Um Fundador que respeitava a liberdade dos seus seguidores

Capítulo do livro “El Fundador del Opus Dei y su actitud ante el poder establecido”

O Fundador do Opus Dei nasceu em Barbastro (Aragão-Espanha) no dia 9 de Janeiro de 1902. Ingressou no seminário de Logroño aos dezasseis anos. Naquele momento estava a residir desde há quatro anos na capital de La Rioja, para onde fora residir por causa de um forte revés económico familiar.

Escrivá comentava anos depois que durante a sua estadia em Logroño experimentou na sua alma que Deus o chamava para fazer algo por Ele, embora ignorasse o conteúdo desse algo. Por causa deste chamamento decidiu fazer-se sacerdote e durante onze anos pediu a Nosso Senhor que lhe revelasse em que consistia aquele querer divino.

Por fim, no dia 2 de Outubro de 1928, três anos depois da sua ordenação sacerdotal em Saragoça, enquanto trabalhava em Madrid como capelão de uma fundação de caridade, viu claramente que Deus o chamava a abrir um caminho de santidade no meio do mundo que levasse os homens e as mulheres a atingir a plenitude da vida cristã no exercício da sua própria profissão, na sua vida familiar e social, e esforçando-se por viver uma intensa vida de oração e de sacramentos. Com a ajuda dos sacerdotes, esses homens e essas mulheres seriam fermento espiritual no seio da sociedade e, como a levedura na massa, contribuiriam para melhorar os seus ambientes familiares e profissionais, vivificando-os com os valores evangélicos.

Inicialmente seguiram Escrivá alguns estudantes universitários e, a partir de Fevereiro de 1930, várias mulheres jovens.

Para formar humana, profissional e cristãmente os jovens universitários que o seguiam e para poder transmitir-lhes o seu afã de almas, abriu uma academia em 1933, que passado um ano se ampliou com uma residência universitária.

As circunstâncias não podiam ser mais desfavoráveis: a República, nascida poucos anos antes, em 1931, tinha ditado uma série de leis anti-clericais que vieram acompanhadas por medidas vexatórias contra as congregações religiosas; e eram frequentes pelas ruas os clamores de sinal anti-religioso. Mas o jovem fundador não se deteve. Em Julho de 1936, quando estalou a guerra civil, estava a estudar abrir outros dois novos centros de formação cristã, semelhantes ao de Madrid: um em Valência e outro em Paris.

Com os braços abertos a todos e respeitando sempre da liberdade de cada pessoa, D. Josemaria não fazia nenhum tipo de declaração partidária sobre a situação política que o rodeava. Os jovens que o seguiam tinham filiações políticas diversas e, às vezes, antagónicas: havia entre eles nacionalistas, monárquicos que estavam cada vez mais em desacordo com o governo constituído, católicos bascos de forte sentido republicano e defensores das suas liberdades pátrias, etc.

“O Padre”, como todos lhe chamavam, não fazia alusão nenhuma às livres opções temporais de cada um, embora lhes pedisse, isso sim, que não falassem de questões políticas naquele centro onde vinham para se formarem cristãmente. Explicava-lhes que a actividade apostólica que levava a cabo não era, de modo algum, uma resposta à situação político-religiosa que atravessava o país. “A Obra de Deus – dizia – não a imaginou um homem, para resolver a situação lamentável da Igreja em Espanha desde 1931”. “Não somos uma organização circunstancial – insistia – (…) nem viemos preencher uma necessidade particular ou de um tempo determinados, porque quer Jesus a sua Obra desde o primeiro momento com carácter universal, católico” [1]. “O vínculo que nos une – insistia o fundador – é a natureza exclusivamente espiritual (…). O que descarta qualquer ideia ou intenção política ou partidária” [2].

