Os primeiros discípulos de Jesus viviam permanentemente fascinados e surpreendidos pelo seu Mestre: Ele ensinava com autoridade, os demônios se submetiam a Ele, afirmava que tinha o poder de perdoar os pecados, fazia milagres para que não tivessem dúvidas ... Devia haver algum mistério por trás de um homem tão surpreendente. Um daqueles dias, ao amanhecer, quando eles estão prestes a começar outra árdua jornada, os discípulos não encontram Jesus. Saem de casa preocupados e percorrem a pequena cidade de Cafarnaum. Jesus não aparece. Finalmente, numa encosta com vista para o lago, eles O descobrem ... rezando! (Cf. Mc 1, 35).
O evangelista nos leva a pensar que a princípio eles não o entenderam, mas imediatamente puderam comprovar que o episódio de Cafarnaum não era um evento isolado. A oração fazia parte da vida do Mestre tanto quanto a pregação, a atenção às necessidades ou ao descanso das pessoas. Todas essas atividades lhes pareciam compreensíveis e até admiráveis, mas aqueles momentos de silêncio os fascinavam, embora não os entendessem totalmente. Somente depois de um tempo com o Mestre eles ousaram pedir: “Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos” (Lc 11, 1).
Non multa…
Conhecemos a resposta de Jesus a esse pedido: a oração do Pai-nosso. E poderíamos pensar que os discípulos devem ter se decepcionado: só essas palavras? Era isso que o Mestre fazia durante longas horas? Ele sempre repetia o mesmo? Podemos até imaginar que a resposta de Jesus deve ter parecido insuficiente para eles. Gostariam que Jesus continuasse ensinando-lhes. Nesse sentido, o Evangelho de São Mateus – ao contrário do de São Lucas – pode nos dar mais luzes, já que coloca o ensino do Pai Nosso no contexto do Sermão da Montanha: ali Jesus tinha destacado as principais condições da oração, do verdadeiro relacionamento com Deus. Quais são essas condições?
A Retidão de intenção, a confiança e a simplicidade são três condições para poder dirigir-se a Deus
A primeira é a retidão de intenção: trata-se de dirigir-se a Deus por Deus, não por outras razões. Certamente, não para sermos vistos, nem para aparentar uma bondade que nos falta (cf. Mt 6, 5). Dirigir-nos a Deus porque Ele é um ser pessoal, que não deve ser instrumentalizado. Ele nos deu tudo o que possuímos, existimos por seu amor, tornou-nos seus filhos, cuida de nós com ternura e entregou a sua própria vida para nos salvar. Ele não merece nossa atenção somente, nem principalmente, porque pode conseguir coisas para nós. Ele a merece ... porque é Ele! São João Paulo II, quando ainda era bispo de Cracóvia, lembrava aos jovens: “Por que todas as pessoas rezam (cristãos, muçulmanos, budistas, pagãos)? Por que rezam? Por que rezam inclusive aqueles que acreditam não rezar? A resposta é muito simples. Eu rezo porque Deus existe. Eu sei que Deus existe. É por isso que eu rezo”[1].
A segunda é a confiança: dirigimos o nosso olhar para aquele que é o Pai, Abba. Deus não é um ser distante, nem um inimigo do homem, que deve deixá-Lo sempre contente, apaziguando assim constantemente a sua ira ou as suas exigências. Ele é o pai que se preocupa com os seus filhos, sabe do que eles precisam, dá-lhes o que lhes é mais conveniente (cf. Mt 6, 8), que “tem suas delícias em estar com eles” (cf. Prov 8, 31).
Assim, entendemos melhor a terceira das condições da oração, que é introduzida pela revelação do Pai-nosso: não usar demasiadas palavras (cf. Mt 6, 7). Dessa forma, podemos experimentar o que nos lembrava o Papa Francisco: “Como é doce permanecer diante dum crucifixo ou de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo simplesmente para estar à frente dos seus olhos!”[2] Muitas palavras podem atordoar-nos e desviar a nossa atenção. Então, em vez de olhar para Deus e descansar no Seu amor, existe o perigo de acabarmos prisioneiros das nossas necessidades urgentes, das nossas angústias ou dos nossos projetos. Ou seja, podemos acabar fechados, sem que a oração nos abra realmente para Deus e para o seu amor transformador.
Há um ditado latino, non multa, sed multum[3], que São Josemaria usava para se referir à maneira de estudar, pois lembra a importância de não nos dispersarmos em muitas coisas – non multa – mas de aprofundar no essencial – sed multum. Este é um conselho que também serve para entender o ensinamento de Jesus sobre a oração. O Pai-nosso, em sua brevidade, não é uma lição decepcionante, mas uma autêntica revelação de como é possível a verdadeira conexão com Deus.
