As boas maneiras

A cortesia, a amabilidade, a urbanidade, e seus afins, são irmãs menores de outras grandes virtudes. E a família é o lugar onde melhor se aprendem, seja qual for a idade.

Foto: Miguel Ángel 13

Ao refletir sobre a evolução dos costumes ao longo do tempo, ou como mudam de uma região para outra, seria fácil deduzir que se trata de algo puramente convencional, que pode ser modificado ou até desobedecido à vontade.

No entanto, parece que o fundamental, em termos de cortesia, permanece: em todos os lugares escutamos frases como: “pelo seu comportamento, nota-se que é de boa família” ou “que criança mais educada!”; e se ouvirmos falar assim de nós, provavelmente ficaremos lisonjeados.

As virtudes humanas que, como se sabe, são o fundamento das sobrenaturais, estão na base dos usos e costumes dos povos, do que normalmente se entende como urbanidade ou educação.

Talvez não se possa dizer que a amabilidade, qualidade da pessoa agradável no relacionamento com os outros e nas conversas, seja a virtude mais importante. Porém esta virtude gera um sentimento de empatia, de cordialidade, de compreensão, difícil de explicar ou de suprir de outros modos.

A urbanidade mostra-nos algo essencial para a convivência em sociedade: ensina como ser humanos, civilizados. A cortesia, a amabilidade, a urbanidade, e seus afins, são irmãs menores de outras grandes virtudes. Sua particularidade reside em que sem elas a convivência se tornaria desagradável. Mais: na prática, uma pessoa grosseira e descortês dificilmente poderá viver a caridade.

Olhando para Jesus

Em algum momento da nossa vida, depois de um comportamento incorreto, podemos ter considerado: “O que terão pensado de mim?” “Por que fiz isso?” “ Dei uma péssima impressão!”.

O Evangelho deixou-nos uma página que descreve duas atitudes opostas, a de um “homem de bem” da época e a de uma pecadora [1]. Simão, o fariseu, organizou um banquete de acordo com a categoria do convidado, considerado um profeta. Sem dúvida ponderou como distribuir os comensais, o serviço de atendimento, os pratos que ofereceria e os temas da conversa que gostaria de propor ao Mestre. Tinha que ficar com uma boa figura diante da sociedade que estaria lá e do hóspede principal. Porém omitiu alguns detalhes e o Senhor sentiu falta deles.

Está vendo esta mulher? Quando entrei em sua casa, você não me ofereceu água para lavar os pés; ela, porém, banhou meus pés com lágrimas, e os enxugou com os cabelos. Você não me deu o beijo de saudação; ela, porém, desde que entrei, não parou de beijar meus pés. Você não derramou óleo na minha cabeça; ela, porém, ungiu meus pés com perfume[2].

À primeira vista, poderiam parecer ninharias insignificantes. No entanto, Jesus, perfeito Deus e homem perfeito, nota a sua falta. São Josemaria, que contemplou com grande profundidade a realidade da encarnação do Filho de Deus, que se manifesta também em gestos imperceptíveis para olhos indiferentes, comenta a propósito dessa passagem: Jesus Cristo traz a salvação e não a destruição da natureza. E dEle aprendemos que não é cristão comportar-se mal com o homem, pois é criatura de Deus e está feito à sua imagem e semelhança [3].

Encontramos aqui ensinamentos para quem deseja santificar e santificar-se nos caminhos do mundo. Especialmente porque a própria natureza humana, com as suas disposições e faculdades, foi elevada pelo Senhor.

Não há nada, por pequeno ou insignificante que pareça, que não se possa levar a Deus: quer vocês comam, quer bebam, quer façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus[4]. Todas as atividades honradas já foram redimidas, de modo que todas, realizadas em união com Ele, podem ser corredentoras.

As virtudes são pessoais, da pessoa; porém é fácil constatar que a pessoa não é una “peça isolada”; vivemos em relação com o mundo, coexistimos com outros: somos independentes e ao mesmo tempo dependemos dos outros: ou nos ajudamos ou nos prejudicamos. Todos somos elos de uma mesma cadeia [5].

