Deus quis criar seres livres, com todas as suas consequências. Como um bom pai, deu-nos a pauta – a lei moral – para que possamos utilizar corretamente a liberdade, ou seja, de forma que reverta para o nosso próprio bem. A par disso, quis correr o risco da nossa liberdade[1].
De algum modo, pode-se dizer que o Todo-poderoso aceitou submeter os Seus próprios desígnios à aprovação do homem; que Deus condescende com a nossa liberdade, com a nossa imperfeição, com as nossas misérias[2], porque prefere o nosso amor livremente entregue à escravidão de uma marionete; prefere o aparente fracasso dos Seus planos a pôr condições à nossa resposta.
São Josemaria cita em Caminho umas “palavras” atribuídas a Santa Teresa: “Teresa, Eu quis... Mas os homens não quiseram” [3]. O sacrifício de Cristo na Cruz é a demonstração mais eloquente de até que ponto Deus está disposto a respeitar a liberdade humana; e se Ele chega a esses extremos – pensará um pai cristão – quem sou eu para não o fazer?
Amar os filhos é amar a sua liberdade. Mas isso também implica correr um risco, expor-se à liberdade dos filhos. Unicamente assim o seu crescimento é propriamente seu: uma operação vital, imanente, e não um automatismo ou um reflexo condicionado pela coação ou manipulação.
Do mesmo modo que a planta não cresce porque a estique o jardineiro, mas porque torna seu o alimento, o ser humano progride na humanidade na medida em que assume livremente o modelo que inicialmente recebe. Por isso, os pais que amam deveras e procuram sinceramente o bem dos seus filhos, depois dos conselhos e das considerações oportunas, devem retirar-se com delicadeza, para que nada prejudique o grande bem da liberdade que torna o homem capaz de amar e servir a Deus. Devem lembrar-se de que o próprio Deus quer ser amado e servido com liberdade, e respeita sempre as nossas decisões pessoais[4].
UMA LIBERDADE QUERIDA E RE-QUERIDA
Por isso, querer a liberdade dos filhos está muito longe de uma despreocupada indiferença sobre a forma como a utilizam. A paternidade prolonga na educação o que teve início na geração. Portanto, amar a liberdade dos filhos quer também dizer saber requerê-la.
Como Deus faz com o homem suaviter et fortiter, os pais hão de saber convidar os filhos a usar as suas capacidades de modo a que cresçam como pessoas de bem. Talvez se apresente uma boa ocasião quando pedem autorização para determinados planos; então, pode ser oportuno responder que é ele que há-de decidir depois de ponderar todas as circunstâncias do caso, mas que tem de se perguntar se realmente lhe convém ou não o que pede, ajudando-o a distinguir a necessidade do capricho, a perceber que não é justo desperdiçar aquilo que muitos não se podem permitir, etc.
Utilizando um jogo de palavras, podemos imaginar que “requerer” se refere a uma espécie de duplo querer, querer e “re-querer”. Não é possível requerer a liberdade humana se previamente não se querem as suas consequências, se não se assumem e respeitam. Por isso, um autêntico respeito à liberdade há de promover o esforço intelectual e exigências morais que ajudem a pessoa a vencer-se, a superar-se. Esta é a forma de todo o crescimento humano. Por exemplo, os pais têm que pretender que os filhos, de acordo as suas idades, respeitem certos limites. Algumas vezes pode tornar-se necessário o castigo, aplicando-o com prudência e moderação, dando as razões oportunas e, claro, sem violência.
Dar confiança e animar, com paciência, dá os melhores resultados.Mesmo no caso extremo, quando o filho toma uma decisão que os pais têm fortes motivos para julgar errada e até para prever que seja origem de infelicidade, a solução não está na violência mas em compreender e – mais de uma vez – em saber permanecer a seu lado para ajudá-lo a superar as dificuldades e, se fosse necessário, para extrair daquele mal todo o bem possível[5].
Em qualquer caso, a tarefa formativa consiste em procurar que as pessoas queiram; ou seja, em fornecer os instrumentos intelectuais e morais para que cada um seja capaz de fazer o bem pela sua própria convicção.
