Ordenação episcopal do Prelado do Opus Dei

Estudo de Valentín Gómez-Iglesias, professor de Direito Constitucional Canónico no Ateneu Pontifício da Santa Cruz, publicado na Romana n. 12, 1991.

1. Em 8 de Dezembro de 1990, Sábado, L'Osservatore Romano, na secção Nostre Informazioni incluía a seguinte notícia: «O Santo Padre nomeou Bispo titular de Vita, o Reverendíssimo Monsenhor Álvaro del Portillo, Prelado da Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei» [2].

A plenitude do sacerdócio ministerial foi conferida a Mons. Álvaro del Portillo precisamente em consideração pela sua missão eclesial de Prelado da Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei, prelatura de caráter pessoal e de âmbito internacional. Com efeito, ao ofício de Prelado do Opus Dei, que desempenha o novo Bispo, refere-se expressamente a bula pontifícia de nomeação, na qual o Santo Padre, depois de ter louvado as capacidades prelatícias de Mons. Álvaro del Portillo, formula em seguida o seguinte desejo: «que, de agora em diante, ainda com mais coração, te esforces sempre no desempenho das obrigações do teu ofício» [4].

A transformação do Opus Dei em Prelatura pessoal

2. Com a ordenação episcopal do seu Prelado, a Prelatura do Opus Dei não muda: desde o momento da sua ereção em 1982 está completa e vem desenvolvendo a sua própria missão com plena normalidade. Por isso a relação da Prelatura - e a dos seus fiéis, clérigos e leigos - com os Bispos do lugar não muda. Agora, como desde 1982 «o Opus Dei é uma prelatura pessoal que compreende ao mesmo tempo clérigos e leigos, para a realização de uma peculiar tarefa pastoral sob o regime de um Prelado próprio» [6].

3. Na parte que descreve a constituição apostólica Ut sit de 28 de novembro de 1982, relativa à ereção do Opus Dei em prelatura pessoal de âmbito internacional, João Paulo II descreve o acontecimento pastoral nascido do carisma fundacional concedido a Mons. Escrivá como «um organismo apostólico composto de sacerdotes e de leigos, tanto homens como mulheres, que é ao mesmo tempo orgânico e indiviso, isto é, dotado de unidade de espírito, de fim, de regime e de formação espiritual» [8]. Por isso a bula Ut sit refere que «àquele organismo apostólico foi necessário conferir-lhe uma configuração jurídica adequada, que corresponda às suas caraterísticas peculiares».

4. Por ocasião do trigésimo aniversário da fundação do Opus Dei, em 2 de outubro de 1958, Mons. Escrivá, numa carta dirigida aos membros do Opus Dei e enviada também a Paulo VI em 1964, sublinhou a inadequação e a falta de garantias da configuração jurídica, então em vigor, relativamente ao carisma primitivo, e indicou um programa de ação para se conseguir uma solução adequada: «Informarei a Santa Sé, no momento oportuno, dessa situação, dessa preocupação. E ao mesmo tempo manifestarei que desejamos ardentemente que seja proporcionada uma solução conveniente, que nem constitua para nós um privilégio - coisa que repugna ao nosso espírito e à nossa mentalidade - nem introduza modificações quanto às atuais relações com os Bispos das dioceses» [9].

Com efeito, desde 1960 em diante, começou a atuar de modo decidido, partindo de categorias e de estruturas do âmbito da jurisdição eclesiástica ordinária e já não, como sucedia nas precedentes etapas do iter jurídico, da normativa dos institutos de perfeição, que o havia obrigado a sublinhar constantemente a especificidade do Opus Dei e a sua diferenciação dos institutos religiosos. Em 9 de Abril de 1960 dirigiu uma consulta ao cardeal Domenico Tardini, Secretário de Estado, para que considerasse a possibilidade de propor ao Papa, dentro das estreitas margens do Código de Direito Canónico de 1917, uma revisão do estatuto jurídico na linha da fórmula da Prelatura nullius adotada para a Mission de France, e com a consequente dependência da Congregação Consistorial. O conselho do cardeal Tardini foi de deixar as coisas, naquele momento, como estavam, dado que era necessário esperar. Tinha-se dado um passo importante, comunicando de modo claro e sem rodeios os seus desejos de dar já uma solução ao problema institucional exposto, tendo em conta a experiência dos anos decorridos desde a fundação e as exigências do carisma fundacional [10].

