Semana Santa: a voz do Papa

Actualizado na Sexta-feira Santa. Seleção de partes de discursos, homilias e outras intervenções de Bento XVI durante a Semana Santa de 2012.

QUINTA-FEIRA SANTA "IN CENA DOMINI" ; Vídeo (Rome Reports)

· Os discípulos, cuja proximidade Jesus procurou naquela hora de ânsia extrema como elemento de apoio humano, depressa adormeceram. No entanto ainda ouviram alguns fragmentos das palavras ditas em oração por Jesus e observaram o seu comportamento. Estas duas coisas gravaram-se profundamente no espírito deles, que depois as transmitiram aos cristãos para sempre. Jesus chama a Deus «Abbá»; isto significa – como eles adiantam – «Pai». Não é, porém, a forma usual para dizer «pai», mas uma palavra própria da linguagem das crianças, ou seja, uma palavra meiga que ninguém ousaria aplicar a Deus. É a linguagem d’Aquele que é verdadeiramente «criança», Filho do Pai, d’Aquele que vive em comunhão com Deus, na unidade mais profunda com Ele.

· Jesus luta com o Pai: melhor, luta consigo mesmo; e luta por nós. Sente angústia frente ao poder da morte. Este sentimento é, antes de mais nada, a turvação que prova o homem, e mesmo toda a criatura viva, em presença da morte. Mas, em Jesus, trata-se de algo mais. Ele estende o olhar pelas noites do mal; e vê a maré torpe de toda a mentira e infâmia que vem ao seu encontro naquele cálice que deve beber. É a turvação sentida pelo totalmente Puro e Santo frente à torrente do mal que inunda este mundo e que se lança sobre Ele. Vê-me também a mim, e reza por mim. Assim este momento da angústia mortal de Jesus é um elemento essencial no processo da Redenção.

· A atitude de Adão fora: Não o que quiseste Tu, ó Deus; eu mesmo quero ser deus. Esta soberba é a verdadeira essência do pecado. Pensamos que só poderemos ser livres e verdadeiramente nós mesmos, se seguirmos exclusivamente a nossa vontade. Vemos Deus como contrário à nossa liberdade. Devemos libertar-nos d’Ele – isto é todo o nosso pensar –; só então seremos livres. Tal é a rebelião fundamental, que permeia a história, e a mentira de fundo que desnatura a nossa vida. Quando o homem se põe contra Deus, põe-se contra a sua própria verdade e, por conseguinte, não fica livre mas alienado de si mesmo. Só somos livres, se permanecermos na nossa verdade, se estivermos unidos a Deus. Então tornamo-nos verdadeiramente «como Deus»; mas não opondo-nos a Deus, desfazendo-nos d’Ele ou negando-O. Na luta da oração no Monte das Oliveiras, Jesus desfez a falsa contradição entre obediência e liberdade, e abriu o caminho para a liberdade. Peçamos ao Senhor que nos introduza neste «sim» à vontade de Deus, tornando-nos deste modo verdadeiramente livres.

Vídeo (Rome Reports) 

· Nesta Santa Missa, o nosso pensamento volta àquela hora em que o Bispo, através da imposição das mãos e da oração consacratória, nos integrou no sacerdócio de Jesus Cristo, para sermos «consagrados na verdade» (Jo 17, 19), como Jesus pediu por nós ao Pai na sua Oração Sacerdotal. Ele mesmo é a Verdade. Consagrou-nos, isto é, entregou-nos para sempre a Deus, a fim de que, a partir de Deus e em vista d’Ele, pudéssemos servir os homens. Mas somos também consagrados na realidade da nossa vida? Somos homens que actuam a partir de Deus e em comunhão com Jesus Cristo? Com esta pergunta, o Senhor está diante de nós, e nós diante d’Ele. «Quereis viver mais intimamente unidos a Cristo e configurar-vos com Ele, renunciando a vós mesmos e permanecendo fiéis aos compromissos que, por amor de Cristo e da sua Igreja, aceitastes alegremente no dia da vossa Ordenação Sacerdotal?» Tal é a pergunta que, depois desta homilia, será dirigida singularmente a cada um de vós e a mim mesmo.