SABER CORRIGIR
Respeitar a pessoa e a sua liberdade não significa aceitar como válido tudo o que a pessoa pense ou faça. Os pais devem dialogar com os filhos sobre o que é bom e o que é melhor e, nalguma circunstância, inevitavelmente deverão ter a valentia de corrigir com a energia necessária. Eles, que não só respeitam os filhos mas os amam, não toleram um comportamento qualquer.
O amor é o menos tolerante, permissivo ou condescendente que encontramos nas relações humanas, porque, ainda que seja possível amar uma pessoa com os seus defeitos, já não é possível amá-la pelos seus defeitos. O amor deseja o bem da pessoa, que esta dê o melhor de si, que alcance a felicidade; e por isso quem ama pretende que o outro lute contra as suas deficiências e sonha com ajudá-lo a corrigi-las.
Uma conduta correta costuma ser o resultado de muitas correções, e estas serão mais eficazes se se fazem com sentido positivo, pondo sobretudo a tônica naquilo que se pode melhorar no futuro.
São sempre mais os elementos positivos de uma pessoa – pelo menos potencialmente – do que os seus defeitos e essas boas qualidades são as que a tornam amável; mas não são as qualidades positivas que se amam, mas as pessoas que as possuem e que as possuem conjuntamente com outras que talvez não o sejam tanto. Uma conduta correta costuma ser o resultado de muitas correções e estas serão mais eficazes se se fazem com sentido positivo, pondo sobretudo a tônica naquilo que se pode melhorar no futuro.
À luz do que se referiu acima, percebe-se que toda a forma de educar apela para a liberdade das pessoas. Nisso se distingue, precisamente, educar de domesticar ou instruir. “Educar em liberdade” é um pleonasmo, não diz nem mais nem menos do que “educar”.
O VALOR EDUCATIVO DA CONFIANÇA
No entanto, a expressão “educar em liberdade” permite fazer finca-pé na necessidade de formar num clima de confiança. Como foi salientado, as expectativas dos outros em relação ao nosso comportamento funcionam como motivos morais das nossas ações.
A confiança que se nos demonstra move-nos a agir; e pelo contrário paralisa-nos sentir que desconfiam de nós. Isto é patente no caso das pessoas mais jovens ou dos adolescentes, que estão a modelar o seu caráter e valorizam muito o juízo dos outros.
Confiar significa ter fé, dar crédito a alguém, considerá-lo capaz de verdade; de manifestá-la ou de guardá-la, conforme os casos, mas também de vivê-la. A confiança que se dá a outro costuma provocar um duplo efeito; de maneira imediata, um sentimento de gratidão, porque se sabe beneficiado por um dom; além disso, a confiança favorece o sentido de responsabilidade.
Quem me pede algo importante espera que lho dê, porque já confia em que o posso dar; tem de mim um elevado conceito. Se essa pessoa confia em mim, sinto-me movido a satisfazer as suas expectativas, a responder com os meus atos. Confiar em alguém é um modo muito profundo de lhe encomendar algo.
Grande parte do que podem fazer os educadores depende de quanto souberam suscitar esta atitude nas pessoas. Em particular os pais devem ganhar a confiança dos filhos, dando-a eles primeiro. Em certas idades da infância, convém estimular o uso da sua liberdade; por exemplo, pedir-lhes coisas e dar explicações sobre o que é bom e o que é mau. Mas isto careceria de significado se faltasse a confiança, esse mútuo sentimento que ajuda a pessoa a abrir a sua intimidade, sem o que é difícil propor metas e tarefas que contribuam para o crescimento pessoal.
A confiança dá-se, consegue-se, gera-se; não se pode impor, nem exigir. A pessoa torna-se digna de confiança pelo seu exemplo de integridade, indo na frente ao dar aquilo que pede aos outros. Assim se adquire a autoridade moral necessária para pedir aos outros; e faz-se notar que educar em liberdade torna possível educar a liberdade.