5. Embora dando-se conta que nos inícios dos anos sessenta as circunstâncias não eram ainda propicias para uma aceitação favorável desta petição, Mons. Escrivá, aconselhado em tal sentido e com insistência, pelo cardeal Pietro Ciraci, que na qualidade de cardeal protetor seguia muito de perto a atividade do Opus Dei, apresentou ao Romano Pontífice a 7 de janeiro de 1962 uma petição formal de revisão do estatuto jurídico. A bula Ut Sit faz referência a este acontecimento quando expõe: «Foi o próprio Fundador do Opus Dei, no ano de 1962, quem pediu à Santa Sé, com humilde e confiada súplica, que tendo presente a natureza teológica e autêntica da Instituição, e para a sua maior eficácia apostólica, lhe fosse concedida uma configuração eclesial apropriada» [11].

A mencionada revisão do estatuto jurídico consistia na transformação do Opus Dei em prelatura com estatuto próprio, de acordo com o cânone 319, parágrafo 2, do Código de Direito Canónico. Mons. Escrivá estava bem consciente que a norma citada, que se referia só às Prelaturas nullius ou territoriais, não se poderia aplicar a não ser com uma interpretação ampla; por esta razão exprimiu o desejo que o estatuto adotasse uma solução análoga às jurisdições territoriais e pessoais que existiam naquela época. «A solução proposta - escrevia o Fundador em 8 de março de 1962 - não seria algo extraordinário, mas uma simples combinação entre os dois tipos de instituições interdiocesanas que agora dependem da S. Congregação [Consistorial], isto é, os Ordinariatos castrenses e a Mission de France» [12]. A configuração jurídica, que desde há tanto tempo, o Fundador entrevia era «algo semelhante aos Ordinariatos ou Vicariatos castrenses, compostos por sacerdotes seculares, com uma missão específica; e por leigos, que têm necessidade, pelas suas circunstâncias peculiares, de um tratamento jurídico eclesiástico e de uma assistência espiritual adequados»; mas a dependência dos Bispos não mudaria: «Não desejamos de modo algum que esta dependência se altere com a nova solução. A única alteração, neste aspeto, dar-se-ia em relação ao pequeno território da Prelatura: para tudo o mais, nihil immutetur». João XXIII mandou responder que a petição não podia ser bem acolhida, porque havia então dificuldades jurídicas quase insuperáveis. Numa carta de 25 de maio de 1962, Mons. Escrivá comunicou aos membros do Opus Dei que no momento oportuno voltaria a propor o problema à Santa Sé para obter «uma solução jurídica clara - apoiada no direito ordinário da Igreja, e não em privilégios - que definitivamente garanta a fidelidade à nossa vocação, que assegure e fortaleça o espírito do Opus Dei e a fecundidade dos nossos apostolados ao serviço da Igreja Santa, do Romano Pontífice e das almas».

6. A 24 de fevereiro de 1964, o fundador enviou a Paulo VI uma carta onde anexava, entre outros documentos, um Appunto de consciência em que manifestava o desejo de encontrar, sem pressas, uma solução jurídica definitiva para o problema institucional do Opus Dei. «Tal solução, lê-se, deveria buscar-se, naturalmente, no âmbito do direito comum»; e, referindo-se à petição de 1962, acrescentava: «já apresentei uns documentos que, com o tempo, poderiam talvez servir de base para resolver de modo claro e justo, o nosso problema espiritual e apostólico». Incluía também a carta antes citada de 2 de outubro de 1958 que, como já vimos, falava, na mesma linha, de uma solução não privilegiada e que respeitasse, sem modificar, as relações existentes com os Ordinários do lugar. Como pode ver-se, Mons. Escrivá é claro e insistente sobre estes últimos pontos. Voltou a aludi-los também numa carta de 15 de agosto de 1964 dirigida a Mons. Angelo Dell´Acqua, substituto da Secretaria de Estado, onde manifestava o desejo de «chegar a uma solução que não seja de exceção, nem de privilégio, mas que nos permita trabalhar de tal modo que os Revmos. Bispos, a quem amamos opere et veritate, estejam sempre contentes com o nosso trabalho; que os direitos dos Bispos continuem, como agora, bem firmes e seguros». Dois meses depois, a 10 de outubro, Mons. Escrivá foi recebido por Paulo VI: falou-se do problema institucional e ficou claro que era mais oportuno esperar pela conclusão do Concílio Vaticano II para encontrar uma solução jurídica definitiva, no âmbito do direito comum, e adequada ao carisma próprio do Opus Dei [13].