… sed multum
“No entardecer examinar-te-ão no amor. Aprende a amar como Deus quer ser amado e não olhes a tua condição”[4]. Estas palavras de são João da Cruz nos lembram que amar significa entrar em sintonia com o outro, adivinhar os seus gostos e ficar feliz em satisfazê-los, aprender – às vezes com certo sofrimento – que a nossa boa intenção não é suficiente, mas que é necessário aprender a acertar.
Como conseguiremos acertar para amar a Deus? Como conheceremos os seus gostos? O livro de Jó manifesta essa dificuldade quando, no final, humildemente diz: “vou perguntar-te e tu responderás!” (Jó 42, 4). Trata-se da mesma petição que, séculos depois, os discípulos dirigiram a Jesus: “Ensina-nos a rezar”. Aprender a rezar não é, pois, simplesmente uma questão de técnica ou de método. Acima de tudo, é abertura a um Deus que nos manifestou o seu verdadeiro rosto e que abriu para nós a intimidade do seu coração. Somente conhecendo o que Deus abriga no seu coração poderemos orar verdadeiramente, poderemos amá-lo como Ele quer ser amado. E, à luz desse conhecimento, mudar a nossa oração, aprender a rezar da melhor maneira.
O Pai-nosso é, pois, a grande instrução de Jesus para que possamos sintonizar com o coração do Pai. Por isso se falou do caráter performativo desta oração: são palavras que realizam em nós aquilo que significam, são palavras que nos mudam. Não são apenas frases para serem repetidas: são palavras que educam o nosso coração, ensinam ele a bater com as batidas de amor que agradarão o nosso Pai do céu.
A oração não é uma simples questão de técnica ou de método, é acima de tudo abrir-se e deixar-se transformar
Dizer Pai e nosso me situa existencialmente na relação que configura a minha vida. Repetir “seja feita a vossa vontade” me ensina a amar os planos de Deus e recitar “perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, me ajuda a ter um coração mais misericordioso com os outros. “As palavras servem para nos estimular e fazer compreender melhor o que pedimos; não pensemos que são necessárias para informar o Senhor ou forçar a sua vontade”[5]. Recitando esta oração, aprendemos a dirigir-nos a Deus enfatizando o que é verdadeiramente importante.
Meditar nos diferentes pedidos do Pai-nosso, talvez com a ajuda de alguns dos grandes comentários antigos – o de São Cipriano ou o de São Tomás[6] – ou outros mais recentes, como o Catecismo da Igreja Católica, pode ser uma boa maneira de começar a renovar a nossa vida de oração e, assim, viver mais intensamente a história de amor que a nossa vida tem que ser.
Com palavras inspiradas
Os discípulos, testemunhas da oração de Jesus, também viram que Ele se dirigia a seu Pai em muitas ocasiões com palavras dos salmos. Foi assim que Ele aprendeu com a sua mãe e com são José. Os salmos alimentaram as suas orações até no momento supremo do seu sacrifício na cruz: “Eli, Eli, lammá sabactáni?” diz o primeiro verso do Salmo 22 em aramaico, como Jesus pronunciou no momento em que a nossa redenção foi consumada. São Mateus também registra que, na Última Ceia, “Depois de cantarem o salmo, saíram para o Monte das Oliveiras” (Mt 26, 30). Que hinos são esses com os quais o próprio Cristo rezava?
Durante a ceia pascal, os judeus bebiam quatro taças de vinho, que representavam as quatro promessas da bênção de Deus para o seu povo quando foram libertados do Egito: “Eu vos tirarei (...), vos libertarei (...) e vos resgatarei (...). Eu vos tomarei (...)” (Êx 6, 6-7). Bebiam em quatro momentos diferentes durante a refeição. Ao mesmo tempo, cantavam os hinos de Hallel, assim chamados porque Eles começam com a palavra “hallel” (“aleluia”)[7]. Certamente Jesus recitou todos os hinos cheio de agradecimento e louvando a Deus, seu Pai, como um verdadeiro israelita, consciente da natureza inspirada dessas orações, que condensam tanto a história de amor de Deus por seu povo quanto as atitudes próprias do coração do ser humano diante de um Deus cada vez mais admirável: o louvor, a adoração, a súplica, o pedido de perdão ...
Não é de estranhar, então, que os primeiros cristãos seguissem esse modo de rezar de Jesus, também apoiados no conselho de São Paulo: “enchei-vos do Espírito: entoai juntos salmos, hinos e cânticos espirituais; cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração; sempre e por todas as coisas, no nome de nosso Senhor Jesus Cristo, rendei graças a Deus que é Pai” (Ef 5, 19-20). Como as palavras do Pai-nosso, as palavras dos salmos educavam os seus corações, abrindo-os para um autêntico relacionamento com Deus. Eles descobriam, com espanto e agradecimento, como esses versículos sempre tinham prefigurado a vida de Cristo. E, acima de tudo, entendiam que o seu coração de verdadeiro homem era o que melhor tinha sabido sentir como próprios os louvores, petições e súplicas contidas neles. Desde então, “rezados por Cristo e n’Ele realizados, os salmos são um elemento essencial e permanente da oração da sua Igreja. Adaptam-se aos homens de qualquer condição e de todos os tempos”[8]. Também nós encontraremos neles “alimento sólido” (cf. Hb 5, 12) para a nossa oração.