Escrivá limitava-se a ensinar – e isso já era muito – a mensagem do Opus Dei, que convoca os cristãos correntes a santificarem-se no meio do mundo e a esforçarem-se por viver o chamamento evangélico com todas as suas consequências, recordando-lhes as palavras de Nosso Senhor; “sede perfeitos como o vosso Pai Celestial é perfeito”. Não lhes oferecia um receituário de reformas sociais, nem um programa político determinado. Sabia, e recordava, que o esforço por transformar a sociedade para a tornar mais fiel aos valores evangélicos é uma tarefa que corresponde a cada fiel cristão em particular. É o cristão corrente que deve formular e propor, com plena responsabilidade, as consequências sociais concretas que, no seu entender pessoal, leva implícita essa mensagem.

Esta convocatória, nascida do ensinamento perene da Igreja e que convida os cristãos a actuar a todo o momento de forma coerente com a sua fé, tem umas claras consequências sociais. Partindo desses ensinamentos, os cristãos podem propor programas sociais e políticos muito variados e diversos aos que propõem, partindo desses mesmos ensinamentos, outros cristãos, com uma pluralidade grande de focagens e perspectivas. Fossem as que fossem as opções pessoais de cada um, o Fundador alentava os cristãos a formarem-se bem sob o ponto de vista doutrinal, e a cultivar uma profunda vida interior, acompanhada pela criatividade e a iniciativa apostólica pessoal em todos os âmbitos. Porque só assim – dizia – cada cristão, com responsabilidade pessoal, com autonomia e respeito pelas legítimas opções dos outros, será capaz de levar a cabo uma profunda renovação espiritual da sociedade.

Convém sublinhar este ponto: Escrivá animava a levar a cabo uma renovação espiritual pessoal, quer dizer, não dava nenhum tipo de conselho encaminhado, por exemplo, a re-instaurar nostalgicamente, a antiga cristandade, entendendo-se este termo, cristandade, na sua acepção política. É interessante recordar que a palavra cristandade não aparece em Caminho.

Não se trata de regressar a situações do passado, mas de transformar o mundo presente a partir de dentro. E esta transformação devia levar-se a cabo – explicava o Fundador – em todas as épocas, em todos os países, em todos os âmbitos sociais, porque todos os ofícios, trabalhos e actividades nobres dos homens podem converter-se em caminhos de santidade. “Temos de estar sempre voltados para a multidão, porque não existe criatura humana que não amemos, que não procuremos amar e compreender. Todos nos interessam, porque todos têm uma alma a salvar” [3]. A palavra “alma” encontra-se frequentemente nos seus escritos, e é uma manifestação do sentido espiritual e apostólico dos seus ensinamentos.

Falava com frequência do comum denominador do qual gozam todas as pessoas (a fé cristã, os ensinamentos da Igreja, um espírito e uns modos apostólicos específicos) e do numerador diversíssimo e variado de que gozam. Este numerador referia-se às livres opiniões e opções pessoais de cada uma e de cada um, em matérias políticas, culturais, científicas, profissionais, etc.

Continuou a pregar isto mesmo, décadas após décadas, nas circunstâncias mais diversas: na pré-guerra, no fragor da guerra civil e durante o regime que se impôs em Espanha depois da guerra; e também nos trinta e um países do mundo aos que chegou a sua acção apostólica ao longo da sua vida.

Esta rejeição explícita de qualquer forma de clericalismo é completamente congruente com a condição secular dos membros do Opus Dei, que são “cidadãos de duas cidades”, quer dizer, fiéis correntes que gozam dos mesmos direitos e obrigações que os seus concidadãos.

Nos documentos que o Fundador submeteu à aprovação da Santa Sé em 1974 [4] fez constar um mandato específico para os directores do Opus Dei, indicando-lhes com rotunda clareza que deveriam abster-se completamente de intervir em qualquer âmbito (político, cultural, profissional, etc.) que pertencesse à livre escolha dos membros da Obra. Os estatutos definitivos do ano 1982, sancionados por João Paulo II por motivo da erecção do Opus Dei em Prelatura pessoal, recolheram este mandato [5].

