Viver o sacramento do Batismo durante a quarentena

O Senhor estará connosco “todos os dias, até ao fim do mundo”. Mesmo se não pudermos ir à Missa, participamos do sacerdócio de Cristo em virtude do nosso batismo. Neste artigo, aprofundamos o motivo pelo qual é possível tornar presente o Senhor mesmo em circunstâncias como as atuais.

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Este tempo tão fora do normal pode ser uma grande oportunidade para descobrir como viver a nossa relação com Deus a partir das atuais circunstâncias, aceitando a realidade tal como é, e descobrindo nessa realidade o amor de Deus aí escondido.

A própria essência de Jesus é ser Deus connosco.

Bem sabemos que, quando Mateus narra no seu Evangelho os factos relativos ao nascimento de Jesus, a propósito do que o anjo do Senhor disse a José, afirma: «Ora tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha anunciado pelo profeta, que disse: Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, a quem será dado o nome de Emanuel, que significa Deus connosco» (Mt 1, 22-23). Podemos dizer que o nome com que o Messias é referido é “Deus connosco” e esse nome descreve muito bem quem é Jesus: é aquele que, sendo Filho de Deus, o Verbo eterno do Pai, tomou a nossa própria carne, assumiu a nossa natureza humana, em tudo semelhante a nós exceto no pecado (cf. Heb 4,15). Por isso, o seu nome é “Deus connosco”: podemos dizer que a própria essência de Jesus é ser Deus connosco.

por força destes sacramentos, cada um é parte daquilo que o Catecismo chama o “corpo místico” de Cristo

Através dos sacramentos da iniciação cristã – batismo, crisma e eucaristia – cada fiel é enxertado em Cristo; por força destes sacramentos, cada um é parte daquilo que o Catecismo chama o “corpo místico” de Cristo. Isto leva a que a presença de Deus na minha vida seja qualquer coisa que vem de dentro e não apenas uma presença que me é externa.

A Deus não O encontro só na igreja, ou só na celebração da Missa, mas encontro-O ali mesmo, onde se encontra cada um de nós, porque Ele decidiu viver connosco a partir de dentro: «Sabei que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos» (Mt 28, 20)

Por esta razão, quando um fiel toma parte na celebração da Missa, não está a assistir a um espectáculo, não é espectador de uma ação exclusiva do ministro, mas está a participar em qualquer coisa de próprio: a oferta do mundo inteiro ao Pai, por meio de Cristo, por força do Espírito Santo. E cada um pode apresentar essa oferta porque é sacerdote. Todos os batizados são sacerdotes porque participam do sacerdócio de Cristo; alguns, depois, são chamados a porem-se ao serviço dos outros para que a oferta que Cristo fez de Si, ao Pai, se torne a fazer presente sobre o altar: são os bispos e os presbíteros que, não por acaso, são chamados ministros; isto é, servidores.

Deus chama-vos a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, temporais da vida humana (S. Josemaria)

Neste momento em que a esmagadora maioria dos fiéis não pode participar na Eucaristia, que continua a ser celebrada embora sem povo, enquanto batizados podemos e devemos redescobrir que, na nossa vida, Deus nos toca, não só quando nos recolhemos em oração com a comunidade cristã à qual pertencemos, mas também nas situações da vida diária.

«Deus chama-vos a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, temporais da vida humana. Deus espera-nos todos os dias: no laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra de uma universidade, na fábrica, na oficina, no campo, no lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Ficai a sabê-lo: escondido nas situações mais comuns, há algo de santo, de divino, que vos cabe a cada um de vós descobrir» (Entrevistas a S. Josemaria, 114)

S. Josemaria fala aqui do trabalho e de todas as atividades de que é tecido o nosso quotidiano; e diz-nos que é mesmo ali que Deus nos espera cada dia: Deus espera-nos a preparar o jantar, a inventar um jogo para distrair as crianças ou a fazer exercício, todos juntos, para nos mantermos ativos. E esta é a nossa Missa: o sacerdócio dos fiéis, de fato, consiste em “anunciar publicamente as obras dignas daquele que das trevas nos chamou à sua luz gloriosa” (cf 1Pe 2,9) e em “oferecer sacrifícios espirituais”. E o que são estes sacrifícios espirituais senão uma vida cristã em que cada um, acolhendo o Espírito doado pelo ressuscitado, age de modo a dar espaço ao Espírito Santo, conformando-se sempre mais a Cristo e à vontade divina?