Os salmos e os textos da liturgia formam um tesouro com o qual podemos educar nosso coração para ir ao encontro do Mestre
E não apenas os salmos. A estes logo se uniram diferentes composições – “hinos e cânticos espirituais” – para louvar ao Deus três vezes santo, que lhes havia sido revelado como uma comunhão de pessoas, Pai, Filho e Espírito. Assim começou a elaboração das orações que seriam usadas na liturgia ou que alimentariam a piedade fora dela. O objetivo era nos ajudar a dirigir-nos a Deus com palavras apropriadas que expressassem a nossa fé nele. Essas orações, fruto do amor da Igreja pelo seu Senhor, também constituem um tesouro em que podemos educar nosso coração. É por isso que são Josemaria escreveu: “A tua oração deve ser litúrgica. – Oxalá te afeiçoes a recitar os salmos e as orações do missal, em vez de orações privadas ou particulares”[9].
Sob o sopro do Espírito Santo
Todos nós aprendemos estudando textos escritos. Por isso podemos entender que foram as palavras do Pai-nosso, dos salmos ou de outras orações da Igreja que nos educaram em nosso relacionamento com Deus, embora até agora não tivéssemos pensado assim. Contudo, a palavra de Deus tem uma característica própria: é viva e, por isso, pode trazer novidades inesperadas. A carta aos Hebreus nos lembra que “a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração” (Hb 4, 12).
Por isso, as mesmas palavras, consideradas repetidamente, nem sempre soam da mesma maneira. Às vezes, novos horizontes se abrem diante dos nossos olhos, sem saber explicar muito bem o porquê: é a ação do Espírito Santo que fala dentro de nós. Santo Agostinho explicava com precisão: “O som de nossas palavras golpeia seus ouvidos, mas o mestre está dentro (...). Querem uma prova, irmãos? Acaso não ouviram todos este sermão? Quantos não sairão daqui sem ter aprendido nada! No que de mim depende, eu falei com todos, mas aqueles a quem a Unção não fala interiormente, aos que o Espírito Santo não ensina interiormente, retornam com a mesma ignorância”[10].
Percebemos assim a estreita relação entre o Espírito Santo, a palavra inspirada e a nossa vida de oração. Com razão a Igreja o invoca como o “Mestre”, que educa o nosso coração com as palavras que o próprio Jesus nos ensinou, fazendo-nos descobrir nelas horizontes sempre novos, conhecer melhor a Deus e amá-lo cada dia mais.
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“Maria, porém, guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2, 19). A oração de nossa Mãe se nutria da sua própria vida e da meditação assídua da Palavra de Deus. Ali encontrava luz para ver mais profundamente as coisas que a rodeavam. Em sua canção de louvor – o Magnificat – percebemos até que ponto a Sagrada Escritura era o alimento constante da sua oração. O Magnificat está entrelaçado com referências aos salmos e outras palavras da Escritura Sagrada como o “cântico de Ana” (1 Sam 2, 1-11) ou a visão de Isaías (Is 29, 19-20), entre outros[11]. Com esse alimento, o Espírito Santo preparou o seu sim incondicional à embaixada do anjo. Confiamo-nos a ela para que também deixemos a palavra divina educar o nosso coração e fazer-nos capazes de responder fiat! – faça-se! eu quero! – a tantos planos que Deus tem para a nossa vida.
Nicolás Álvarez de las Asturias
Tradução: Mônica Diez
[1] K. Wojtyla, Ejercicios espirituales para jóvenes, BAC, Madrid 1982, p. 89.
[2] Francisco, Evangelii Gaudium, n. 264.
[3] Cfr. Caminho, n. 333.
[4] Cfr. São João da Cruz, Ditos de amor e luz, 59.
[5] Santo Agostinho, Carta 130.
[6] Cfr. São Cipriano, A oração do senhor em Obras Completas, Paulus; São Tomás de Aquino, Comentário ao Pai Nosso, editora Lótus do Saber (Rio de Janeiro, 2002).
[7] O Hallel se compõe do pequeno Hallel, integrado pelos salmos 113 (112) a 118 (117), e do grande Hallel, que é o salmo 136 (135), no que se repete em cada versículo, “porque eterna é a sua misericórdia”. Este último é o salmo que conclui a cena pascal.
[8] Catecismo da Igreja Católica, nº 2597
[9] Caminho, nº 96
[10] Santo Agostinho, terceira homilia sobre a I Carta de São João, 13.
[11] Além dos já citados, também há referências a Habacuc 3,18; Jó 12, 19-20; 5, 11-12 e os Salmos 113,7; 136,17-23; 34,2-3; 111,9; 103,1; 89,11; 107,9; 34,10; 98,3; 22,9.