Jesus publicamente sobe pela primeira vez a Jerusalém. Dedica-se, por fim, plenamente ao anúncio do reino de Deus mediante suas palavras e milagres. Desde o prodígio realizado nas bodas de Caná a sua fama ia-se estendendo pouco a pouco. É então que, oculto pelo silêncio e a obscuridade da noite, um mestre judeu bem conhecido aproxima-se para conversar com ele (Jo 3, 1). Nicodemos havia sentido um terremoto em seu interior quando escutou e viu a Cristo. Remoía muitas coisas na cabeça e preferia solucioná-las na intimidade de uma conversa cara a cara. Jesus, que conhece a sinceridade do seu coração, diz-lhe de repente: “Quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3, 3).
O diálogo continua com a pergunta que qualquer um de nós teria feito: o que significa isso? Eu sei o dia exato em que nasci, inclusive a hora, como se pode nascer duas vezes? Jesus, na verdade, estava pedindo a Nicodemos que procurasse não apenas compreender as coisas e sim – mais importante – que deixasse Deus entrar em sua vida. Porque querer ser santo é como nascer outra vez, como ver tudo com uma nova luz; em suma, ser uma nova pessoa: transformar-nos, pouco a pouco, no próprio Jesus Cristo, “deixando que sua vida se manifeste em nós”[1]. Os santos já percorreram os caminhos do reino de Deus: subiram as suas montanhas, descansaram em seus vales e também conheceram os cantos mais obscuros. Por isso nos enchem de esperança. Um modo de reconhecer a Cristo é, precisamente, através dos santos. As suas vidas podem desempenhar um papel importante no caminho pessoal de cada batizado que deseja aprender a rezar.
Maria reza quando está alegre...
As mulheres e homens que nos precederam são testemunhas de que o diálogo vital com Deus é realmente possível no meio de tantas idas e vindas que às vezes podem nos levar a pensar o contrário. Entre eles, um testemunho vital é o de Santa Maria. Ela, pela terna proximidade com o seu filho Jesus na vida cotidiana de uma família, teve a experiência mais viva do diálogo com o Pai. E, como em toda casa, no lar de Nazaré havia momentos bons e momentos mais difíceis; no entanto, no meio de estados de ânimo muito diferentes, a Virgem Maria sempre reza.
A vida de Maria ensina-nos a rezar a todo momento
Reza, por exemplo, quando está alegre. Sabemos que, pouco tempo depois de ter recebido o anúncio do anjo, Maria vai “às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá” (Lc 1, 39) para visitar a sua prima Isabel. Havia recebido a notícia de que a família aumentaria com um novo sobrinho, o que era digno de ser festejado; muito mais porque se tratava de um acontecimento inesperado, dada a idade de Isabel e Zacarias. “A descrição que São Lucas faz do encontro entre as duas primas está cheia de emoção, e nos situa em um cenário de benção e alegria”[2]; emoção à qual, de algum modo, o Espírito Santo se une, revelando a presença física do Messias, tanto ao Batista como à sua mãe.
Isabel, mal Maria entrou em sua casa, louva-a com afeto, utilizando palavras que se converterão em uma oração universal e às quais nós fazemos eco diariamente, penetrando também nessa alegria: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!”. Nossa Senhora, por sua vez, responde com emoção ao entusiasmo da sua prima: “A minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”. O Magnificat, nome que a tradição deu à esta resposta da nossa Mãe, ensina-nos o que é uma oração de louvor impregnada da palavra de Deus. Como indica Bento XVI: “Maria conhecia bem as sagradas Escrituras. O seu Magnificat é um tapete tecido com fios do Antigo Testamento”[3]. Quando sentimos os nossos corações cheios de gratidão por um dom que recebemos, é o momento de conversar abertamente com Deus em nossa oração – talvez com palavras da Escritura – reconhecendo as grandes coisas que Ele fez na nossa vida. A ação de graças é uma atitude fundamental na oração cristã, especialmente nos momentos de alegria.
... e também na dor ou no desânimo.
