Vivi perto de uma santa, e não sabia…

Fernanda Mallorga nasceu na República Dominicana e viveu algum tempo em Espanha. Revive aqui os seus encontros com a Beata Guadalupe Ortiz de Landázuri nos anos 60, especialmente quando dava formação especializada no Centro de Investigación de Ciencias Domésticas (Ceicid).

Em 18 de maio de 2019, subiu aos altares Guadalupe Ortiz de Landázuri. Surpreende sempre conhecer a vida dos santos, mas agora surpreende-me ainda mais saber que estão tão perto de nós, como naquele dia de 1960 em que a conheci em Pamplona na altura da visita de S. Josemaria Escrivá à Universidade de Navarra. Estava entre santos.

Mas não foi só dessa vez. Deus deu-me a possibilidade de aprender junto de uma mulher de uma só peça. Em 1962, coincidimos durante várias semanas num curso em Pamplona no Colegio Mayor Goimendi. Assisti a várias aulas que nos deu e impressionou-me o modo como nos transmitia o carinho e a segurança na sua vocação para o Opus Dei.

Estive fora de Espanha vários anos e regressei em 1968. No início do Centro de Investigación de Ciencias Domésticas (CEICID), voltei a coincidir com Guadalupe. Tratava-se de um projeto inteiramente novo, orientado para a formação de pessoas que se dedicam aos trabalhos da casa e lá estava Guadalupe, a tornar-se santa, embora eu não soubesse, trabalhando com entusiasmo e segurança. Era doutorada em Química e aplicava os seus conhecimentos no tratamento de têxteis, produtos químicos, etc. A sua vocação de investigadora nata ajudava-a a aprofundar e melhorar nas técnicas utilizadas nessa época na área dos trabalhos domésticos. Um exemplo? Ela sabia que a roupa se branqueava e desinfetava com os raios ultravioleta do sol, e pensava que talvez as máquinas de lavar pudessem ser apetrechadas com esses raios no interior para otimizar o tratamento dos tecidos.

Lembro-me do entusiasmo dela ao preparar um curso sobre Teoria da Lavagem, contou-nos que até sonhava com os conteúdos que daria às alunas e os quadros que ia fazer. E disse-nos, numa conversa de corredor: “Até sonhei a cores e tudo!”.

Uma vez, contei a Guadalupe, depois de uma viagem ao meu país, a República Dominicana, que me admirei por ver as montanhas de cascas de arroz que se amontoavam nos moinhos de cereal e que havia muita dificuldade para as destruir. Como a tese de doutoramento era sobre refratários e isolantes, acabou por concluir a sua investigação com o fabrico de um tijolo de casca de arroz. No meu regresso a Santo Domingo, entregou-me a tese e também um tijolo, para os mostrar ao meu pai, a quem pareceu interessantíssima a proposta.

FÁCIL? DIFÍCIL? É VIVER, MAS VIVER FAZENDO A VONTADE DE DEUS. ISSO FOI O QUE EU VI EM GUADALUPE

Chamava-me especialmente a atenção a sua alegria e serenidade, uma serenidade sobrenatural, baseada na confiança em Deus e em S. Josemaria, com quem se relacionou muito de perto, por ser ela uma das primeiras mulheres do Opus Dei. Notava-se-lhe essa mesma serenidade cada vez que, ao terminar o ano académico, viajava para fazer os check-ups médicos, devido à sua doença cardíaca. Guadalupe, ao despedir-se, costumava dizer-nos: “está em dia, em ordem, para o caso de não voltar”.

No verão, durante a sua permanência na clínica, continuava a investigação com os têxteis e os novos produtos lançados no mercado para tratamento de roupa. Experimentava os novos amaciadores nos têxteis modernos, para ver como modificavam a absorção da água.

Enquanto desfio estas recordações domésticas não me deixa de espantar que hoje possa dizer: “Sim, conheci e convivi com uma santa”. O mais bonito e impressionante é tocar como uma pessoa comum, universitária, investigadora, apaixonada pela vida, amando o seu trabalho, esmerando-se em atenções pelos outros vivendo o espírito do Opus Dei, está nos altares. É fácil? Difícil? É viver, mas viver fazendo a vontade de Deus. Foi isso que vi em Guadalupe: uma tranquilidade apoiada na confiança em que Deus leva as coisas avante.

E o que mais me alegra perante a beatificação desta senhora, química de profissão, boa irmã, boa filha, boa amiga, boa professora, atenta e cordial, é poder pedir-lhe o mesmo que lhe pedíamos quando estava connosco, com a confiança de que nos vai responder com a mesma segurança e serenidade com que o fazia quando estava na terra.

Fernanda Mallorga