Meditações: XVII domingo do Tempo Comum (Ciclo C)

Reflexão para meditar no XVII domingo do Tempo Comum (Ciclo C). Os temas propostos são: tocar o Coração de Deus; rezar como filhos; a perseverança na oração.


NA PRIMEIRA leitura da Missa, lemos a passagem do Génesis em que Abraão intercede pelos justos de Sodoma e Gomorra. O diálogo é uma das páginas mais comovedoras do Antigo Testamento. O Senhor está para destruir a cidade, atolada no pecado. No entanto, o patriarca, num tom reverente e confiado, insiste na petição de misericórdia com audácia crescente, como se estivesse a introduzir-se no coração de Deus para sondar a Sua compaixão e, ao mesmo tempo, para a desencadear.

Já no Antigo Testamento, a essência da oração é esta: o homem situa-se entre o bem e o mal, o pecado e a culpa, a justiça e a misericórdia de Deus e move o Senhor a perdoar ou a dispensar os seus dons. Esta intercessão tem um ponto de mistério: por um lado, é verdade que as nossas súplicas não podem mudar Deus, infinitamente perfeito; por outro lado, contudo, ao estabelecer uma aliança com os homens, o Senhor quis, de alguma forma, fazer-se vulnerável: não é alheio ou indiferente às nossas súplicas, mas, pelo amor que nos tem, deu-nos o poder de tocar o Seu coração para nos conceder o que pedimos ou para tornar mais leve o castigo que merecíamos. É o que vemos muitas vezes quando os patriarcas intercedem pelo povo eleito.

No Evangelho, Jesus assume este modo confiado de fazer oração, mas aperfeiçoando-o com uma decisiva novidade. Quando os apóstolos Lhe pedem que os ensine a orar, o Senhor faz-lhe ver que a primeira condição para rezar é chamar a Deus “Pai”, sentir-se filhos seus. Era uma convicção arraigada nos primeiros cristãos saberem que podiam dirigir-se a Deus como filhos amados. «A Vida nova, trazida por Cristo, apresentava-se diante dos olhos [daqueles primeiros crentes] como uma vida de filhos amados de Deus. Esta não era uma verdade teórica ou abstrata, mas algo real que os enchia de uma alegria transbordante. Boa demonstração disso é o grito que se escapa ao apóstolo São João na sua primeira carta: “Olhai que amor nos teve o Pai para nos chamarmos filhos de Deus e somo-lo de facto” (1Jo 3, 1)»[1].


SÃO LUCAS refere que os apóstolos perguntaram a Jesus como rezar, depois de O verem fazer a Sua oração «num certo lugar» (Lc 11, 1), que tradições muito antigas situam no cimo do Monte das Oliveiras. Contemplando esta cena do Evangelho, o fundador do Opus Dei considerava que, também no nosso caso, quando, nas diferentes etapas da nossa existência, desejamos ter uma autêntica vida de oração, é o próprio Senhor que nos ensinará a orar com fruto: «Recorre a Jesus como faziam os seus discípulos: ensina-nos a fazer oração! (…). Não inventei nada quando – ao longo do meu ministério sacerdotal – repeti e repito incansavelmente esse conselho. Foi recolhido da Escritura Santa, daí o aprendi: Senhor, não sei dirigir-me a Ti! Senhor, ensina-nos a orar! E vem toda essa assistência amorosa – Luz, fogo, vento impetuoso – do Espírito Santo que ateia a chama e a torna capaz de provocar incêndios de amor»[2].

O Pai Nosso é a oração principal do cristão. Ao ensiná-la aos apóstolos, «Jesus não nos deixa uma fórmula para a repetirmos de modo mecânico. Como em toda a oração vocal, o Espírito Santo, através da palavra de Deus, ensina os filhos de Deus a falarem com o seu Pai. Jesus não só nos ensina as palavras da oração filial, mas dá-nos também o espírito pelo qual estas se fazem em nós “espírito e vida” (Jo 6, 63). Mais ainda: a prova e a possibilidade da nossa oração filial é que o Pai “enviou aos nossos corações o Espírito do Seu Filho que clama: ‘Abbá! Pai’” (Gl 4, 6)»[3].