No entanto, a Virgem reza também nos momentos de escuridão, quando surgem a dor ou a falta de sentido. Ensina-nos, dessa forma, outra atitude fundamental da oração cristã, expressada de maneira concisa, mas luminosa no relato da morte de Jesus: “Junto à cruz de Jesus, estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe” (Jo 19, 25). Maria, oprimida pela dor, simplesmente está. Ela não pretende salvar o seu Filho nem resolver a situação. Não a vemos pedir contas a Deus pelo que não entende. Procura apenas não perder uma só palavra que Jesus pronuncia, com um fio de voz, da cruz. Por isso, quando recebe uma nova tarefa, aceita-a sem demora: “Mulher, eis o teu filho! Depois disse ao discípulo: Eis a tua mãe!” (Jo 19, 26-27). Maria está envolvida por uma dor que, para muitos, é a mais terrível que uma pessoa pode sentir: presenciar a morte de um filho. Mantém, no entanto, a lucidez que lhe permite aceitar esta nova chamada para acolher João como seu filho e, com ele, a nós, homens e mulheres de todos os tempos.
Os escritos e a vida dos santos nos ajudam a cultivar nossa amizade com Deus, pois eles também o fizeram
A oração dolorosa é antes de tudo, estar junto à própria cruz, amando a vontade de Deus; é saber dizersim às pessoas e às situações que o Senhor põe ao nosso lado. Rezar é ver a realidade, embora pareça particularmente escura, partindo da certeza de que sempre há um dom nela, de que Deus está sempre por trás. Poderemos assim ser capazes de acolher as pessoas e as situações repetindo como Maria: “Eis-me aqui” (Lc 1, 38).
Por último, na vida de Nossa Senhora descobrimos que ela também reza com outro estado de ânimo, diferente do da obscuridade da dor. Vemos Maria, junto do seu esposo José, rezar em um momento de angústia. Um dia, enquanto regressavam de sua peregrinação anual ao Templo de Jerusalém, dão conta da ausência do seu filho de doze anos. Decidem voltar para procurá-lo. Quando finalmente o encontram conversando com os mestres da lei, Maria pergunta: “Meu filho, que nos fizeste?! Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição” (Lc 2, 48). Nós também, muitas vezes, podemos sentir-nos angustiados, quando somos assaltados por uma sensação de insuficiência, de falha ou de estar fora de lugar. Pode parecer-nos, então, que o mundo está errado: a vida, a vocação, a família, o trabalho... Podemos chegar a pensar que o caminho não é como eu esperava. Os planos e sonhos do passado parecem-nos ingênuos. É reconfortante saber que Maria e José passaram por esta crise e que nem sequer a sua oração angustiada teve uma resposta clara e reconfortante: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai? Eles, porém, não compreenderam o que ele lhes dissera” (Lc 2, 49-50).
Rezar nesses momentos de angústia não garante encontrar soluções fáceis e rápidas. O que fazer então? A Virgem Maria nos ensina o caminho: permanecer fiéis à nossa própria vida, voltar à situação normal e redescobrir a vontade de Deus inclusive quando não a entendemos bem. E como Maria, podemos também conservar todos estes eventos misteriosos e às vezes obscuros no coração, meditando neles, quer dizer, encarando-os com uma atitude de oração. Assim, pouco a pouco, percebemos que voltamos à presença de Deus; experimentaremos que Jesus cresce em nós e volta a tornar-se visível (cfr. Lc 2, 51-52).
Biografias que são como as nossas vidas
Maria é uma testemunha única da proximidade com Deus que anelamos, mas os santos também o são, cada um de modo pessoal e específico. “Cada Santo é como um raio de luz que sai da Palavra de Deus”, ensina Bento XVI em um documento no qual sugere alguns mestres: “Assim o vemos também em Santo Inácio de Loyola na sua busca da verdade e no discernimento espiritual, em São João Bosco na sua paixão pela educação dos jovens, em São João Maria Vianney na sua consciência da grandeza do sacerdócio como dom e dever; em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da misericórdia divina; em São Josemaria Escrivá na sua pregação sobre a vocação universal à santidade; na Beata Teresa de Calcutá missionária da caridade de Deus pelos últimos”[4].
