O convite à nova evangelização não é só uma reação diante de um certo obscurecimento das raízes cristãs. É algo que vai muito além: “o Evangelho, esta mensagem de salvação, tem dois destinos que estão ligados entre si: o primeiro, suscitar a fé, e trata-se da evangelização; o segundo, transformar o mundo em conformidade com o desígnio de Deus (...). Mas não são dois elementos separados, são uma única missão: anunciar o Evangelho com o testemunho da nossa vida transforma o mundo". É algo, que está inserido na vocação cristã: esta é a tua tarefa de cidadão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna - a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e o convívio social.
Transformar o mundo
A fé vivida com coerência transforma o mundo. Por isso, a nova evangelização não se reduz a chegar aos indivíduos um a um, mas também tem a missão de “
alcançar e transformar mediante a força do Evangelho, os critérios de juízo, os valores determinantes, os pontos de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade”. Esta tarefa aspira mudar e elevar a cultura de cada civilização.
Ao longo da história, o Evangelho exerceu a sua influência nas sociedades onde era anunciado. Vemo-lo já nos primeiros séculos, quando os cristãos enriqueceram o patrimônio filosófico e jurídico da antiguidade clássica. A verdade da dignidade humana abriu horizontes à chamada filiação divina, dirigida a todos igualmente: todos sois filhos de Deus por meio da fé em Cristo Jesus (...). Já não há diferença entre judeu e grego, nem entre escravo e livre, nem entre homem e mulher, já que todos vós sois um em Cristo Jesus. À luz da Revelação, o trabalho se foi compreendendo como realidade humana fundamental, pois – como gostava de recordar São Josemaria – o homem foi criado por Deus ut operetur: para cultivar a terra, quer dizer, para trabalhar.
A arte, o direito, o desenvolvimento das ciências..., atestam uma verdadeira evangelização da criatividade e da inteligência humanas. “A força e a influência soberanas do espírito cristão tinham penetrado nas leis, nas instituições, nos costumes dos povos e na organização do Estado”, até chegar a formar “tecido cultural unitário, amplamente aceito na sua referência ao conteúdo da fé e aos valores inspirados por ela”.
Uma mensagem capaz de configurar a cultura
Não obstante, hoje poderia dar a impressão de que esse tecido cultural inspirado pelo cristianismo em alguns ambientes se deteriorou. Longe de nos desanimarmos, esta situação se converte numa chamada à responsabilidade pessoal de cada batizado diante do mundo, “não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida”.
Ao contemplar a sorte de alguns de seus conterrâneos, que procuram calar – com a segurança material, o hedonismo ou a frivolidade – o espírito que pede respostas definitivas sobre a vida e vocação do ser humano, o cristão não pode senão se sentir impulsionado a compartilhar a sua fé. Deve voltar a propor essa luz que dá unidade aos trabalhos diários dos homens e mulheres, “a luz da fé possui um carácter singular, sendo capaz de iluminar toda a existência do homem (...). A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida. Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude e se nos abre a visão do futuro. A fé, que recebemos de Deus como dom sobrenatural, aparece-nos como luz para a estrada orientando os nossos passos no tempo." A mensagem cristã não é um consolo ilusório para as penas desta vida, mas sim uma força que transforma a existência pessoal e coletiva, e que, em consequência, se materializa nos estilos de vida, nas instituições, nas expressões artísticas; enfim faz a cultura.
É certamente amplo o conceito de ”cultura”. Designa a manifestação do pensamento e da ação humana, muito além do que nos dá a própria natureza. Espalha-se em comportamentos, atitudes e opiniões que se difundem entre os homens e mulheres, e que muitas vezes são pressupostos para a vida ordinária. Neste sentido, a cultura nos acompanha durante toda a nossa existência, e configura o modo no qual crescemos e percebemos a realidade. Não nos condiciona absolutamente, porque é a pessoa quem, com sua liberdade, assimila ou rejeita o que recebe, ao mesmo tempo em que contribui para o crescimento ou a mudança de uma cultura.
A cultura é uma característica do homem. A Palavra de Deus está viva nos membros de uma sociedade quando a cultura reflete os valores do Evangelho, que “fecunda como que por dentro, com os tesouros do alto, as qualidades de espírito e os dotes de todos os povos e tempos; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo. Deste modo, a Igreja, só com realizar a própria missão, já com isso mesmo estimula e ajuda a civilização, e com a sua atividade, incluindo a litúrgica, educa a interior liberdade do homem”.
A cultura, sendo fruto da liberdade dos homens, está sujeita a evoluções e mudanças. Isto implica que a evangelização é uma tarefa que se realiza em cada época e em diferentes contextos. Requer, pois, uma grande capacidade de discernimento, que levará a valorizar a diversidade, sempre que não seja incompatível com a fé em Cristo. Algumas vezes, será necessário purificar os valores e formas de comportamento em moda; para isto, é importante cuidar a própria formação cristã, de modo que permita confrontar a cultura e as modas vigentes com a Palavra de Deus, seguindo o conselho de São Paulo: não extingais o Espírito, nem desprezeis as profecias; mas examinai todas as coisas, pegai o que é bom e afastai-vos de toda a classe de mal.
