A direção espiritual pessoal é uma prática muito antiga e comum na vida da Igreja, complementando outras atividades catequéticas, formativas e doutrinais de caráter mais coletivo. Num sentido amplo e genérico, pode-se remontar ao próprio Jesus Cristo e à época apostólica; ainda que, ao longo da história da Igreja, essa prática foi se enriquecendo e se exercendo de formas diversas.
Com a direção espiritual, sempre se buscou um apoio sobrenatural e humano no caminho pessoal de santidade de cada cristão, de acordo com a própria vocação divina e com a projeção apostólica correspondente. Sua finalidade sempre foi e continua sendo exclusivamente espiritual, e não resta dúvidas sobre seus grandes frutos na vida de muitas almas de todas as épocas.
No Opus Dei, particularmente, desde o princípio, se destacou a importância da direção espiritual como meio decisivo na formação pessoal de seus membros, e como ajuda oferecida a todos os que se aproximam de seus apostolados. O espírito genuinamente secular dessa prelazia pessoal da Igreja Católica leva, no exercício da direção espiritual, a insistir particularmente na liberdade e responsabilidade pessoal de cada um — no seu ambiente profissional, familiar, social, político, etc.
Nas palavras de seu fundador, São Josemaria Escrivá, “o exercício da direção espiritual não deve se orientar no sentido de fabricar criaturas carecidas de juízo próprio, que se limitam a executar materialmente o que outrem lhe disse; Pelo contrário, a direção espiritual deve tender a formar pessoas de critério. E o critério implica maturidade, firmeza de convicções, conhecimento suficiente da doutrina, delicadeza de espírito, educação da vontade” (Entrevista com Mons. Josemaria Escrivá, 93).
A direção espiritual no Opus Dei busca expressamente a orientação da vida interior e do exercício das virtudes cristãs, para que cada um saiba realizar todos os seus afazeres com espírito cristão, como serviço a Deus e às almas. Mas sem condicionar a natureza secular e livre dessas mesmas tarefas, pelas quais só o interessado é plenamente responsável, como qualquer outro cidadão. Além disso, é uma tarefa em que confluem os diretores e diretoras leigos da Prelazia, com a tarefa ministerial específica dos sacerdotes.
Trecho da Carta pastoral de 02–X–2011, na qual Mons. Javier Echevarría fala de alguns aspectos da formação para a vida espiritual e a nova evangelização.
Os meios
14. A união do trabalho com a luta ascética, a contemplação e o exercício da missão apostólica, requer uma profunda preparação: por isso, o Opus Dei oferece-nos um amplo leque de recursos de formação pessoais e coletivos. Entre os pessoais, há um que reveste especial importância: é a conversa fraterna, que chamamos também confidência, precisamente por seu caráter interpessoal cheio de confiança.
É uma conversa de direção espiritual, que se situa no contexto do serviço fraterno, para viver a fundo, com liberdade e responsabilidade, o encontro quotidiano com Cristo no meio do mundo. Já nas páginas do Novo Testamento, percebemos como o Senhor quis servir-se da mediação de homens e mulheres para encaminhar as almas para a meta da santidade. Quando chama São Paulo no caminho de Damasco, pede-lhe que recorra a outro homem, Ananias, que lhe comunicará a respeito do novo caminho que está prestes a empreender (cf. At 9, 6–18; 22, 10–15). Depois irá a Jerusalém videre Petrum, para ver a Pedro e aprender dele muitos aspectos da doutrina e da vida cristãs (cf. Gal 1, 18). De fato, a direção espiritual é uma tradição cujo espírito remonta aos primeiros passos da Igreja.
No Opus Dei, essa ajuda espiritual tende a facilitar que as pessoas assimilem, com fidelidade, o espírito que nosso Fundador recebeu de Deus e nos transmitiu e que tem sido proposto pela Igreja como um caminho de santidade.
