​Do contato virtual às relações pessoais

Com este texto se conclui a série sobre novas tecnologias e vida cristã. O uso das redes sociais e outros canais será positivo se facilitar uma comunicação verdadeiramente humana.

Foto: Jason Howie

O que fazer para alcançar a vida eterna? O Evangelho de São Lucas propõe esta pergunta, que um doutor da Lei dirigiu a Jesus Cristo[1]. Nosso Senhor convidou seu interlocutor a se recordar do que diziam as Escrituras, onde se encontra o mandamento do amor a Deus e ao próximo. Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo?[2] O Mestre respondeu com a parábola do bom samaritano, que, trazida agora a nossa consideração, pode ajudar-nos a alargar o horizonte das relações pessoais, como fez Jesus com aquele doutor da Lei, para incluir a todos os homens, sem distinções de classes ou procedências.

Ser sinceramente próximos às pessoas que nos rodeiam é um ensinamento que adquire uma especial vigência na nossa cultura, permeada pelas tecnologias de comunicação. O Papa Francisco recorre ao relato do bom samaritano para indicar como estas novas realidades tem que se converter num verdadeiro lugar de encontro entre pessoas, um meio para viver a caridade com os outros: «Não basta circular pelas ‘estradas’ digitais, isto é, simplesmente estar conectados: é necessário que a conexão seja acompanhada pelo encontro verdadeiro. Não podemos viver sozinhos, fechados em nós mesmos. Precisamos de amar e ser amados. Precisamos de ternura»[3].

Atualmente, os momentos em que entramos em contato com parentes, amigos ou colegas de trabalho, se multiplicam. Graças às novas tecnologias, a frequência da comunicação aumenta: é possível conversar com alguém que vive talvez a milhares de quilômetros de distância, e inclusive compartilhar imagens e vídeos sobre o que fazemos nesse mesmo instante. Diante desta situação, cabe perguntar-se o que podemos fazer para que esses gestos sejam mais que um simples intercambio de informação, mas um meio para estabelecer relações autênticas, com sentido cristão.

A identidade nas redes sociais

A virtude da sinceridade é imprescindível nas relações sociais. «Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança recíproca, ou seja, se não manifestarem a verdade»[4], observa São Tomás de Aquino. Assim, para manter a ordem numa comunidade é indispensável que aqueles que a compõem digam a verdade: de outro modo seria difícil empreender projetos juntos ou confiar em um líder, para dar alguns exemplos. Esta sinceridade abarca não só os fatos externos (o preço de um produto, os resultados de uma pesquisa, etc.), mas também a identidade das próprias pessoas envolvidas: quem são, qual é sua posição na sociedade, qual é sua história, etc.

Para que as relações com as pessoas sejam enriquecedoras e duradouras, é lógico que no mundo digital busquemos nos apresentar de um modo coerente com o que somos. Isto implica, por exemplo, que a identidade o “perfil” que se cria nas redes sociais reflita nosso modo de ser e de agir. Assim, quem entrar em contato conosco na rede tem a confiança de que os conteúdos que compartilhamos correspondem à vida que levamos, e que não usaremos esses meios para fins dos quais talvez nos envergonhássemos no mundo “real”.

Uma característica da condição social do homem que, conforme as relações crescem e amadurecem – no seio de uma família, ou entre amigos ‒, a sinceridade adquira um significado especial: comunica-se o que acontece no mundo interior, e não tanto os fatos externos. Expressam-se os gostos, estados de ânimo, modo de ser, opiniões. E passa a ser fundamental apresentar-se com franqueza, sem ocultar a própria identidade. No contexto atual, esta manifestação geralmente se apoia nos recursos que oferecem as novas tecnologias: uma mensagem rápida, una publicação numa rede social, um e-mail. Por este motivo, não podemos esquecer que, ao mesmo tempo em que compartilhamos noticias ou opiniões, também nos estamos dando a conhecer. Assim salienta Bento XVI ao tratar sobre as redes sociais: «As pessoas que nelas participam devem esforçar-se por serem autênticas, porque nestes espaços não se partilham apenas ideias e informações, mas em última instância a pessoa comunica-se a si mesma»[5].

