NUMA CERTA OCASIÃO, Pedro perguntou a Jesus quantas vezes deveria perdoar as ofensas do seu irmão. O Senhor respondeu-lhe então com a parábola de um servo que tinha uma dívida de dez mil talentos para com o seu rei. Era uma quantia astronómica, impossível de restituir: equivalia ao que um trabalhador ganharia após sessenta milhões de dias de trabalho, ou seja, mais de cento e sessenta mil anos. «Não tendo com que pagar, o senhor mandou que fosse vendido, com a mulher, os filhos e tudo quanto possuía, para assim pagar a dívida. Então o servo prostrou-se a seus pés, dizendo: ‘Senhor, concede-me um prazo e tudo te pagarei’. Cheio de compaixão, o senhor daquele servo deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida» (Mt 18, 27).
O início desta parábola reflete, de certo modo, a relação de Deus com os homens. Como dizia São Josemaria: «Também nós não temos com que pagar a dívida imensa que contraímos por tantas bondades divinas e que aumentámos ao ritmo dos nossos próprios pecados. Embora lutemos denodadamente, não conseguiremos devolver com equidade o muito que o Senhor nos perdoou»[1]. O rei perdoou aquela dívida para que o seu servo deixasse para trás a lógica comercial e abraçasse a lógica da misericórdia; assim, poderia trabalhar não como quem tem de pagar uma dívida, mas para manifestar o amor que impulsiona a sua vida. Porque, em última análise, é a isso que Deus nos convida: a que o amor e a misericórdia marquem a nossa relação com Ele e com os outros, e não o medo ou uma justiça fria.
A misericórdia de Deus não tem limites. «Ele perdoa-nos todas as culpas quando mostramos só um pequeno sinal de arrependimento»[2]. Não espera qualquer contrapartida pelo seu perdão. Quer, sim, que a sua misericórdia nos leve a viver centrados naquilo que é importante para Ele e a viver como enamorados, não como servos. «Não lhe interessam riquezas, nem frutos, nem animais da terra, do mar ou do ar, porque tudo isso lhe pertence. Quer algo de íntimo, que havemos de lhe entregar com liberdade: dá-me, meu filho, o teu coração. Vedes? Se compartilha, não fica satisfeito: quer tudo para si. Repito: não pretende o que é nosso; quer-nos a nós mesmos. Daí – e só daí – advêm todas as outras ofertas que podemos fazer ao Senhor»[3].
AO SAIR da presença do rei, aquele servo encontrou-se com um homem que lhe devia cem denários. Era uma quantia considerável – o equivalente a três meses de salário – mas insignificante comparada com a dívida que lhe havia sido perdoada. «Então o companheiro caiu a seus pés e suplicou-lhe, dizendo: ‘Concede-me um prazo e pagar-te-ei’. Ele, porém, não consentiu e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto devia. Testemunhas desta cena, os seus companheiros ficaram muito tristes e foram contar ao senhor tudo o que havia sucedido. Então, o senhor mandou-o chamar e disse: ‘Servo mau, perdoei-te, porque me pediste. Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’. E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos, até que pagasse tudo o que lhe devia» (Mt 18, 28-34).
À primeira vista, a reação do rei pode parecer um castigo. No entanto, o que fez foi atuar segundo a mesma lógica do servo. Como ele não quis abandonar a lógica comercial para abraçar a da misericórdia, o rei aplicou-lhe os mesmos critérios que o próprio servo utilizava. Pode até dizer-se que aquele homem rejeitou a salvação que o rei lhe oferecera: preferiu que as suas relações fossem marcadas pelas dívidas e obrigações, e não pela gratuidade. «Não podemos pretender para nós o perdão de Deus, se, por nossa vez, não concedemos o perdão ao nosso próximo. É uma condição: pensa no fim, no perdão de Deus, e deixa de odiar; afasta o rancor, aquela mosca irritante que volta sempre. Se não nos esforçarmos por perdoar e amar, também não seremos perdoados nem amados»[4].
No nosso dia a dia, provavelmente encontramos pessoas que nos devem algo: alguém que fez um comentário ou uma piada que nos ofendeu, um amigo que nos deixou pendurados à última hora, um colega que nos interrompe constantemente no trabalho… Para além destas situações comuns, talvez na nossa vida tenham passado pessoas que contraiam uma dívida maior por um sofrimento quase irreparável que nos causaram. Num caso e noutro, o Evangelho convida-nos a pensar que, «por maior que seja o prejuízo ou a ofensa que te façam, mais te tem perdoado Deus a ti»[5]. Mais ainda, cada vez que perdoamos alguém, identificamo-nos com o Senhor. Por isso, São Josemaria dizia que o mais divino na nossa vida cristã «é perdoar aqueles que nos fizeram mal»[6], pois Deus fez-se homem precisamente para nos perdoar.
HOJE EM DIA, pode ser difícil deixar para trás a lógica comercial do servo injusto da parábola. Talvez prefiramos estar “quites” com todos: não dever nada a ninguém, nem que ninguém nos deva nada. Por isso, muitas vezes desconfiamos quando alguém faz algo por nós e perguntamo-nos o que espera em troca. Não estamos habituados aos presentes. Preferimos, muitas vezes, saber que conquistámos algo pelas nossas próprias forças, porque isso dá-nos autonomia, permite-nos experimentar um certo poder; não queremos depender dos outros.
No entanto, quem aprendeu a deixar-se amar está convencido de que «não pode limitar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom»[7]. O maior que podemos vir a ser é sempre fruto de um dom anterior: «Ele amou-nos primeiro» (1Jo 4, 19). Quem acolhe o amor gratuito de Deus liberta-se de uma vida cristã reduzida a coisas que tem de fazer e coisas que lhe estão proibidas. A sua vida passa então a ser guiada pelo desejo de agradar ao Senhor em tudo, como faz um filho para com o seu pai ou um esposo para com a sua esposa, e vice-versa.
Contemplar a imensidão do amor de Deus, que nos ama loucamente, pode ajudar-nos a compreender o valor que têm para Ele as coisas pequenas, precisamente porque são nossas. Sabemos que nunca saldaremos a dívida, mas entusiasma-nos sonhar em contribuir para sustentar o lar da família. É o seu amor que transforma as nossas ninharias em joias preciosas. Tudo serve para alegrar Deus. Estes pequenos gestos libertam a alma, pois ajudam-na a deixar-se amar sem nada esperar em troca. Vividos assim, não aprisionam. Pelo contrário, não é possível mantê-los com perseverança se nascem de um desejo de controlar ou de saldar uma dívida. São, na realidade, detalhes simples e espontâneos de quem se sabe olhado com ternura por um Deus todo-poderoso e eterno, mas, ao mesmo tempo, um Deus muito familiar. Podemos pedir à Virgem Maria que nos ajude «a estar cada vez mais cientes da gratuitidade e da grandiosidade do perdão recebido de Deus, para nos tornarmos misericordiosos como Ele, Pai bom, lento para a ira e grande no amor»[8].
[1] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 168.
[2] Francisco, Angelus, 17/09/2017.
[3] São Josemaria, Cristo que passa, n. 35.
[4] Francisco, Angelus, 13/09/2020.
[5] São Josemaria, Caminho, n. 452.
[6] São Josemaria, citado em Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 16/02/2023, n. 7.
[7] Bento XVI, Deus caritas est, n. 7.
[8] Francisco, Angelus, 17/09/2017.