É natural, humanamente, ter simpatia por certos modos de ser, por pessoas que se dedicam a tarefas que nos atraem mais ou que falam de uma maneira que nos chega diretamente ao coração e à mente. O conhecimento da vida e experiências de um santo, junto à leitura dos seus escritos, constituem momentos privilegiados para cultivar uma verdadeira relação de amizade com eles. Por isso, se só destacam os exemplos extraordinários da vida e da oração dos santos, corremos o risco de que o seu exemplo seja longínquo e difícil de seguir. “Lembramo-nos de Pedro, de Agostinho, de Francisco? Nunca me agradaram essas biografias de santos que, com toda a ingenuidade, mas também com falta de doutrina, nos apresentavam as façanhas desses homens como se tivessem sido confirmados na graça desde o seio materno”, escreve São Josemaria, que sempre insistiu na importância de não idealizar as pessoas, nem sequer os santos canonizados pela Igreja, como se tivessem sido perfeitos. “Não. As verdadeiras biografias dos heróis cristãos são como as nossas vidas: lutavam e ganhavam, lutavam e perdiam. E então, contritos, voltavam à luta”[5]. Este enfoque realista faz que o testemunho dos santos seja muito mais verossímil, precisamente porque eles são semelhantes a cada um de nós. Entre os santos, diz o Papa Francisco, “pode estar nossa própria mãe, uma avó ou outras pessoas próximas (cfr. 2 Tm 1, 5). Talvez sua vida não tenha sido sempre perfeita, mas mesmo em meio a imperfeições e quedas continuaram em frente e agradaram ao Senhor”[6].
O Cura d'Ars, São Filipe Neri, Santa Teresinha de Jesus ou São Josemaria, podem ser grandes mestres de oração
A nossa perspectiva sobre a oração pode ser mais completa quando a vemos encarnada na vida das pessoas. A familiaridade com os santos ajuda-nos a descobrir diferentes maneiras de começar e recomeçar a rezar. Pode oferecer-nos uma nova luz, por exemplo, saber que o salmo 91 foi um grande consolo para São Thomas More durante os longos meses que passou na prisão: “Sob as suas asas encontrarás refúgio... Escolheste, por asilo, o Altíssimo.... Pois que se uniu a mim, eu o livrarei”[7]. O salmo que consolou um mártir na desolação da prisão, diante da perspectiva da morte violenta e do sofrimento dos seus seres queridos, também pode indicar-nos um caminho de oração nas pequenas e grandes contrariedades da vida.
A surpresa de ser olhado por Deus
A familiaridade com os santos pode ajudar-nos a descobrir a Deus nas coisas de cada dia como eles mesmos fizeram. Podemos ler com admiração o que São João Maria Vianney, o Cura d’Ars, descobriu naquele dia em que se aproximou de um de seus paroquianos, um camponês analfabeto, que passava longos momentos diante do sacrário. O que o senhor faz aí? perguntou-lhe o sacerdote. E o bom homem respondeu com simplicidade: Eu olho para Ele e Ele olha para mim. Não era necessário mais nada. Aquela resposta ficou como um ensinamento indelével no coração de seu pároco. “A contemplação é olhar de fé fito em Jesus”[8], ensina o Catecismo da Igreja citando precisamente este episódio. Eu olho para Ele e – muito mais importante – Ele olha para mim. Deus sempre nos olha, mas de modo particular quando levantamos os olhos e lhe devolvemos o seu olhar de amor.
Uma experiência parecida aconteceu com São Josemaria, que ficou tão impressionado que a relatou muitas vezes ao longo da sua vida. Quando era um jovem sacerdote, durante as suas primeiras experiências pastorais, costumava permanecer todas as manhãs no confessionário esperando os penitentes. Em certo momento ouvia um chacoalhar de latas que o deixava inquieto e, sobretudo, intrigado. Um dia, vencido pela curiosidade, o jovem padre Josemaria escondeu-se atrás da porta para ver quem era aquele misterioso visitante. Viu um homem que carregava cântaros de leite e que, da porta aberta da igreja, dirigia-se ao Sacrário dizendo: Senhor, aqui está João, o leiteiro. Permaneceu ali um momento e foi embora. Aquela pessoa simples, sem saber, deu um exemplo de oração confiada que surpreendeu São Josemaria e o levou a repetir, como um estribilho constante: “Senhor, aqui está Josemaria, que não sabe te amar como João, o leiteiro”[9].