Proteger as relações humanas

No ambiente digital, além de viver a sinceridade, que leva a não ocultar a própria identidade, a prudência levará a conhecer bem o alcance que tem os instrumentos e aplicativos que utilizamos para manter o contato com as pessoas, para poder adotar um estilo comunicativo adequado ao meio. O público que verá os conteúdos na rede nem sempre será o mesmo, pois em algumas ocasiões nos dirigimos a familiares, companheiros, conhecidos, membros de um grupo, etc. Ao mesmo tempo, somos conscientes de que as publicações podem ser compartilhadas e, eventualmente, alcançar uma visibilidade muito mais ampla da inicial (tornou-se uma prática habitual compartilhar mensagens ou fotografias de terceiros). Algumas vezes, este efeito é precisamente o que se buscava, por exemplo, ao informar uma noticia positiva, ou de iniciativas que vale a pena conhecer. No entanto, quando se compartilham elementos que tem a ver com a vida pessoal, a difusão excessiva já não é tão desejável. Além disso, estes conteúdos costumam deixar rastros no ambiente digital e, com certa facilidade, podem ser consultados tempos depois, quando já mudou o contexto que ajudava a entender o que se queria dizer.

Definir e controlar os limites do público e do privado nem sempre é fácil na rede. Certamente, os provedores de serviços são cada vez mais conscientes desta necessidade, e é útil conhecer as soluções técnicas disponíveis. No entanto, isto não exime da responsabilidade pessoal na gestão da própria informação: as imagens que se compartilham na rede, os comentários que se publicam. Por exemplo, uma frase que na linguagem falada seria entendida como uma brincadeira – pelo tom de voz, a expressão do rosto, etc.– na rede poderia resultar de mau gosto ou rude. Uma mensagem escrita talvez com precipitação, pode fazer os outros perderem tempo, ou ser ambígua no que diz respeito aos sentimentos que se relacionam a outras pessoas, e sem pretender, poderia gerar uma confusão desagradável.

As novas tecnologias e, concretamente, as redes sociais, estimulam o usuário a assumir um papel ativo, criando e alimentando conteúdos. Por isso, convém ser especialmente prudentes ao compartilhar elementos que aproximam da intimidade, própria ou alheia. Não é uma questão de mero controle da informação. Afeta de modo particular o sentido do pudor, que leva a proteger a própria intimidade e a dos outros, reservando os dados pessoais ou familiares que, postos ao alcance de outros, podem despertar simplesmente a curiosidade e fomentar a vaidade. Com autodomínio, é bom perguntar-se, antes de publicar algo que envolve a outras pessoas, se estas estariam de acordo em aparecer nesse contexto, ou se prefeririam que determinados eventos ou situações não fossem mostradas nas redes sociais.

Alcançar um diálogo autêntico

«O desenvolvimento das redes sociais requer dedicação: as pessoas envolvem-se nelas para construir relações e encontrar amizade, buscar respostas para as suas questões, divertir-se, mas também para ser estimuladas intelectualmente e partilhar competências e conhecimentos »[6]. As redes favorecem o diálogo e com frequência o enriquecem, pois pode ir acompanhado de imagens e textos alusivos; além disso, permitem interagir com pessoas que atuam em culturas muito diferentes da própria, em lugares longínquos. Esta possibilidade coloca-nos o desafio de estabelecer um diálogo frutífero, conservando a capacidade de reflexão quando a velocidade das conexões parece exigir-nos respostas cada vez mais imediatas. Sem querer, poderíamos afetar o diálogo por não saber esperar, e considerar as coisas com mais calma.