15. São Josemaria explicava que, na Obra, a direção espiritual pessoal se realiza in actu, isto é, no momento em que se tem essa conversa. Essa atenção situa-se no âmbito do conselho para ajudar a progredir na vida cristã. O nosso Padre comparava alguma vez a direção espiritual à tarefa de um irmão, que se preocupa pela vida dos irmãos mais jovens; de um amigo ou de uma amiga leais, movidos pelo desejo de convidar outros a serem melhores cristãos. Em resumo, a Confidência é uma conversa entre irmãos e não a de um súdito com seu superior. Os que atendem essas conversas fraternas atuam com uma delicadeza extraordinária, fruto da preocupação exclusiva pela vida interior e pelas tarefas apostólicas de seus irmãos, sem pretender jamais influir nos assuntos temporais – de caráter profissional, social, cultural, político, etc. – de cada um.
Na Obra, a separação entre o exercício da jurisdição e a direção espiritual assegura-se na prática, entre outras coisas, pelo fato de que precisamente os que recebem conversas de direção espiritual — os Diretores locais e alguns outros fiéis especialmente preparados e os sacerdotes, ao celebrarem o sacramento da Penitência — não têm nenhuma potestade de governo sobre as pessoas que atendem. O Regime local, no que tange à capacidade de governo, não se refere às pessoas, mas apenas à organização dos Centros e das atividades apostólicas; a função dos Diretores locais, no que se refere aos seus irmãos, é de conselho fraterno. Não coincidem, pois, num mesmo sujeito as funções de jurisdição e de ajuda espiritual. Na Prelazia, a única base da autoridade de governo sobre as pessoas é a jurisdição, que reside somente no Prelado e nos seus Vigários.
O que oferece, então, o Opus Dei? Fundamentalmente, uma direção espiritual a seus fiéis e às outras pessoas que a peçam. Os fiéis da Prelazia, porque aspiramos a nossa santificação pessoal e a realizar a missão do Opus Dei na Igreja, não temos inconveniente, de ordinário, em falar com quem nos indicam os Diretores — mesmo que seja alguém mais jovem –, sempre com plena liberdade e com fé na graça divina, que se utiliza de instrumentos humanos. A conversa fraterna não é uma “conta de consciência”. Se, nessa direção espiritual, nos perguntam alguma coisa – e, nalgumas ocasiões, pode ser bom e até necessário que nos perguntem –, procederão com muita delicadeza, porque ninguém está obrigado, concretamente, a dizer na confidência o que é matéria de confissão.
Tudo o que vos menciono, filhas e filhos meus, vos parecerá óbvio, mas quis recolhê-lo dentro do contexto atual da sociedade, que manifesta uma particular sensibilidade pelo respeito à intimidade das pessoas, ainda que também seja abundante, em determinados ambientes, a falta de pudor e de respeito pela vida privada dos outros. A todos nos explicaram, pouco depois de conhecermos a Obra, que não nos passava pela cabeça, nem agora nos passa, chamar “meu diretor espiritual” a quem nos escuta, simplesmente porque, repito, não se dá esse personalismo na Obra, nem nunca se deu. Aquele que recebe uma Confidência transmite o espírito do Opus Dei sem acréscimos: quem tem o encargo de oferecer essa ajuda desaparece para pôr as almas face ao Senhor, dentro das características do nosso caminho. Um caminho, dizia nosso Padre, o da Obra, que “é muito amplo. Pode-se ir pela direita ou pela esquerda; a cavalo, de bicicleta; de joelhos, engatinhando como quando éreis crianças; e também pela beirada, sempre que não se saia do caminho”[1].
O Sacramento da Reconciliação
16. Além da conversa fraterna, recorremos — de ordinário, semanalmente, — a um sacerdote para receber a ajuda espiritual que está unida à Confissão sacramental. Como é bem compreensível, ajudam-nos os confessores que se designam para os diferentes Centros, que se ordenaram para servir em primeiro lugar às suas irmãs e aos seus irmãos, com total disponibilidade, e — porque conhecem e vivem o mesmo espírito – têm uma específica preparação para nos orientar, nunca para mandar. De modo análogo comporta-se quem costuma ir ao médico de família, quando o há, em lugar de ir a um desconhecido.