· É-nos pedido que não reivindique a minha vida para mim mesmo, mas a coloque à disposição de outrem: de Cristo. Que não pergunte: Que ganho eu com isso? Mas sim: Que posso eu doar a Ele e, por Ele, aos outros? Ou mais concretamente ainda: Como se deve realizar esta configuração a Cristo, que não domina mas serve, não toma mas dá. Como se deve realizar na situação tantas vezes dramática da Igreja de hoje?

Imagem do vídeo resumo da cerimónia difundido por Rome Reports.

· Mas será verdadeiramente um caminho a desobediência? Nela pode-se intuir algo daquela configuração a Cristo que é o pressuposto para toda a verdadeira renovação, ou, pelo contrário, não é apenas um impulso desesperado de fazer qualquer coisa, de transformar a Igreja segundo os nossos desejos e as nossas ideias?

· A configuração a Cristo é o pressuposto e a base de toda a renovação. Mas talvez a figura de Cristo nos apareça por vezes demasiado alta e grande para podermos ousar tomar as suas medidas. O Senhor sabe-o. Por isso providenciou «traduções» em ordens de grandeza mais acessíveis e próximas de nós. Precisamente por este motivo, São Paulo resolutamente diz às suas comunidades: Imitai-me, mas eu pertenço a Cristo. Ele era para os seus fiéis uma «tradução» do estilo de vida de Cristo, que eles podiam ver e à qual podiam aderir. A partir de Paulo e ao longo de toda a história, existiram continuamente tais «traduções» do caminho de Jesus em figuras históricas vivas. Nós, sacerdotes, podemos pensar numa série imensa de sacerdotes santos que vão à nossa frente para nos apontar a estrada.

· Que há de mais meu do que eu próprio? E no entanto que há de menos meu do que o sou eu mesmo? Não me pertenço a mim próprio e torno-me eu mesmo precisamente pelo facto de me ultrapassar a mim próprio e é através da superação de mim próprio que consigo inserir-me em Cristo e no seu Corpo que é a Igreja. Se não nos anunciamos a nós mesmos e se, intimamente, nos tornamos um só com Aquele que nos chamou para sermos seus mensageiros de tal modo que sejamos plasmados pela fé e a vivamos, então a nossa pregação será credível. Não faço publicidade de mim mesmo, mas dou-me a mim mesmo.

· E, enquanto sacerdotes, preocupamo-nos naturalmente com o homem inteiro, incluindo precisamente as suas necessidades físicas: com os famintos, os doentes, os sem-abrigo; contudo, não nos preocupamos apenas com o corpo, mas também com as necessidades da alma do homem: com as pessoas que sofrem devido à violação do direito ou por um amor desfeito; com as pessoas que, relativamente à verdade, se encontram na escuridão; que sofrem por falta de verdade e de amor. Preocupamo-nos com a salvação dos homens em corpo e alma. E, enquanto sacerdotes de Jesus Cristo, fazemo-lo com zelo. As pessoas não devem jamais ter a sensação de que o nosso horário de trabalho cumprimo-lo conscienciosamente, mas antes e depois pertencemo-nos apenas a nós mesmos. Um sacerdote nunca se pertence a si mesmo. As pessoas devem notar o nosso zelo, através do qual testemunhamos de modo credível o Evangelho de Jesus Cristo. 

SEGUNDA-FEIRA SANTA (texto completo)

· "[O Espírito Santo] não deixa de infundir alento aos corações e continuamente nos atira para a praça pública da história, como no Pentecostes, para dar testemunho das maravilhas de Deus. Vós estais chamados a cooperar nesta apaixonante tarefa e vale a pena entregar-se a ela sem reservas. Cristo necessita-vos ao Seu lado para estender e edificar o Seu Reino de caridade. Isto será possível se O tendes como o melhor dos amigos e O confessais levando uma vida de acordo com o evangelho, com valentia e fidelidade. Alguém poderia supor que isto não tem nada a ver com ele ou que é uma empresa que supera as suas capacidades e talentos. Mas não é assim. Nesta aventura não sobra ninguém. Por isso, não deixeis de vos perguntar a que vos chama o Senhor e como O podeis ajudar. Todos tendes uma vocação pessoal que Ele vos quis propor para a vossa felicidade e santidade. Quando alguém se vê conquistado pelo fogo do Seu olhar, nenhum sacrifício parece já grande para O seguir e Lhe dar o melhor de si mesmo. Assim fizeram sempre os santos estendendo a luz do Senhor e o poder do Seu amor, transformando o mundo até o converter num lar acolhedor para todos, onde Deus é glorificado e os seus filhos abençoados".

