«Somos chamados a amar este mundo, não outro»

Homilia de Mons. Fernando Ocáriz, pronunciada na missa da festividade de S. Josemaria, celebrada na basílica de Santo Eugénio (Roma).

No Evangelho que acabamos de escutar, S. Lucas narra que “a multidão se aglomerava à volta de Jesus para ouvir a palavra de Deus” (Lc 5,1). Naquele dia, muitas pessoas rodeavam Cristo; tantas, que era difícil que todos o escutassem claramente. Encontravam-se nas margens de um lago e não havia nenhuma colina próxima em que Jesus se pudesse situar melhor, tal como tinha feito noutras alturas. Decidiu então subir a uma barca e afastar-se um pouco da terra firme. O Senhor conhecia perfeitamente os corações daquela gente; embora uns ali estivessem por curiosidade, outros por simples coincidência, outros por verdadeira sede de Deus, Jesus sabia que todos necessitavam da sua palavra para descobrir o sentido das suas vidas.

Contemplando Cristo que deseja deixar-se ver pela multidão que o procura, podemos perguntar a nós mesmos: Trata-se simplesmente de uma cena do passado? Ver Jesus rodeado de tanta gente não é a imagem de um mundo que já não existe nos nossos dias?

S. Josemaria, cuja festividade celebramos, ao meditar este mesmo trecho, concluía que o que tinha sucedido há dois mil anos continua a suceder sempre: todos “estão desejando ouvir a mensagem de Deus, embora o dissimulem externamente ”; todos, embora muitas vezes não tenham palavras nem forças para exprimir esse desejo, “sentem fome, desejam saciar a sua inquietação com os ensinamentos do Senhor” (Amigos de Deus, n. 260 e ss). De modo semelhante se exprimiram, nestes últimos anos, os Romanos Pontífices. O Papa Francisco, por exemplo, convida-nos a dar a conhecer Jesus aos que “buscam secretamente a Deus, movidos pela nostalgia do seu rosto” (Evangelii gaudium, n. 14). Bento XVI, depois de comparar o nosso tempo a um deserto que anseia refrescar-se com a água viva, reconhece que agora “há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implicitamente” (Homilia, 11-X-2012).

Há tantos testemunhos de pessoas que, perante a descoberta da alegria que o caminho cristão traz às suas vidas, exclamam: Mas eu não sabia! Ninguém mo tinha dito! Pensava que era outra coisa! Por isso, a cena que nos narra S. Lucas não pertence a um mundo do passado. As pessoas querem aglomerar-se à volta de Jesus , porque procuram sem cessar coisas boas e belas que lhes encham o coração; todos temos, no mais profundo da nossa alma, anseios que só Ele é capaz de saciar. Peçamos a Deus que nos torne capazes de reconhecer essa nostalgia do seu rosto, esses sinais da sede de Cristo nas outras pessoas. Peçamos a Deus para saber transmitir a sua verdadeira imagem aos que nos rodeiam; a imagem desse Cristo que procura afastar-se um pouco da margem para que todos, mesmo os mais afastados, possam vê-Lo e escutá-Lo.

No final deste passo do Evangelho, Jesus convida Pedro, Tiago e João a segui-Lo como discípulos. É impressionante pensar que, passados apenas poucos anos, o seu empenho apostólico tenha levado a Boa Nova a muitos lugares importantes da época; também até Roma. Os primeiros cristãos, apesar de enfrentarem perseguições e incompreensões, sabiam que o mundo lhes pertencia. S. Paulo, na segunda leitura, enuncia com toda a clareza a convicção que os enchia de confiança: “Se somos filhos, somos também herdeiros” (Rom 8,17).

Efetivamente, este mundo é parte da nossa herança. Na primeira leitura diz-se que Deus colocou o homem no mundo “para o cultivar e guardar” (Gn 2,15). E no salmo que cantámos –e que S. Josemaria rezava todas as semanas– é-nos dito que, através de Cristo, temos como herança todas as nações e que possuímos como própria toda a terra (Cf. Sal 2,8). A Sagrada Escritura di-lo claramente: este mundo é nosso, é a nossa casa, a nossa tarefa e a nossa pátria.

Por isso, ao saber-nos filhos de Deus, não podemos sentir-nos estranhos na nossa própria casa; não podemos caminhar por esta vida como visitantes em lugar alheio nem podemos andar pelas nossas ruas com o medo de quem pisa território desconhecido. O mundo é nosso, porque é do nosso Pai Deus. Como ensina S. Tomás de Aquino: tudo está submetido ao seu governo omnipotente, nada escapa à sua misericórdia, embora muitas vezes nós não cheguemos a vê-lo (Summa, I, q. 103, a.5, resp.). Estamos chamados a amar este mundo, não outro em que pensemos que talvez nos sentíssemos melhor; só podemos amar as pessoas concretas que nos rodeiam, os desafios específicos que temos pela frente. Não se pode empreender uma tarefa apostólica com a resignação de quem preferia outro momento.

Quando S. Josemaria convidava a amar o mundo apaixonadamente, muitas vezes punha-nos de sobreaviso perante essa “mística do oxalá” que põe condições ao terreno que quer evangelizar, pensando: “Oxalá as coisas fossem diferentes”. Peçamos ao Senhor a capacidade de animar-nos com esta missão que nos confiou, como um filho que se entusiasma por trabalhar nas tarefas da sua própria casa.

Neste dia, em que dirigimos o nosso olhar especialmente para S. Josemaria, podemos tomar como exemplo a sua fé para se lançar a empreendimentos que pareciam impossíveis, numa altura que, em não poucos aspetos, era mais complicada e difícil do que a nossa. Deixemo-nos contagiar por essa confiança do nosso Padre, que nos leva a amar este mundo que recebemos por herança e a procurar cumular essa nostalgia de Cristo em tantas pessoas com quem nos encontramos. Para isto, apoiamo-nos muito especialmente na mediação da Nossa Mãe Santa Maria, que vela com amor e paciência materna pela felicidade de todos os seus filhos. Assim seja.