Desde o falecimento de Mons. Josemaría Escrivá, Fundador do Opus Dei, a 26 de Junho de 1975, a Postulação da Causa recebeu um grande número de testemunhos de pessoas de diversos países documentando a sua fama de santidade e solicitando ao Santo Padre a abertura do processo de beatificação e canonização. Também foram chegando milhares de narrações de favores atribuídos à sua intercessão, que manifestavam como se ia estendendo a devoção privada.
Só depois de passados os cinco anos estabelecidos pelas normas da Congregação para as Causas dos Santos, a Postulação solicitou a introdução da Causa de beatificação e canonização. O pedido foi apresentado em Roma, ao Cardeal Vigário, por Mons. Escrivá ter falecido nessa cidade.
O processo de beatificação
Depois do nihil obstat concedido pela Congregação e confirmado pelo Santo Padre, o Cardeal Vigário de Roma Ugo Poletti publicou o Decreto de introdução da Causa do Servo de Deus (19-II-81), para apreciar a sua vida e virtudes. A Congregação romana autorizou que funcionassem dois Tribunais, um em Roma presidido pelo Cardeal Ugo Poletti e outro em Madrid (para as testemunhas de língua espanhola ou residentes em Espanha) presidido pelo Arcebispo, Cardeal Vicente Enrique y Tarancón. Os dois Tribunais foram constituídos no mês de Maio e terminaram o seu trabalho, o de Madrid em 1984 e o de Roma em 1986. As actas foram enviadas à Congregação para ratificação.
Foram ouvidas ao todo 92 testemunhas de visu, isto é, pessoas que conviveram directamente com o Servo de Deus. Mais de metade não pertenciam ao Opus Dei. Tendo em conta que em todas as Causas de canonização, sobretudo de quem tem particular relevo histórico, aparecem vozes contrárias, desde o início a Postulação quis garantir expressamente a integridade da investigação, até para evitar que eventuais lacunas viessem mais tarde a exigir um suplemento no processo de instrução da Causa. Com esse fim, inserira no elenco das testemunhas a interrogar os nomes de algumas pessoas notoriamente contrárias à Causa; e procurara que se incluíssem na documentação as publicações difamatórias aparecidas até então contra Mons. Escrivá.
Algumas dessas testemunhas hostis propostas pela Postulação foram, porém, rejeitadas pelo Tribunal de Madrid (pelo carácter esporádico dos seus contactos com o Fundador do Opus Dei ou por falta de idoneidade da pessoa), ficando as razões expostas em documento aprovado e assinado pelo Arcebispo de Madrid, Presidente do Tribunal.
Todas as objecções contidas nos escritos desfavoráveis ao Servo de Deus (artigos, panfletos, entrevistas, cartas aos Tribunais ou à Santa Sé, etc.) foram analisadas e a Congregação romana inserira nos interrogatórios dos processos algumas dezenas de perguntas relativas a elas.
Entretanto, em 21-I-82, com autorização da Congregação para as Causas dos Santos, o Arcebispo de Madrid, Cardeal Enrique y Tarancón, constituíra outro Tribunal para estudar uma eventual cura milagrosa atribuída à intercessão do Servo de Deus: em Junho de 1976, a Irmã Concepción Boullón, de 70 anos, Carmelita da Caridade no Convento de S. Lourenço do Escorial (perto de Madrid), enferma de cancro em fase terminal, recuperara repentinamente a saúde. O processo terminara em 3-IV-82 e as actas foram também enviadas para a Congregação romana, sendo ratificadas em fins de 1984 (20-XI-84).
O decreto sobre a heroicidade das virtudes
Ratificados os dois processos sobre a vida e as virtudes do Servo de Deus (3-IV-87), a Postulação da Causa baseou-se neles para elaborar a Positio super vita et virtutibus. O trabalho foi feito por um grupo de especialistas em Teologia, História da Igreja e Direito Canónico, coordenados pelo Postulador Geral, Mons. Flavio Capucci, e com o auxílio de peritos em informática, sob a orientação e controle do Pe. Ambrogio Eszer, O.P., Relator designado pela Congregação para as Causas dos Santos. A obra, em quatro volumes com um total de 6.000 páginas, constava de uma Informação, do Sumário dos depoimentos, de uma Biografia documentada e do Estudo crítico sobre a heroicidade das virtudes do Servo de Deus, e foi entregue em Junho de 1988 à Congregação romana, para o estudo definitivo.
