Caríssimos irmãos e irmãs
É com profunda alegria que hoje celebramos pela primeira vez a festa de S. Josemaría Escrivá. Damos graças a Deus que assim nos mostra de um modo completo o significado da vida do fundador do Opus Dei e confirma-o solenemente como exemplo de santidade para toda a Igreja. Nos dias de hoje, a celebração da festa litúrgica de Josemaría Escrivá é uma manifestação da força sempre actual do Evangelho, revelando a sua perene novidade a uma civilização que, de tão avançada que pretende ser, se encontra, porém, necessitada dos valores humanos mais básicos.
Deus interveio de um modo decisivo neste mundo através de S. Josemaría: a graça de Deus continuamente actua na história através dos seus santos. A nós, que agradecemos essas intervenções de Deus e a correspondência dos que foram escolhidos como instrumentos, cabe-nos tomar consciência de um modo mais concreto como também Deus quer continuar a intervir e a tornar presente a sua força redentora em todo o mundo através de cada um de nós, chamando-nos a ser protagonistas da nova evangelização.
Festa de S. Josemaría: oxalá com esta celebração, cada um se sinta interpelado a avançar mais decididamente no caminho da santidade e a levar a todos os lugares a alegria dos filhos de Deus.
Todos: jovens e menos jovens, sãos e doentes, pobres e ricos, temos de sentir-nos responsáveis pelo mundo em que vivemos; todos, cada uma e cada um, temos de colocar Cristo no cume de todas as actividades humanas.
É urgente a nova evangelização à qual o Santo Padre nos convoca; justamente os nossos bispos nos têm chamado a atenção para os momentos que vivemos de crise profunda na sociedade, uma crise de civilização, de perda do sentido ético da vida; e como nos dizia S. Josemaría, perante esta civilização que cambaleia sem recursos morais não vamos ficar numa atitude de lamentação pessimista: estas crises mundiais são crises de santos, e portanto um chamamento imperioso à santidade pessoal e ao apostolado: esse é o único remédio eficaz e que está ao alcance de todos.
Santidade pessoal. A festa de hoje convida-nos a fazer um exame sincero e valente da nossa vida: Meu Deus, estou a dar a cada dia, a cada tarefa, a intenção de ser santo? O que é que eu posso fazer mais? Tu, meu Deus, encontras em mim quando faço as minhas orações, ao realizar o meu trabalho, na minha relação com os outros, a tonalidade de heroicidade própria da santidade? Ou será que me contento com uma mediania e mediocridade na minha fé?
Para avançar no caminho da santidade, é condição primeira e básica que nos enchamos da força de Deus, que cuidemos a vida interior: ser almas de oração, de oração que transborda; recorrer aos sacramentos de modo que nos transformem; contemplar o rosto de Cristo, e assim aprender a ver a própria vida, as pessoas que nos rodeiam, os acontecimentos do mundo, com os olhos de Cristo: “Que eu veja com os teus olhos, Cristo meu, Jesus da minha alma” exclamava S. Josemaría; daí tiraremos o critério para a nossa vida e o impulso para actuar em consequência.
Hoje é um bom dia para renovar o nosso empenho por cuidar mais a vida de oração, por receber com assiduidade a formação, por ser constantes e dóceis na direcção espiritual, de modo a chegar a ter uma intimidade pessoalíssima com o nosso Deus. É ou não verdade que todos podemos e devemos ser mais assíduos, mais profundos, mais consequentes, na oração?
Dizia, viver uma oração que transborda, que influi no dia-a-dia, que gera unidade de vida: se queremos transformar este mundo, é primordial não pactuar em nós com comportamentos que denotariam falta de coerência com a fé. Muitas vezes teremos de ir contra-corrente; vivendo com naturalidade a fé chocaremos com a mentalidade predominante; mas também daremos o testemunho vivido de ter encontrado a verdadeira felicidade. Não porque pensemos que somos melhores do que os outros: os apóstolos também não eram melhores; mas sabiam-se portadores da mensagem de Cristo e por isso com o testemunho da sua vida e com a sua palavra foram instrumentos da graça de Deus para revolucionar a sociedade onde viviam.
Santidade pessoal e apostolado. É necessário criar uma nova cultura, impregnar o mundo com os valores do Evangelho. Para isso, não basta o mero exemplo; urge empenhar-se numa acção apostólica incisiva e audaz: “primeiro, oração; depois, expiação; em terceiro lugar, muito em terceiro lugar acção” (Caminho, n. 82), mas acção que não pode faltar cada dia. Diz S. Josemaría no Sulco (n. 945): “Se nós, cristãos, vivêssemos realmente de acordo com a nossa fé, far-se-ia a maior revolução de todos os tempos!”, e este início do terceiro milénio é a hora de levar a cabo essa revolução como nunca!