As virtudes também possuem uma dimensão social. Não são para o brilho pessoal, para promover o egoísmo, mas, em resumo, para os outros. Por que nos sentimos tão à vontade com algumas pessoas, e talvez menos com outras? Provavelmente, porque aquela pessoa escuta-nos, percebemos que nos compreende, não parece ter pressa, dá serenidade, não se impõe, sugere, respeita, é discreta, pergunta o justo.

Quem sabe conviver, aceitar, compartilhar, oferecer, acolher, dar paz, está a caminho de ser verdadeiramente virtuoso. Jesus nos ensina que, quando faltam algumas condições, a boa convivência fica deteriorada. O civismo talvez seja a melhor forma de apresentação. E as que poderíamos chamar virtudes da convivência constituem a condição e a base para montar a joia da caridade.

As virtudes da mesa

É muito frequente, e cada vez se estende a mais camadas da sociedade, que tanto o pai como a mãe trabalhem fora do lar. São necessários os dois salários para manter a economia doméstica. Frequentemente, horários e distâncias impõem dificuldades consideráveis para reunir a família toda, especialmente nas grandes cidades. Ainda bem – pensam muitas mães - que os filhos podem almoçar na escola.

Não é que antes, quando era mais fácil juntar a família para as refeições, essas reuniões fossem “a” glória: pois às vezes as crianças brigavam ou reclamavam da comida que era servida, e os pais os repreendiam... Mais ou menos como agora. No fundo as situações mudaram pouco. Porém trata-se, hoje como ontem, de aproveitar as oportunidades que a vida nos oferece, e procurar converter as contrariedades em ocasiões de formação.

Propomo-nos transformar os jantares de cada dia ou as refeições dos fins de semana em reuniões familiares? Algumas pesquisas mostram que meninos e meninas indicam “fazer as refeições em família” como a atividade mais importante para eles.

Estar com as pessoas que nos querem, compartilhar, ser compreendidos, são modos de socializar, de aprender a dar-se aos outros. Melhora as relações entre os membros da família, proporciona aos pais momentos informais para conhecer melhor aos seus filhos e anteciparem-se às suas possíveis dificuldades.

Quantos detalhes de educação sobre os que intervir! “Pode passar o sal, por favor?”. “Lavou as mãos antes de sentar-se a mesa?”. “Sente-se corretamente, e não cruze as pernas ao comer”. “Pode ajudar o seu irmão a pôr (ou a tirar) a mesa”. “Segure bem o garfo”. “Corte a carne em pedaços pequenos, e não fale com a boca cheia”. “Coma não só com o estomago, mas com a cabeça, e coma tudo o que está no prato, goste ou não goste”. “A sopa na boca, não a boca no prato”. “Limpe os lábios antes de beber, e não faça ruído”. “Não apoie o cotovelo na mesa”.

Alguns avisos mudam de uns lugares para outros, vários outros são mais universais. Talvez pareçam negativos – mesmo que não faça falta dizê-los todos, nem repetidamente – porém, se os analisarmos de modo positivo, mostram a consideração que devemos ter pelos outros. Coisas pequenas que revelam correção, cortesia, higiene; mostras de solicitude sobre aspectos que talvez por inadvertência pudessem incomodar alguém.

As refeições são ocasiões de aprender coisas elementares como ter em conta os outros comensais para saber quanto é razoável que me sirva; ou a não comer fora de hora, e assim apreciar melhor o que me servem. Por outro lado, alimentar-se juntos não é só um fato social. Também é cultura no sentido mais nobre e rigoroso da palavra.

A cultura, como muitos autores evidenciaram, está relacionada com o culto. Dar o culto devido a Deus é parte da natureza humana, que também faz-se cultura através de ritos e instituições. Um modo maravilhoso de dar ao Senhor toda sua glória é preceder o “rito” da refeição por uma prece; invocamos a benção de Deus sobre a família e os dons que estamos por receber; agradecemos ao Senhor o pão que nos é oferecido todos os dias, e rezamos pelas pessoas que o prepararam, e pelas que vivem na indigência.