Como ensina a epístola de São Tiago, o domínio da língua é um ato de verdadeira caridade, pois descontrolada pode causar danos incalculáveis: Considerai como uma pequena chama pode incendiar uma grande floresta![7]. Neste sentido, pergunta São Josemaria: Sabes o mal que podes ocasionar jogando para longe uma pedra com os olhos vendados?[8] Se um comentário oral pode ter um efeito imprevisível, como não será necessário estar atentos no ambiente digital, onde pode se difundir a uma velocidade inimaginável? Bento XVI afirmava: « Por conseguinte os meios de comunicação social precisam do compromisso de todos aqueles que estão cientes do valor do diálogo, do debate fundamentado (…); de pessoas que procurem cultivar formas de discurso e expressão que façam apelo às aspirações mais nobres de quem está envolvido no processo de comunicação»[9]. Neste contexto daremos um testemunho cristão se nos esforçarmos por ter uma delicadeza especial, adotando um estilo positivo e respeitoso na rede.

Amizade e apostolado na rede

É natural que quem recebeu o dom da fé, deseje compartilhá-lo, com respeito e sensibilidade, com quem interage no ambiente digital, já que temos de conquistar, para Cristo, todo e qualquer valor humano que seja nobre [10]. É uma consequência de ser cristão, que leva a difundir o Evangelho através dos canais que tem a sua disposição. No entanto, para transmitir a mensagem cristã, convém conhecer as peculiaridades do meio que utilizamos e como funcionam as relações que aí se estabelecem. A caridade leva, mais que ao envio de mensagens religiosas explícitas a uma lista de contatos, a interessar-se pelas pessoas e ajudar a cada uma, dentro e fora da rede.

Quem tem a suficiente preparação– também técnica – pode difundir a fé através do ambiente digital. Em qualquer caso, convém estar sempre atentos ao impacto real destes meios, evitando perder energias que poderíamos investir em outras iniciativas de mais impacto apostólico. De fato, existem meios simples e eficazes para influir na sociedade que estão ao alcance de todos, como reenviar uma noticia ou artigo positivo e escrever mensagens ao autor de uma publicação. Com esta perspectiva, e tendo em conta as próprias circunstâncias pessoais, saberemos dar a justa dimensão às novas tecnologias, mediante um uso correto, virtuoso, próprio de um cristão corrente no meio do mundo.

As novas tecnologias são um novo canal para expressar a amizade. Nessa medida, também podem contribuir para aquilo que São Josemaria chamava o apostolado de amizade e de confidência[11] onde através do relacionamento pessoal, de uma amizade leal e autêntica, se desperta nos outros a fome de Deus e se ajuda cada um a descobrir novos horizontes[12]. Às vezes uma rede social é o meio para recuperar o contato com um antigo colega, ou para manter a relação com alguém que mudou de residência. No entanto, temos a experiência de que as relações pessoais se forjam especialmente durante a convivência no mundo real, e não podemos esquecer que o apostolado cristão conta especialmente com o contato direto, pois «o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com o seu sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado»[13]. O desejo sincero de transmitir o tesouro da fé impulsionará os cristãos a aproximarem-se dos outros, numa autêntica amizade apostólica, que sabe servir-se de todos os meios que tem ao seu alcance, também os digitais.


[1] Cf. Lc 10, 25ss.

[2] Lc 10, 29.

[3] Francisco, Mensagem para a Jornada Mundial das comunicações sociais, 24-I-2014.

[4] São Tomás, S. Th. II-II, q. 109, a. 3 ad 1.

[5]Bento XVI, Mensagem para a Jornada Mundial das comunicações sociais, 24-I-2013.

[6] Bento XVI, Mensagem para a Jornada Mundial das comunicações sociais, 24-I-2013.

[7] Tg3, 5.

[8] Caminho, n. 455.

[9] Bento XVI, Mensagem para a Jornada Mundial das comunicações sociais, 24-I-2013.

[10] Forja, n. 682.

[11] Questões atuais do cristianismo, n. 66.

[12] É Cristo que passa, n. 149.

[13] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 24-XI-2013, n. 88.