Cada um, à sua volta, mobilizando as boas vontades tantas vezes adormecidas dos que o rodeiam, deve ser essa pedra que cai no lago e vai alargando cada vez mais o círculo da sua intervenção (cf. Caminho, n. 831); pergunta-nos S. Josemaría: “Ouve: aí... não haverá um... ou dois, que nos entendam bem?” (Caminho, n. 805); é necessário falar com as pessoas com quem nos relacionamos, de tu a tu, de coração a coração (cf. Sulco, n. 191), levá-las ao encontro com Cristo na oração e nos sacramentos, e bem sabemos como é de particular importância o apostolado do sacramento da Penitência numa sociedade onde se procura calar a voz da consciência.
É necessário defender e ajudar a defender de um modo interveniente a família, a vida, a santidade do amor humano: não podemos ficar indiferentes e inactivos quando assistimos no nosso país (e muitas vezes em situações que nos tocam de perto) à vulgarização do divórcio com todas as suas trágicas consequências; temos de proclamar bem alto a alegria que nos dá a santa pureza, o pudor e a modéstia, desmascarando o engano do relaxamento dos costumes e da degradação moral que se manifesta por exemplo na divulgação de modos de vestir e de comportar que transformam a mulher em objecto; não podemos calar-nos e habituar-nos aos sistemáticos ataques à natalidade, que pretendem impor uma mentalidade contraceptiva generalizada: haveremos de afirmar que os filhos são um bem e que da generosidade relativamente aos filhos depende a felicidade da família e o futuro da nossa pátria; é preciso que os pais enfrentem e ajudem outros a enfrentar a tarefa importantíssima de intervir directamente na orientação da educação dos filhos; temos de viver e ajudar a viver a doutrina social da Igreja, a honestidade e responsabilidade cívica, não ficando simplesmente em lamentos estéreis face à banalização da corrupção e da mentira, face ao enraizamento de situações de injustiça, gravemente lesivas dos mais desfavorecidos; não podemos cair num falso neutralismo e habituar-nos à ignorância do ponto de vista da formação moral e religiosa.
Perante todas estas situações, é preciso que ouçamos Deus que nos diz: Eu conto contigo, Eu quero apoiar-me em ti. Conto contigo para ajudar os que estão desorientados, chegar ao fundo dos seus corações, onde residem os desejos sinceros de verdade, de bem, de pureza, e dar-lhes a graça que os renova. Não se trata fundamentalmente de denunciar o que está mal; trata-se de mostrar como vale a pena viver a fé, trata-se de, como dizia S. Josemaría, tornar felizes, muito felizes, as pessoas (cf. Sulco, n. 185).
Sim: como os primeiros cristãos, temos de mudar este mundo; não com um programa político concreto, nem constituindo um grupo fechado, como o não fizeram os nossos primeiros irmãos na fé; mas com a consciência da nossa limitação e dos nossos defeitos pessoais e com a consciência do mandato imperativo de Cristo (“Ide por todo o mundo...”; “faz-te ao largo! (...) Lançai as vossas redes para a pesca! (...) Serás pescador de homens!”, como ouvimos o Senhor dizer-nos há pouco no Evangelho). “Como quer o Mestre,” lemos na Forja, “tu tens de ser – bem metido neste mundo, que nos coube em sorte, e em todas as actividades dos homens – sal e luz. Luz, que ilumina as inteligências e os corações; sal, que dá sabor e preserva da corrupção” (Forja, n. 22). Seremos a brasa incandescente que leva o fogo do amor de Cristo a todos os corações e a toda a Terra, proclamando bem alto que a solução para todos os problemas que afligem os homens é a fraternidade dos filhos de Deus, que estamos chamados a viver: “não recebestes o espírito de escravidão”, líamos na segunda leitura, “para estardes novamente com temor, mas recebeste o espírito de filhos” (Rom. 8, 15).
Deus, ao chamar-nos ao Opus Dei, ao fazer-nos aproveitar a formação que se dá no Opus Dei pretende alguma coisa. Podemos e devemos fazer mais: esta é a conclusão que teremos de tirar desta primeira celebração da festa de S. Josemaría. Temos pela frente uma aventura maravilhosa e é preciso que estejamos à altura do que Deus espera de nós. Esperança: temos toda a graça de Deus; optimismo: Deus pode mais do que a nossa fraqueza, se soubermos corresponder.
Não queria terminar sem me referir ao Ano do Rosário: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam (todos com Pedro, a Jesus por Maria). Este é o lema que S. Josemaría viu como pauta para a actuação do Opus Dei. Que saibamos viver cada vez mais unidos ao Papa, rezando pela sua pessoa e intenções, neste ano do 25º aniversário do seu Pontificado. Que saibamos recorrer com a fé que muda o decurso dos acontecimentos à protecção da Nossa Mãe, aparecida em Fátima. Hoje vamos refugiar-nos de um modo especial, como nos ensinou S. Josemaría, no calor maternal do Coração de Maria, para levar-nos ao encontro de Cristo e experimentar a verdade da sua promessa: “No fim, o meu Imaculado Coração vencerá!”
Peço a S. Josemaría que cada um tire desta festa um impulso concreto para ser mais audaz: que avance decididamente no caminho da santidade e do apostolado.