Todas as nossas ações, desde as mais sublimes até às aparentemente mais banais, podem estar impregnadas pelo Espírito Santo, podem tornar-se um verdadeiro e autêntico culto espiritual.

Não se trata de um expediente, uma tentativa de escassa consolação num tempo em que não podemos participar na Missa. Pelo contrário, este é um dos fins da Eucaristia: fazer com que todas as ações de todos os homens se unam ao sacrifício de Cristo na Cruz e que desta união brote a santidade dessas ações.

Aquilo que é oferecido no Filho passa a fazer parte da Páscoa de Cristo, isto é; da passagem desde mundo para o Pai (cf. Jo 13,1) e é mesmo nesta passagem que é vivificado, isto é; transformado pelo Espírito Santo que o torna oferta viva em Cristo para louvor de Deus Pai (cf. Oração Eucarística IV).

São as dimensões ascendente e descendente próprias da liturgia: através da nossa união a Cristo, sobe ao Pai a nossa oferta, feita de todas as nossas ações e desce do Pai, por meio de Cristo e do Espírito Santo, a Sua bênção, isto é; a presença de Cristo e do Espírito Santo em nós.

O trabalho, levado a cabo no Espírito (aquilo a que habitualmente se chama santificação do trabalho), as brincadeiras com as crianças e as horas na fila para as compras de supermercado, desde que levadas a cabo no Espírito, são culto espiritual, bem como o passar por alto os incómodos provocados pela convivência forçada em espaços limitados, ou inventar-se uma nova receita por que não se encontra o fermento. S. Josemaria resumia assim esta realidade: «Meus filhos: onde estiverem os vossos irmãos, os homens; onde estiverem as vossas aspirações, o vosso trabalho, os vossos amores, aí está o sítio do vosso encontro quotidiano com Cristo. (Entrevistas a S. Josemaria, 113)

O exercício do sacerdócio comum nas circunstâncias normais da nossa vida não consiste em repetir orações enquanto se trabalha (o que é, em si, uma coisa boa, sem dúvida) mas em levar a cabo o trabalho, e todas as ações do nosso dia, no Espírito, isto é, deixando que o motor da ação seja o Espírito que atua no crente, graças à comunhão com Deus que radica no batismo.

Quem recebeu depois o sacramento do matrimónio, tem do seu lado o facto que «Cristo Senhor vem ao encontro dos esposos cristãos no sacramento do matrimónio e permanece neles» (Amoris Laetitia, 67). Jesus está presente em cada casa: quando rezamos juntos – quanto une a oração! – mas também em todos os momentos do dia, graças ao sacramento do matrimónio pois «os esposos são, portanto, para a Igreja a lembrança permanente daquilo que aconteceu na Cruz» (Amoris Laetitia, 72) Eles são portanto o símbolo do Mistério Pascal, que é precisamente aquilo que se celebra em cada eucaristia.

Isto mesmo nos recorda S. Paulo, quando escreve aos cristãos de Éfeso: «Maridos, amai as vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja e por ela se entregou» (Ef 5,25). Deus que não poupou o seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós (cf. Rom 8, 32) e os esposos cristãos são chamados a ser manifestação deste dom total de si, de um ao outro, ali mesmo onde estão. E este amor, que se manifesta de mil modos e, além disso, não chama a atenção, é mesmo sacrifício agradável a Deus: «Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos muito amados. Progredi na caridade segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós se entregou a Deus “como oferenda e sacrifício de agradável odor”» (Ef 5, 1-2).

Pe. Giovanni Zaccaria