· "Queridos jovens, como aqueles apóstolos da primeira hora, sede também vós missionários de Cristo entre os vossos familiares, amigos e conhecidos, nos vossos ambientes de estudo ou de trabalho, entre os pobres e doentes. Falai do Seu amor e bondade com simplicidade, sem complexos nem temores. O próprio Cristo vos dará fortaleza para isso. Pela vossa parte, escutai-O e tende um convívio frequente e sincero com Ele. Contai-lhe com confiança os vossos anseios e aspirações, também as vossas penas e as das pessoas que vejais carentes de consolo e de esperança. Evocando aqueles esplêndidos dias, desejo exortar-vos também para que não poupeis esforço algum para que os que vos rodeiam o descubram pessoalmente e se encontrem com Ele, que está vivo com a Sua Igreja".

DOMINGO DE RAMOS (texto completo)

"Perguntemo-nos: Que pensavam, realmente, em seus corações aqueles que aclamam Cristo como Rei de Israel? Certamente tinham a sua ideia própria do Messias, uma ideia do modo como devia agir o Rei prometido pelos profetas e há muito esperado. Não foi por acaso que a multidão em Jerusalém, poucos dias depois, em vez de aclamar Jesus, grita para Pilatos: «Crucifica-O!», enquanto os próprios discípulos e os outros que O tinham visto e ouvido ficam mudos e confusos. Na realidade, a maioria ficara desapontada com o modo escolhido por Jesus para Se apresentar como Messias e Rei de Israel. É precisamente aqui que se situa o ponto fulcral da festa de hoje, mesmo para nós. Para nós, quem é Jesus de Nazaré? Que ideia temos do Messias, que ideia temos de Deus? Esta é uma questão crucial, que não podemos evitar, até porque, precisamente nesta semana, somos chamados a seguir o nosso Rei que escolhe a cruz como trono; somos chamados a seguir um Messias que não nos garante uma felicidade terrena fácil, mas a felicidade do céu, a bem-aventurança de Deus. Por isso devemos perguntar-nos: Quais são as nossas reais expectativas? Quais são os desejos mais profundos que nos animaram a vir aqui, hoje, celebrar o Domingo de Ramos e iniciar a Semana Santa?" (Homilia da Missa na Praça de São Pedro).

· "Queridos jovens, aqui reunidos! (...).Que o Domingo de Ramos possa ser para vós o dia da decisão: a decisão de acolher o Senhor e segui-Lo até ao fim, a decisão de fazer da sua Páscoa de morte e ressurreição o sentido da vossa vida de cristãos. Tal é a decisão que leva à verdadeira alegria, como se vê na vida de Santa Clara de Assis, que há oitocentos anos – exatamente no Domingo de Ramos –, movida pelo exemplo de São Francisco e dos seus primeiros companheiros, deixou a casa paterna para consagrar-se totalmente ao Senhor: com dezoito anos, teve a coragem da fé e do amor para se decidir por Cristo, encontrando n’Ele a alegria e a paz." (Homilia da Missa na Praça de São Pedro).

'Estais chamados a cooperar nesta apaixonante tarefa e cale a pena entregar-se a ela sem reservas'.

· "Que reinem particularmente neste dia dois sentimentos: o louvor, como fizeram aqueles que acolheram Jesus em Jerusalém com o seu «hossana»; e o agradecimento, porque nesta Semana Santa o Senhor Jesus renovará o dom maior que se pode imaginar, entrega-nos a Sua vida, o Seu corpo e o Seu sangue, o Seu amor. Mas a um dom tão grande devemos corresponder de modo adequado, ou seja, com o dom de nós mesmos, do nosso tempo, da nossa oração, do nosso estar em comunhão profunda de amor com Cristo que sofre, morre e ressuscita por nós" (Homilia da Missa na Praça de São Pedro).