Isto explica que cada vez que surgiu alguma questão relativa a este ponto em qualquer país do mundo, tenham sido os próprios membros do Opus Dei que tenham reafirmado a sua liberdade absoluta de opinião e de compromisso político, cultural e profissional. Nos contextos culturais mais diversos, assinalaram que eles são os únicos responsáveis das suas livres opções pessoais, e que não representam de modo algum, com as suas actuações, a instituição da Igreja a que pertencem.

O mesmo têm feito os responsáveis do Opus Dei, em casos similares.

A questão levantou-se pela primeira vez em 1957 em Espanha, quando foram nomeados ministros do Governo dois membros do Opus Dei: Mariano Navarro Rubio e Alberto Ullastres. Ao conhecer este dado, certos jornalistas da imprensa internacional, como não sabiam em que tendência classificá-los, colaram-nos rapidamente ao rótulo de “tecnocratas” ou “tecnocratas do Opus Dei”.

Esta classificação – tecnocratas do Opus Dei – era falsamente precisa: porque Ullastres e Navarro não acederam aos seus cargos pela sua condição de membros do Opus Dei, nem actuaram em nenhum momento como representantes desta instituição na vida política. Além disso, com tal classificação englobavam-se arbitrariamente sob o nome “Opus Dei” um conjunto de políticos – os chamados tecnocratas – que só tinham em comum com Ullastres e Navarro a pertença à mesma equipa de governo. Todos estes homens eram difíceis de “classificar” em relação com as tendências mais conhecidas e que, então, eram: falangistas, militares, monárquicos (quer fossem donjuanistas, juancarlistas ou carlistas) e democratas cristãos procedentes da Acção Católica ou da Associação Nacional de Propagandistas.

Cinco anos depois, em 1962, outro membro do Opus Dei, Gregorio López Bravo, fez parte do governo. Três anos depois Ullastres e Navarro Rubio saíram do governo e foram nomeados ministros outros quatro membros do Opus Dei: o já citado López Bravo, Juan José Espinosa, Laureano López Rodó e Faustino García Moncó.

No governo de 1969 havia três membros do Opus Dei: López Bravo, López Rodó e Vicente Mortes. Entre os ministros nomeados em 1973 havia um (López Rodó); e entre os nomeados em 1975, também um (Fernando Herrero Tejedor).

Isto significa que dos 129 ministros que Franco nomeou desde Outubro de 1939 até ao seu falecimento em 1975, só oito eram do Opus Dei. E estes oito ministros, que pertenciam a diferentes tendências, estiveram em governos muito distintos do Regime, ao longo dos anos cinquenta, sessenta e setenta respectivamente.

 

Notas:

[1] Cfr. F. Gondrand, Al paso de Dios. Josemaría Escrivá de Balaguer, Fundador del Opus Dei, Rialp, Madrid 1984, p. 95

[2] Cfr. F. Gondrand, Al paso de Dios. Josemaría Escrivá de Balaguer, Fundador del Opus Dei, Rialp, Madrid 1984, p. 85

[3] Cfr. A. Vásquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, Volume I, Verbo, Lisboa 2002, p. 275

[4] Ver Decretum laudis da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz e Opus Dei como instituto secular de direito pontifício, datado de 24 de Fevereiro de 1947. Citado por A. Fuenmayor, V. Gómez Iglesias e J. L. Illanes em El Itinerario jurídico del Opus Dei, Eunsa, Pamplona 1989, pp. 532-535; e o Decreto Primum Inter de 16 de Junho de 1950, citado em ibid., pp. 544-553.

[5] Ver os Estatutos da Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei (Codex iuris particularis Operis Dei) citados em ibid., pp. 628-657. Ver também a Declaração Praelaturae personales, do Cardeal Sebastianno Baggio, Perfeito da Congregação dos Bispos (23 de Agosto de 1982) que acompanha a sanção dos Estatutos, citada em ibid. p. 621.

François Gondrand