Refere-se precisamente ao Concílio Vaticano II, a bula Ut sit na sua parte expositiva com estas palavras: «Desde que o Concílio Ecuménico Vaticano II introduziu no ordenamento da Igreja, através do Decreto Presbyterorum Ordinis, n.10 - dotado de força executória pelo Motu próprio Ecclesiae Sanctae, I, n.4 - a figura das Prelaturas pessoais para a realização de peculiares tarefas pastorais, viu-se com clareza que tal figura se adaptava perfeitamente ao Opus Dei».

7. Em que sentido o Concílio Vaticano II concebe esta figura das prelaturas pessoais? As prelaturas pessoais são estruturas jurisdicionais para realizar funções pastorais específicas, em benefício de certas regiões ou grupos sociais, que desenvolvem, segundo formas do direito humano, a constituição hierárquica da Igreja. Os Padres conciliares, ao desejar estas prelaturas, partiram da Mission de France, erigida como prelatura nullius; esta era a única figura de prelatura reconhecida pelo Código de Direito Canónico então vigente. Os Padres Conciliares estavam conscientes das caraterísticas próprias destas novas prelaturas; caraterísticas que as distinguem das prelaturas territoriais. Por uma parte, o critério que as circunscreve é pessoal e não é territorial; por outra parte, a finalidade das prelaturas pessoais é a realização de uma pastoral especializada que levam a cabo no âmbito das igrejas locais, em perfeita coordenação com a pastoral ordinária e comum destas últimas; além disso, podem estar compostas por clero e fiéis leigos (conservando estes últimos o seu vínculo com a igreja local, além do vínculo que os liga à prelatura), ou apenas por clero [14].

Com esta nova figura, delineada nos documentos do Concílio Vaticano II e nas normas de aplicação promulgadas por Paulo VI [15], abria-se, finalmente, a via canónica no âmbito do direito comum para dotar o Opus Dei de uma configuração jurídica adequada ao seu carisma fundacional, que assegurasse a unidade de espírito, de fim, de regime e de formação espiritual, e que ao mesmo tempo salvaguardasse, obedecendo às exigências da comunhão eclesial, os direitos dos Ordinários do lugar: a Prelatura pessoal, dirigida para a realização de tarefas pastorais peculiares; e «viu-se com clareza que tal figura se adaptava perfeitamente ao Opus Dei», lê-se na constituição apostólica Ut sit.

8. Em 11 de junho de 1969, a Santa Sé, acolhendo a petição do fundador, «autorizou-o - lê-se na citada constituição apostólica - a convocar um Congresso Geral especial que, sob a sua direção, se encarregasse de iniciar o estudo para uma transformação do Opus Dei de acordo com a sua natureza e com as normas do Concílio Vaticano II». Mons. Escrivá entendeu o Congresso [16] , como uma profunda reflexão de todo o Opus Dei, em união com o fundador, sobre a sua própria natureza e sobre as suas próprias caraterísticas, tendo em conta os quarenta e um anos de vida e a sua extensão por tantos países dos cinco continentes. Tratava-se de realizar um grande esforço de síntese, para mostrar que o ensinamento do fundador se havia enraizado nos diversos lugares e épocas; por outras palavras, o Congresso devia delinear com traço seguro as caraterísticas próprias do Opus Dei, caraterísticas que na futura configuração jurídica teriam de encontrar um caminho adequado para serem atendidas,

Nas conclusões do Congresso, aprovadas a 14 de setembro de 1970, os congressistas exprimiram «a unânime convicção que na revisão do direito particular do Opus Dei é absolutamente necessário que seja reafirmada a importância constitucional da perfeita unidade da Obra: por incluir sócios sacerdotes e leigos, não formam classes distintas e permite realizar um serviço à Igreja universal solidamente apoiado nesta inseparável unidade de vocação, de espiritualidade e de regime». E é por esta unidade orgânica - reafirmada como constitucional - que os congressistas, nas conclusões finais, salientaram que fosse solicitada, de novo e no momento oportuno, uma configuração jurídica adequada «baseada nas novas perspetivas jurídicas que haviam aberto as disposições e as normas de aplicação dos Decretos conciliares». Já Mons. Escrivá, numa carta enviada a 22 de outubro de 1969 ao cardeal Ildebrando Antoniutti para o informar sobre os trabalhos realizados até àquele momento, declarou que o Congresso constatou «com profundo sentimento de gratidão e de esperança que, depois do Concílio Ecuménico Vaticano II, podem existir, dentro do ordenamento da Igreja, outras formas canónicas, com regime de caráter universal, que não requerem a profissão dos conselhos evangélicos por parte dos que integram essas pessoas morais». A seguir, esclarecia na carta a que formas canónicas queria referir-se, remetendo expressamente para o decreto Presbyterorum Ordinis, n.10 e para o Motu próprio Ecclesiae Sanctae, n.4: isto é, para os documentos em que se trata das prelaturas pessoais [17].