Depois do voto afirmativo do Congresso dos Consultores Teólogos (19-IX-89), a Positio obteve o voto favorável da Congregação Ordinária de Cardeais e Bispos, sendo Relator o Cardeal Edouard Gagnon (20-III-90). Acolhendo estes pareceres unânimes, o Santo Padre João Paulo II promulgou o Decreto sobre a heroicidade das virtudes do Venerável Josemaría Escrivá (9-IV-90).
O reconhecimento do milagre
A seguir, a Postulação já pôde apresentar à Congregação a Positio super miro, isto é, sobre a cura considerada milagrosa cujo processo tinha sido instruído em Madrid. Em 30-VI-90, a Consulta Médica concluiu que aquela cura não era explicável por causas naturais. Em 14-VII-90, o Congresso dos Consultores Teólogos pronunciou-se a favor do carácter milagroso da cura e da sua atribuição à intercessão do Servo de Deus. Em 18-VI-91, a Congregação Ordinária de Cardeais e Bispos examinou a documentação sobre o assunto e deu o seu voto afirmativo. Finalmente, na presença do Santo Padre (6-VII-91), procedeu-se à leitura do Decreto sobre o milagre. Todos estes pareceres foram por unanimidade. Cumpridos assim todos os requisitos que a legislação sobre as Causas dos Santos estabelece, o Papa João Paulo II decidiu proceder à beatificação, fixando posteriormente a data de 17 de Maio de 1992.
Perante as críticas que surgiram a respeito da rapidez da beatificação, o Santo Padre confiou a uma Comissão especial da Congregação para a Causa dos Santos a tarefa de comprovar se se podia proceder com tranquilidade à beatificação. A Comissão, depois de madura reflexão, deu ao Santo Padre um juízo favorável para a celebração prevista (12-V-92) .
Em 17 de Maio de 1992, na Praça de São Pedro, em Roma, João Paulo II beatificou Mons. Josemaría Escrivá, juntamente com a Irmã canossiana Josephine Bakita.
O processo de canonização
No ano seguinte, a Postulação da Causa recebeu a notícia de uma cura surpreendente atribuída à intercessão do novo Beato. O médico espanhol Dr. Manuel Nevado, nascido em 1932 e residente em Badajoz, especialista em ortopedia, sofria de radiodermite crónica em estado avançado, doença típica dos médicos que expõem as mãos prolongadamente aos Raios X e que acaba por provocar cancros de pele. A radiodermite não tem cura. O Dr. Nevado, à medida que as suas mãos iam sendo gravemente afectadas, fora obrigado a limitar a sua actividade cirúrgica, deixando completamente de operar no Verão de 1992. Em Novembro desse ano, por sugestão de uma pessoa conhecida, começou a recorrer ao Beato Josemaría: as mãos começaram a melhorar e, aproximadamente em 15 dias, as lesões desapareceram e ficou curado. Em Janeiro de 1993 recomeçou as suas operações cirúrgicas.
Com a colaboração do interessado, reuniram-se os documentos e realizou-se um estudo exaustivo da sua doença e da respectiva cura. Em 12-V-94, o Bispo de Badajoz constituiu um Tribunal para o processo canónico, que terminou dois meses depois (4-VII-94), sendo as actas enviadas à Congregação romana para ratificação.
Em 10-VII-97, a Consulta Médica afirmou, por unanimidade, que a cura do Dr. Nevado foi "muito rápida, completa e duradoura, cientificamente inexplicável". Em 9-I-98, o Congresso dos Consultores Teólogos, chamado a pronunciar-se sobre o carácter sobrenatural dessa cura e a relação causal entre a invocação do Beato Josemaría Escrivá e o desaparecimento da doença, fê-lo mediante um voto positivo unânime.
Em 21-IX-2001, a Congregação Ordinária de Cardeais e Bispos membros da Congregação confirmou unanimemente o carácter milagroso da cura do Dr. Nevado e a sua atribuição ao Beato Josemaría Escrivá. O Santo Padre determinou a publicação do correspondente Decreto sobre o milagre no dia 20 de Dezembro seguinte.
Em 26-II-02, o Papa presidiu a um Consistório Ordinário Público de Cardeais para aprovar as canonizações de vários beatos, entre as quais se encontrava a de Mons. Josemaría Escrivá, que ficou agendada para o dia 6 de Outubro de 2002.
(“Celebração Litúrgica”, 2002/03, 2 [Mar/Abr 03], pp. 514-517)
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Miguel Falcão
Nascido em 1939, formou-se em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico (Lisboa).
Em 1968 foi ordenado sacerdote, da Prelatura do Opus Dei.
Doutor em Direito Canónico, pela Universidade de Navarra (Espanha).
Tem publicado diversos estudos canonísticos.