Ao mesmo tempo, como São Josemaria sempre deixou muito claro, os fiéis da Prelazia, como todos os outros católicos, gozam de plena liberdade para se confessar ou falar com qualquer sacerdote que tenha faculdades ministeriais: surpreender-vos-á que vos recorde essa verdade tão clara, mas me interessa mencioná-la, porque talvez possa ser menos conhecida pelos que nada sabem do Opus Dei ou do espírito de liberdade próprio dos seguidores de Jesus Cristo. Além do mais, o nosso Padre estabeleceu que habitualmente fossem pessoas diferentes as que nos atendam na conversa fraterna e na Confissão.
Espírito de iniciativa e docilidade
17. A direção espiritual requer, nas pessoas que a recebem, o desejo de progredir no seguimento de Cristo. Elas são as primeiras interessadas em procurar esse impulso com a frequência oportuna, abrindo o coração com sinceridade, de maneira que lhes possam sugerir metas, assinalar possíveis desvios, alentar em momentos de dificuldade, facilitar consolo e compreensão. Por isso, agem com espírito de iniciativa e de responsabilidade. “O conselho de outro cristão, e especialmente — em questões morais ou de fé — o do sacerdote, é uma ajuda poderosa para reconhecer o que Deus nos pede numa circunstância determinada; mas o conselho não elimina a responsabilidade pessoal. Cada um de nós é que tem de decidir em última análise, e é pessoalmente que havemos de dar contas a Deus das nossas decisões”[2].
Ao ir à direção espiritual, para secundar a ação do Espírito Santo, crescermos espiritualmente e identificarmo-nos com Cristo, devemos cultivar as virtudes da sinceridade e da docilidade, que resumem a atitude da alma fiel ante o Paráclito. Assim descrevia esta recomendação São Josemaria, dirigindo-se a todos os fiéis, da Obra ou não. “Conheceis de sobra as obrigações do vosso caminho de cristãos, que vos conduzirão sem pausa e com calma à santidade; estais também precavidos contra as dificuldades, praticamente contra todas, porque se vislumbram já desde os começos do caminho. Agora insisto em que vos deixeis ajudar, guiar, por um diretor de almas a quem confieis todas as vossas aspirações santas e os problemas cotidianos que possam afetar a vida interior, os descalabros que possais sofrer e as vitórias. Nessa direção espiritual, mostrai-vos sempre muito sinceros; não vos façais nenhuma concessão sem dizê-lo; abri por completo a vossa alma, sem medos nem vergonhas. Olhai que, de outro modo, esse caminho tão plano e fácil de andar se complica, e o que a princípio não era nada acaba por converter-se em nó que asfixia”[3].
E, fazendo eco ao ensinamento dos Padres da Igreja e dos autores espirituais, apoiado na experiência de muitos anos de prática pastoral, insistia: se o demônio mudo se introduz numa alma, põe tudo a perder; em contrapartida, se o expulsamos imediatamente, tudo corre bem, somos felizes, a vida desenvolve-se retamente. Sejamos sempre selvagemente sinceros, embora com prudente educação[4].
O Senhor prodigaliza sua graça abundantemente sobre a humildade dos que recebem com visão sobrenatural os conselhos da direção espiritual, vendo, nessa ajuda, a voz do Espírito Santo. Só uma docilidade efetiva de coração e de mente faz possível o progresso no caminho da santidade, já que o Paráclito, com as suas inspirações e com os conselhos dos que nos atendem, “vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e obras. É Ele quem nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la com profundidade; quem nos dá luz para tomarmos consciência da nossa vocação pessoal e força para realizarmos tudo o que Deus espera de nós. Se formos dóceis ao Espírito Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando cada vez mais em nós e assim iremos nos aproximando cada dia mais de Deus Pai. Os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus”[5] (Rm 8, 14).
Humildade e prudência ao dar a direção espiritual
18. Detenho-me agora nas disposições daqueles que assistem a outros na direção espiritual. Ressalta, em primeiro lugar, a de querer os outros como são, buscando exclusivamente o seu bem. Assim, a sua atitude será sempre positiva, otimista e alentadora. Além disso, deverá também fomentar em si mesmo a virtude da humildade, para não perder de vista que só é um instrumento (cf. At 9, 15), de que o Senhor deseja servir-se para a santificação das almas.
