Em 18 de maio de 2019, subiu aos altares Guadalupe Ortiz de Landázuri. Surpreende sempre conhecer a vida dos santos, mas agora surpreende-me ainda mais saber que estão tão perto de nós, como naquele dia de 1960 em que a conheci em Pamplona na altura da visita de S. Josemaria Escrivá à Universidade de Navarra. Estava entre santos.
Mas não foi só dessa vez. Deus deu-me a possibilidade de aprender junto de uma mulher de uma só peça. Em 1962, coincidimos durante várias semanas num curso em Pamplona no Colegio Mayor Goimendi. Assisti a várias aulas que nos deu e impressionou-me o modo como nos transmitia o carinho e a segurança na sua vocação para o Opus Dei.
Estive fora de Espanha vários anos e regressei em 1968. No início do Centro de Investigación de Ciencias Domésticas (CEICID), voltei a coincidir com Guadalupe. Tratava-se de um projeto inteiramente novo, orientado para a formação de pessoas que se dedicam aos trabalhos da casa e lá estava Guadalupe, a tornar-se santa, embora eu não soubesse, trabalhando com entusiasmo e segurança. Era doutorada em Química e aplicava os seus conhecimentos no tratamento de têxteis, produtos químicos, etc. A sua vocação de investigadora nata ajudava-a a aprofundar e melhorar nas técnicas utilizadas nessa época na área dos trabalhos domésticos. Um exemplo? Ela sabia que a roupa se branqueava e desinfetava com os raios ultravioleta do sol, e pensava que talvez as máquinas de lavar pudessem ser apetrechadas com esses raios no interior para otimizar o tratamento dos tecidos.
Lembro-me do entusiasmo dela ao preparar um curso sobre Teoria da Lavagem, contou-nos que até sonhava com os conteúdos que daria às alunas e os quadros que ia fazer. E disse-nos, numa conversa de corredor: “Até sonhei a cores e tudo!”.
Uma vez, contei a Guadalupe, depois de uma viagem ao meu país, a República Dominicana, que me admirei por ver as montanhas de cascas de arroz que se amontoavam nos moinhos de cereal e que havia muita dificuldade para as destruir. Como a tese de doutoramento era sobre refratários e isolantes, acabou por concluir a sua investigação com o fabrico de um tijolo de casca de arroz. No meu regresso a Santo Domingo, entregou-me a tese e também um tijolo, para os mostrar ao meu pai, a quem pareceu interessantíssima a proposta.
FÁCIL? DIFÍCIL? É VIVER, MAS VIVER FAZENDO A VONTADE DE DEUS. ISSO FOI O QUE EU VI EM GUADALUPE
Chamava-me especialmente a atenção a sua alegria e serenidade, uma serenidade sobrenatural, baseada na confiança em Deus e em S. Josemaria, com quem se relacionou muito de perto, por ser ela uma das primeiras mulheres do Opus Dei. Notava-se-lhe essa mesma serenidade cada vez que, ao terminar o ano académico, viajava para fazer os check-ups médicos, devido à sua doença cardíaca. Guadalupe, ao despedir-se, costumava dizer-nos: “está em dia, em ordem, para o caso de não voltar”.
No verão, durante a sua permanência na clínica, continuava a investigação com os têxteis e os novos produtos lançados no mercado para tratamento de roupa. Experimentava os novos amaciadores nos têxteis modernos, para ver como modificavam a absorção da água.
Enquanto desfio estas recordações domésticas não me deixa de espantar que hoje possa dizer: “Sim, conheci e convivi com uma santa”. O mais bonito e impressionante é tocar como uma pessoa comum, universitária, investigadora, apaixonada pela vida, amando o seu trabalho, esmerando-se em atenções pelos outros vivendo o espírito do Opus Dei, está nos altares. É fácil? Difícil? É viver, mas viver fazendo a vontade de Deus. Foi isso que vi em Guadalupe: uma tranquilidade apoiada na confiança em que Deus leva as coisas avante.
E o que mais me alegra perante a beatificação desta senhora, química de profissão, boa irmã, boa filha, boa amiga, boa professora, atenta e cordial, é poder pedir-lhe o mesmo que lhe pedíamos quando estava connosco, com a confiança de que nos vai responder com a mesma segurança e serenidade com que o fazia quando estava na terra.
Fernanda Mallorga