9. Os estudos para a transformação [19] ,- lê-se na bula Ut sit - para que, depois de haver considerado atentamente todos os dados, tanto de direito como de facto, submetesse a exame, a petição formal que havia sido apresentada pelo Opus Dei».

O cardeal Sebastiano Baggio, prefeito da Congregação para os Bispos, na primeira página do «L´Osservatore Romano» de 28 de novembro de 1982, num artigo - «Un bene per tutta la Chiesa» - comentando o ato pontifício da ereção da Prelatura do Opus Dei, ocorrida naquela mesma data, referia-se ao «longo iter de estudo e de consultas que havia precedido esta histórica decisão do Santo Padre», revelando que «tinham sido necessários três anos e meio de assíduo trabalho, desde 3 de março de 1979, dia em que João Paulo II encarregou a Sagrada Congregação para os Bispos (competente para a ereção das Prelaturas pessoais, segundo a normativa da Constituição Apostólica Regimini Ecclesiae Universae, número 49 § 1) a tarefa de examinar a possibilidade e a modalidade de ereção da primeira Prelatura pessoal, indicando que em tal tarefa se deviam ter bem em conta "todos os dados de direito e de facto"». O cardeal expunha as quatro etapas do estudo desenvolvido naqueles anos e acrescentava: «O Concílio recordou, parafraseando o ensinamento de São Paulo aos Efésios (4, 16), que "o organismo social da Igreja serve ao Espírito de Cristo que a vivifica, para o crescimento do corpo" (Lumen gentium, 8). Pode afirmar-se que assim foi uma vez mais. De facto, como foi uma necessidade de desenvolvimento e de crescimento, uma razão eminentemente apostólica e pastoral, a que configurou a instituição jurídica das Prelaturas pessoais, assim foi também o fim primário do ato pontifício com que é hoje formalmente erigida a Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei: converter em realidade viva e operativa uma nova estrutura eclesiástica preestabelecida pelo Concílio, mas que havia permanecido até agora como uma mera possibilidade teórica». Por isso, o subsecretário da Congregação para os Bispos, no mesmo jornal e na mesma data, podia afirmar que o ato pontifício da ereção da primeira prelatura pessoal constituía «um marco histórico no caminho do desenvolvimento promovido pelo Concílio dentro do campo doutrinal e jurídico» [20].

10. O processo de constituição formal da prelatura teve lugar numa série sucessiva de atos jurídicos [22].

Ao mesmo tempo tinha lugar a fase final da revisão do Código de Direito Canónico. A promulgação do Código (25 de janeiro de 1983), que incluía na lei geral da Igreja a figura das prelaturas pessoais [23], e a etapa final do processo que instituiu a primeira destas prelaturas com a promulgação dos documentos correspondentes (19 de março e 2 de maio de 1983), vinham a coincidir no tempo como dois momentos de atuação e execução de uma nova estrutura jurisdicional e pastoral, desejada pelo Concílio Vaticano II, que encontrava assim a sua confirmação legislativa geral, no Código de Direito Canónico, e a sua aplicação concreta na Prelatura do Opus Dei, através da vontade legislativa (universal e particular) do próprio Romano Pontífice.

A 28 de junho de 1988, na constituição apostólica Pastor Bonus sobre a Cúria Romana, o próprio João Paulo II reafirmava no artigo 80, a competência da Congregação para os bispos sobre as prelaturas pessoais [24].

11. Os dados que aqui se elencam manifestam uma inequívoca linha de continuidade, desde o Concílio Vaticano II, sobre a natureza da prelatura pessoal como estrutura jurisdicional da organização hierárquica da Igreja para a realização de peculiares tarefas pastorais. Esta nova estrutura desejada pelo Concílio Ecuménico Vaticano II em 1965 [27]. Esta é a configuração jurídica querida para o Opus Dei por Mons. Escrivá e solicitada pelo seu sucessor Mons. Álvaro del Portillo. João Paulo II aceita-a, em termos gerais, no novo Código de Direito Canónico e convertê-la-á em realidade viva e operativa transformando o Opus Dei em prelatura pessoal. O próprio Romano Pontífice reafirmará a competência da Congregação para os bispos sobre as prelaturas pessoais na constituição apostólica Pastor Bonus numa linha de perfeita continuidade com os atos pontifícios precedentes, plenamente fiéis ao decretado pelo concílio.