Os testemunhos de tantos santos de diferentes épocas e ambientes confirmam que é possível sentir-se olhado com afeto por Deus, onde estamos e como somos. Dizem-no de um modo confiável porque eles mesmos foram os primeiros a surpreender-se com esta descoberta.
Dormindo ou acordados
Os santos, dizíamos antes, ajudam-nos também quando vemos as suas fraquezas e cansaços: “Ontem não pude rezar com atenção duas Ave-Marias seguidas”, confiava São Josemaria um dia no final de sua vida. “Se visses como sofri! Mas, como sempre, ainda que me custasse e não soubesse fazê-lo, continuei a rezar: Senhor, ajuda-me! – dizia-lhe –, tens de ser Tu quem leve para a frente as coisas grandes que me confiaste, porque bem vês que eu não sou capaz de realizar nem sequer as coisas mais pequenas: ponho-me, como sempre, nas tuas mãos”[10].
O jovem Filipe Neri também rezava: “Senhor, mantende hoje as mãos sobre Filipe, pois caso contrário Filipe atraiçoar-vos-á”[11]; e a bem-aventurada Guadalupe Ortiz de Landázuri reconhecia, em uma carta, a falta de consolos sensíveis enquanto rezava: “No fundo, Deus está, embora, sobretudo nos tempos de oração, não o sinta quase nunca nesta temporada...”[12]; e sem falar de Santa Teresinha de Lisieux, que anotava: “Verdadeiramente, estou longe de ser santa, só isso o prova bem; em vez de me regozijar com a minha aridez, deveria atribuí-la à minha falta de fervor e de fidelidade, deveria ficar aflita por dormir (há sete anos) durante minhas orações e minhas ações de graças, mas não, não me aflijo... penso que as criancinhas agradam tanto seus pais quando dormem como quando estão acordadas, penso que para fazer cirurgias os médicos adormecem seus pacientes”[13].
Por isso necessitamos do testemunho e da companhia dos santos: para convencer-nos cada dia de que é possível e vale a pena cultivar a nossa amizade com o Senhor, abandonando-nos em suas mãos: “Verdadeiramente todos somos capazes, todos somos chamados a abrir-nos a essa amizade com Deus, a não nos soltarmos das suas mãos, a não nos cansarmos de voltar uma vez e outra ao Senhor, falando com Ele como se fala com um amigo”[14].
[1] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 104.
[2] Palavras do Padre em Covadonga, 13-VII-2018.
[3] Bento XVI, Homilia, 18/12/2005.
[4] Bento XVI, Verbum Domini, n. 48.
[5] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 76.
[6] Francisco, Gaudete et exsultate, n. 3.
[7] Sl 91, 4.9.14. Cfr. Thomas More, Diálogo da fortaleza contra a tribulação: O terceiro livro da obra, escrito durante a prisão na Torre de Londres, é construído como uma espécie de comentário aos versículos do Salmo 91 (90).
[8] Catecismo da Igreja Católica, n. 2715.
[9] Cfr. A. Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, Quadrante, 2004, vol. I, Cap. VIII, p. 459.
[10] São Josemaria, 26/11/1970, citado em J. Echevarría, Recordações sobre Mons. Escrivá, p. 21.
[11] Citado por Bento XVI na audiência de 1/08/2012.
[12] M. Montero,En Vanguardia: Guadalupe Ortiz de Landázuri, 1916-1975, Rialp, Madri 2019, p. 94.
[13] Santa Teresa de Lisieux, História de uma alma. Manuscritos autobiográficos, Manuscrito A, f. 76, r°.
[14] J. Ratzinger, “Deixar Deus trabalhar“, em L’Osservatore Romano, 6-X-2002.