Em qualquer caso, não seria lógico que, ao constatar um certo ambiente adverso, os cristãos se retraíssem do mundo da cultura. Ao contrário, as dificuldades serão um sinal claro da urgência que têm de receber a Boa Nova. Neste sentido o Papa Francisco convida a fomentar uma cultura do encontro: “esta é uma proposta: cultura da proximidade. O isolamento e o fechamento em si mesmo ou nos próprios interesses nunca são o caminho para voltar a dar esperança e realizar uma renovação, mas é a proximidade, a cultura do encontro. O isolamento, não; a proximidade, sim. Cultura do confronto, não; cultura do encontro, sim.” Neste encontro saberemos resgatar o que é positivo em cada situação, e reconheceremos que, num ambiente de aparente desilusão ou cinismo, se esconde nas almas o anseio de algo mais. É verdade que há quem, não seja capaz de ver Cristo que passa, como os discípulos de Emaús, cujos olhos eram incapazes de reconhecê-Lo. Mas apesar disso, temos de manter o diálogo, seguindo o exemplo de Cristo que “compartilha o seu caminho, ouve a sua leitura da realidade, a sua desilusão, e dialoga com eles; precisamente deste modo reacende nos seus corações a esperança, abre novos horizontes que já estavam presentes, mas que só o encontro com o Ressuscitado permite reconhecer”.
Trata-se de demonstrar que os valores evangélicos estão a favor da causa do homem, que o conduzirão à sua felicidade pessoal e ao progresso da civilização. Ao mesmo tempo, não se impõe um programa de condutas em nenhuma iniciativa; são propostas às quais se convida a aderir com liberdade. São aspectos sobre o apostolado da cultura que convém não perder de vista numa sociedade caracterizada pela pluralidade.
No vasto campo da arte de das humanidades
Existem manifestações de culturas dos povos que tradicionalmente se consideram como a realização mais elevada de seu gênio, e que se expressam na literatura, no teatro, no cinema, na música, etc. Por este motivo, as obras destas disciplinas encontram um lugar especial dentro do patrimônio cultural de uma sociedade. É um campo, portanto, especialmente relevante para a tarefa da nova evangelização.
Entre o trabalho artístico e a fé existe uma natural sintonia, pois ambas tratam sobre as questões humanas fundamentais, que dão sentido ao dia a dia das pessoas. Assim se dirigia São João Paulo II aos artistas: “toda a forma autêntica de arte é, a seu modo, um caminho de acesso à realidade mais profunda do homem e do mundo. E, como tal, constitui um meio muito válido de aproximação ao horizonte da fé, onde a existência humana encontra a sua plena interpretação. Por isso é que a plenitude evangélica da verdade não podia deixar de suscitar, logo desde os primórdios, o interesse dos artistas, sensíveis por natureza a todas as manifestações da beleza íntima da realidade”.
Diante das posições ideológicas que possam considerar a fé como um freio para o trabalho artístico ou humanista, os cristãos podem demonstrar que o Evangelho é uma força luminosa que continua fecundando estes campos. As exigências intelectuais e morais da mensagem cristã não constituem um limite para o artista, mas sim um convite para que se supere a si mesmo, para olhar a Beleza. Assim, o trabalho artístico feito com perfeição – e, deste modo santificado – se converte num testemunho objetivo do impulso inspirador da fé, que leva o artista a plasmar na sua obra as verdades mais profundas, que são as que os homens e as mulheres buscam contemplar.
Estas manifestações da cultura, portanto, não são indiferentes para a fé nem tão pouco para os cristãos. Não devem faltar quem se dedique profissionalmente à arte, apesar de se mover em ambientes que privilegiam as profissões técnicas. E será lógico que recebam o apoio de seus irmãos na fé, que também por sua vez se beneficiarão de seu trabalho para cultivar o próprio espírito, pois a arte, a história, a filosofia... contribuem para o desenvolvimento integral de todas as pessoas. E a cultura é de todos e, de modo especial, dos cristãos: que não devem deixar de influir naquelas obras que são pontos de referência para os povos, e que dão o sustentáculo sobre o qual se apoia a civilização.
Os modos de contribuir na evangelização neste âmbito são muito variados. Sem dúvida, ocupa um lugar singular o apostolado pessoal com os artistas. Também é bom promover iniciativas de impacto cultural, que sigam um enfoque de acordo com os valores do Evangelho. Em todo o caso, para que estas iniciativas sejam eficazes, deverão ser acompanhadas de oração, que leva a colocá-las com confiança nas mãos de Senhor: todos os valores humanos que te atraem com uma força enorme – amizade, arte, ciência, filosofia, teologia, esporte, natureza, cultura, almas... – tudo isso, deposita-o na esperança: na esperança de Cristo. Deste modo, transformaremos o mundo, levando-o a Deus.
R. Valdés