EDUCAR A LIBERDADE
A educação bem pode entender-se como uma habilitação da liberdade em ordem a perceber o apelo do valioso – daquilo que enriquece e convida a crescer – e a enfrentar as suas exigências práticas. E isso consegue-se propondo usos da liberdade, propondo tarefas plenas de sentido.
Cada idade da vida tem os seus aspetos positivos. Um dos mais nobres que tem a juventude é a facilidade para confiar e responder positivamente à exigência amável. Num tempo relativamente curto podem apreciar-se mudanças notáveis em jovens a quem se confiaram encargos que podiam assumir, e que consideravam importantes: ajudar uma pessoa, colaborar com os pais nalguma função educativa...
Pelo contrário, essa nobreza manifesta-se, de forma pervertida e frequentemente violenta, contra aqueles que se limitam a satisfazer os seus caprichos. À primeira vista, esta atitude é mais cômoda, mas a longo prazo os custos são muito mais gravosos e, sobretudo, não ajuda a amadurecer, pois não os prepara para a vida.
Quem se acostuma, desde pequeno, a pensar que tudo se resolve de forma automática, sem nenhum esforço ou abnegação, provavelmente não amadurecerá no tempo devido. E quando a vida magoar – coisa que inevitavelmente acontecerá – talvez não tenha conserto. O homem deve modelar o seu caráter, aprender a esperar os resultados de um esforço longo e continuado, a superar a escravidão do imediato.
Certamente, o ambiente hedonista e consumista que hoje respiram muitas famílias no chamado “primeiro mundo” – e também noutros muitos ambientes de países menos desenvolvidos – não facilita captar o valor da virtude ou a importância de atrasar uma satisfação para obter um bem maior.
Mas face a esta circunstância adversa, o senso comum evidencia a importância do esforço; por exemplo, nos nossos dias tem especial vigor a referência à cultura desportiva, na qual se nota que quem deseja ganhar uma medalha tem de estar disposto a sofrer treinos prolongados e árduos.
Em geral, a pessoa que é capaz de se orientar livremente para bens que realmente “valem a pena” deve estar preparada para enfrentar tarefas de grande envergadura (aggredi),e para resistir com tenacidade no empenho quando chega o desalento e aparecem as dificuldades (sustinere).Estas duas dimensões da fortaleza fornecem a energia moral para não nos conformarmos com aquilo que já foi conseguido e continuar a crescer, chegar a ser mais. Hoje é especialmente importante mostrar com eloquência que uma pessoa que dispõe dessa energia moral é mais livre do que quem não dispõe dela.
Todos estamos chamados a conseguir essa liberdade moral, que só se pode obter com um uso – não um uso qualquer – moralmente bom da liberdade de arbítrio. Constitui um desafio para os educadores, e em particular para os pais, mostrar de modo convincente que o uso autenticamente humano da liberdade não consiste tanto em fazer o que nos apeteça, mas em fazer o bem porque queremos mesmo, que é a razão mais sobrenatural, como costumava dizer S. Josemaria[6].
É esse o caminho para se libertar do clima asfixiante de suspeita e de coação moral, que impedem procurar pacificamente a verdade e o bem e aderir cordialmente a eles. Não há cegueira maior do que a de quem se deixa levar pelas paixões, pelas “vontades” (ou pela falta delas). Quem só pode aspirar ao que lhe apetece é menos livre do que aquele que pode procurar, não apenas na teoria mas com obras, um bem árduo.
Não há desgraça maior do que a de quem, ambicionando um bem, se surpreende sem forças para o levar a cabo. Porque a liberdade encontra todo o seu sentido quando se exercita no serviço da verdade que resgata, quando se gasta em procurar o Amor infinito de Deus, que nos desata de todas as escravidões[7].
J.M. Barrio
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1. S. Josemaria, É Cristo que passa, n. 113.
2. Ibid.
3. Cfr. S. Josemaria, Caminho, n. 761.
4. S. Josemaria, Temas Atuais do Cristianismo, n. 104.
5. Ibid.
6. S. Josemaria, É Cristo que passa, n. 17.
7. S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 27.