Por outra parte, cuidará de se preparar o melhor possível para exercitar a sua tarefa, conhecer os princípios fundamentais da vida espiritual, que de ordinário percorrem as almas, e duvidar prudentemente — isto é, não se fiar exclusivamente no seu critério —, caso se apresentem situações especiais. Nesses casos, além de rezar mais, pedirá mais luzes ao Espírito Santo, para estudar e focar bem o assunto. Se for necessário, de acordo com os ensinamentos da Moral, pode-se fazer uma consulta a pessoas mais doutas, apresentando-a como um caso hipotético e modificando as circunstâncias, de maneira que — para guardar rigorosamente o silêncio de ofício — fique completamente a salvo a identidade de quem se trate e sempre com a devida prudência.
Na Obra, desde o início, conhecíamos e aceitávamos expressamente que a pessoa com quem se fala fraternalmente possa consultar o Diretor pertinente, quando o considere oportuno para ajudar melhor o interessado. Com o fim de que fique ainda mais patente o espírito de liberdade e de confiança nessas situações — que não serão nem habituais nem frequentes —, a pessoa que recebe a conversa fraterna pergunta ao interessado se deseja pedir conselho ele mesmo a um Diretor ou se prefere que o faça aquele que escuta a sua confidência. É uma maneira de proceder que reforça as medidas de delicadeza e de prudência vividas desde o princípio.
Ao mesmo tempo, todos contam com a liberdade de ir diretamente ao padre ou a um diretor regional ou da delegação, para falar da sua vida interior. Isso oferece, aos que recorremos à direção espiritual no Opus Dei, a garantia de que vamos receber o que precisamos e desejamos: o espírito que nos transmitiu São Josemaria, sem acréscimos, nem modificações. Ao mesmo tempo, nem de longe, se lesa o dever de manter o segredo natural, que se guarda com o máximo cuidado e severidade: uma pessoa que não fosse exemplar nesse ponto, careceria de uma disposição fundamental para dar direção espiritual.
Os que atendem os outros tentam fomentar, em todo momento, a liberdade interior dessas almas, para que correspondam voluntariamente aos apelos do amor de Deus. A direção espiritual oferece-se, portanto, sem uniformizar os fiéis do Opus Dei; isso seria ilógico e uma falta de naturalidade. A Obra “quer-nos libérrimos e diversos. Mas quer-nos cidadãos católicos responsáveis e consequentes, de forma que a mente e o coração de cada um de nós não andem separados, cada um por um lado, mas concordes e firmes, para fazer em todo momento o que se vê com clareza que se deve fazer, sem se deixar arrastar — por falta de personalidade e de lealdade à consciência — por tendências ou modas passageiras”[6]. Logicamente, deve-se falar com a fortaleza necessária para estimular as pessoas a caminharem pela senda que Deus lhes marca; mas também com suavidade extrema, porque não são nem se sentem donos, mas servidores das almas: fortiter in re, suaviter in modo. Efetivamente, “a prudência exige que, sempre que a situação o requeira, se aplique o remédio, totalmente e sem paliativos, depois de se deixar a chaga a descoberto (...). Temos que proceder assim, antes de mais nada, conosco próprios e com os que temos obrigação de ajudar por justiça ou por caridade”[7].
Não deve ser obstáculo para essa função o pensamento de que também ele próprio deve melhorar nesse ponto concreto. “Porventura não cura um médico que está doente, ainda que o mal de que sofre seja crônico? Impede-o por acaso a sua doença de prescrever aos seus pacientes a receita adequada? Claro que não. Para curar basta possuir a ciência conveniente e pô-la em prática, com o mesmo interesse com que combate a sua própria doença”[8].
[1] São Josemaria, Notas de uma meditação, 31-12-1970.
[2] Idem, Entrevistas, n. 93.
[3] Idem, Amigos de Deus, n. 15.
[4] Ibidem, n. 188.
[5] São Josemaria, É Cristo que Passa, n. 135.
[6] São Josemaria, Carta 6-5-1945, n. 35.
[7] Idem, Amigos de Deus, n. 157.
[8] Ibidem, n. 161.