Um modo de considerar com frequência a nossa filiação divina, que São Josemaria viveu e aconselhava, é levar esta oração à meditação pessoal de maneira que nos ajude a ser contemplativos: «Começas: Pai; e paras um bocadinho a considerar o que quer dizer esta palavra. Pensas no que é para ti o teu pai e que, além desse pai da terra, tens outro no Céu: Deus. E enches-te de santo orgulho. Pai nosso. Não é só teu, é nosso, de todos. Logo, tu és irmão das outras criaturas que há na terra, por isso deves amar as pessoas, deves ajudá-las a ser boas filhas de Deus, porque todos juntos constituímos a família do nosso Pai do Céu. Que estais nos Céus… E a seguir recordas o que me ouviste dizer: que está também no Sacrário e na nossa alma em graça»[4].


DEPOIS DE NOS TRANSMITIR o Pai Nosso, São Lucas refere uma parábola que o Senhor contou para nos exortar a rezar de modo confiado e perseverante. A história é bastante pitoresca. Tem como cenário uma casa da Palestina daquela época, composta por um só compartimento no qual à noite se estendiam esteiras para aí dormir toda a família. Depois de se deitarem, chega um amigo que bate à porta para pedir três pães, pelo que podemos supor que os desperta a todos. O pai de família não pode dissimular o seu aborrecimento e faz-lhe ver como é inoportuno o seu pedido. Mas Jesus conclui: «Digo-vos que se não se levanta a dar-lhos por ser seu amigo, pelo menos, pela sua persistência, se levantará para lhe dar quanto necessita. Assim, pois, vos digo: pedi e dar-se-vos-á, procurai e encontrareis, chamai e abrir-se-vos-á» (Lc 11, 8, 9)

São Gregório considerava que Deus, ainda que conheça perfeitamente as nossas necessidades em cada momento, «quer que lhe peçam, quer ser coagido, quer ser vencido por uma certa importunidade»[5]. E Santo Agostinho ensinava que o Senhor está mais interessado em nos conceder a Sua misericórdia do que nós em recebê-la[6]. Assim, aconselhava: «Chama com a tua oração o próprio Senhor, mesmo com quem descansa a sua família, pede-lhe, insiste. Ele levantar-se-á e te dará, mas não vencido pela importunidade como o amigo da parábola. Ele quer dar-te […]. E dá-te o que deseja dar-te para que, ao recebê-lo, o desejes mais ardentemente, não aconteça que ao dar-to te pareça coisa de pouco valor»[7].

A oração é sempre eficaz. Ainda que o Senhor não nos conceda rapidamente aquilo que pedimos, rezar ajuda-nos a manter e aumentar a nossa amizade com Ele, a pôr a nossa confiança em Deus porque estamos certos de que nos ama e nos escuta. «A oração sempre transforma a realidade, sempre. Se as coisas não mudam à nossa volta, pelo menos nós mudamos, mudamos o nosso coração (…) Rezar é desde já a vitória sobre a solidão e o desespero»[8]. É certo que, às vezes, temos de continuar a viver na incerteza, sem ter ainda recebido o que pedimos, mas, assim, o Senhor acompanha-nos mais de perto nas nossas necessidades e, sobretudo, sabemos que, ao final de uma vida de oração, nos espera um Pai bom com os braços abertos. «Que o Senhor Jesus nos dê a graça de entender que a oração comove o coração de Deus, Pai compassivo, que nos ama e nos dá o seu Espírito Santo e que a Virgem Santa nos ajude a ser homens e mulheres de oração e a confiar na bondade do Senhor que sempre nos escuta»[9].


[1] Lucas Buch, Novos mediterrâneos.

[2] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 244

[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 2766.

[4] São Josemaria, Notas tiradas numa reunião familiar, 27/10/1972.

[5] São Gregorio Magno, Comentário aos Salmos, 8, 2.

[6] cf. Santo Agostinho, Sermão 105, 1.

[7] Santo Agostinho, Sermão 105, 3.

[8] Francisco, Audiência, 09/01/2019.

[9] Ibid.