Abençoar os alimentos é um costume que ajuda a interiorizar o fato de que Deu está continuamente ao nosso lado, a agradecer o que recebemos, e a respeitar aos outros na convivência cotidiana.

Manter o bom tom

Em volta da mesa e em conversas familiares preparamos os filhos para a vida em sociedade Cada vez é mais claro que o lema do “vale tudo” não se ajusta à realidade. Uma pessoa que se irrita por qualquer coisa ou que discute tudo se transforma num companheiro de trabalho complicado.

Quem que não se apresenta bem quando tem que atender ao público, demonstra pouca estima por si mesmo e pelos outros, e não comunica uma grande confiança, ao menos à primeira vista. Expressar-se com correção, saber intervir em uma conversa ou esperar a vez, aprender a apresentar-se com decoro na vestimenta e nos adereços, são aspectos da vida em sociedade.

O que impede a vulgaridade, mais do que a moda, é o estilo. Demonstra-se ter estilo, classe, pela sobriedade e pelo equilíbrio, pela capacidade de conciliar extremos e contrastes; e não tanto por seguir a moda.

O estilo forma parte da nossa personalidade. É importante, por exemplo, aprender a vestir-se conforme a ocasião. A elegância não consiste tanto em ter um vestuário caro ou de marca, quanto em estar com a roupa limpa e passada.

E isto os filhos cultivam no lar, vendo como seus pais se portam em todo momento com elegância e discrição. Não é o mesmo participar de um jantar de gala que estar com os amigos, ou na intimidade da família; não é o mesmo andar de qualquer modo pelos corredores da casa, que usar um roupão ao levantar-se da cama.

As reuniões familiares – e entre estas, as refeições – também permitem aos filhos contar suas pequenas aventuras no colégio; e, aos pais, fazer um comentário oportuno, ou dar critério sobre um determinado comportamento. São ocasiões de compartilhar interesses em comum, para entusiasmar-se com os passeios na montanha ou com a história, ou introduzir os filhos na fascinante arte de contar estórias.

Podemos programar excursões e visitas artísticas; e contar, pouco a pouco, aspectos das tradições familiares e religiosas, patrióticas ou culturais. Os filhos aprendem a falar sem levantar a voz nem gritar e, o que é mais importante, exercitam-se em escutar, e acostumam-se a não interromper o fio das conversas, a não impor seus pontos de vista nem exigências.

Em família, com pequenos detalhes nos ajudamos uns aos outros. Ninguém se apresenta mal vestido, nem come sem um mínimo de compostura. As mães, sobretudo, pensam no prato preferido de quem faz aniversário. Cada um passa os pratos servidos ao seguinte, todos prestam atenção às necessidades dos outros. Alguém oferece pão ou água a outro antes de se servir. Dá-se graças, pois o agradecimento fomenta a harmonia, e a harmonia, a alegria e o sorriso.

Depois de uma boa refeição em família somos mais felizes: não somente com a alegria fisiológica de animal são[6], mas porque compartilhamos nossa intimidade com os que mais amamos; enriquecemo-nos moralmente, pessoalmente.

Os comportamentos dos quais falamos ajudam a formar a nossa interioridade. A orientar o nosso ser perante Deus e os outros. A pessoa madura está ancorada na realidade, por isso está satisfeita com o que tem e o saboreia completamente. Aprendeu a respeitar-se a si mesma, a ser senhora da sua alma e do seu corpo. Conduz-se com naturalidade, prudência e medida em toda situação. Persevera confiadamente – na amizade, no trabalho, nos objetivos que se propôs – porque mais do que receber é capaz de dar. Aprendeu a ser generosa, e sai a cada manhã como o sol que, exultavit ut gigas ad currendam viam, como herói alegre, percorrendo o seu caminho [7], com um humor benéfico, que dignifica a quem toca.

J.M. Martín (2012)

[1] Cf. Lc 7, 36-ss.

[2] Lc 7, 44-46.

[3] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 73.

[4] 1 Cor 10, 31.

[5] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 76.

[6] Cf. São Josemaria, Caminho, n. 659.

[7] Sl 19, 6.