesus, Caminho de Perfeição (códice de Valladolid), 37, 1.

[9] Catecismo da Igreja Católica, nº 2766.

[10] São Josemaria, Carta 8/12/1949, n. 41, citada em Santo Rosario, edición crítico-histórica, pp. XVI-XVII.

[11] Forja, 331.

[12] Sulco, 317.

[13] Forja, 542.