Conveniência da ordenação episcopal

12. A Igreja, partindo dos núcleos originários de direito divino e mantendo-os sempre intangíveis, auto-organiza-se em função da própria missão salvífica: auto-organização que se manifesta nos distintos desenvolvimentos de direito eclesiástico que a própria Igreja implementa na história para responder sempre às necessidades dos homens. De modo concreto, o sucessor de Pedro, enquanto moderador supremo da jurisdição da Igreja ao serviço da unitas fidei et communionis, movido pela peculiar e própria sollicitudo omnium ecclesiarum realiza alguns destes desenvolvimentos, dando lugar a estruturas pastorais específicas. As prelaturas pessoais, desde o momento da sua previsão na legislação conciliar - como já vimos - inscrevem-se nesse quadro dos desenvolvimentos organizativos da constituição hierárquica da Igreja ratione apostolatus, in bonum commune totius Ecclesiae [28].

Estas novas estruturas hierárquicas instituídas pelo Papa e dotadas de leis pontifícias especiais ou Statuta, são confiadas ao governo de um Prelado, Ordinário próprio [31], por isto e por quanto foi dito até aqui, é plenamente conveniente a ordenação episcopal do prelado das prelaturas pessoais.

13. Que o prelado receba a plenitude do sacerdócio ministerial não só é oportuno, mas também é conveniente, porque introduz sacramentaliter ao titular de um cargo de governo, com função e potestade vere episcopales e exercitadas ad instar Episcopi, no órgão específico da communio hierarchica dos pastores da Igreja, isto é, o Colégio dos Bispos; e porque o bispo prelado se situa na relação sacramental de communio, com os bispos diocesanos das Igreja locais, onde a prelatura desenvolve a própria missão pastoral.

Como justamente se fez notar, dentro da variedade dos possíveis tipos de prelaturas pessoais, esta conveniência é mais evidente nas prelaturas que têm um clero próprio incardinado e um laicado incorporado que recebe do clero prelatício a específica atenção pastoral; é ainda mais evidente se o clero incardinado e o laicado incorporado concorrem juntos para a realização de uma tarefa específica de natureza pastoral e apostólica, em orgânica e mútua cooperação, sob a orientação do prelado. Conveniência que é particularmente evidente nos casos em que, além disso, o prelado erige o seminário internacional e propõe os candidatos para a Ordem sagrada, incardinando-os ao serviço da prelatura: a ordenação dos diáconos e dos sacerdotes por parte do prelado seria, neste caso, uma manifestação mais plena da estrutura interna da communio sacramentalis que está subjacente na jurisdição da prelatura personificada no prelado; no mais profundo do ministerium destes diáconos e sacerdotes ficaria inscrita sacramentaliter a comunhão com o Romano Pontífice, a comunhão com o seu prelado e a comunhão com o bispo da igreja local em que se realiza e se insere a sua atividade pastoral [32].

14. É este, precisamente, o caso da Prelatura do Opus Dei, que constitui efetivamente uma realidade de vida cristã, em cerca de trezentas igrejas locais dos cinco continentes; realidade de vida cristã estruturada como uma unidade orgânica e indivisa, dotada de unidade de espírito, de fim, de regime e de formação. O Opus Dei constitui um fenómeno pastoral específico, surgido do carisma fundacional de Mons. Escrivá, a que a Igreja estendeu a organização eclesiástica ordinária transformando-o em prelatura de caráter pessoal e de âmbito internacional «que compreende por sua vez clérigos e leigos, para a realização de uma peculiar tarefa pastoral sob o regime de um Prelado próprio» [38].

Prelado, clérigos incardinados e leigos incorporados [40].

15. Iniciámos estas páginas afirmando que com a ordenação episcopal do seu Prelado, a Prelatura do Opus Dei não muda; e não muda, por isso, a relação da Prelatura e dos seus fiéis com os Ordinários locais, conforme previsto e repetidamente manifestado pelo fundador. Mons. Álvaro del Portillo recebeu a plenitude do sacerdócio ministerial, porque o episcopado é particularmente conveniente para a sua função eclesial de Prelado do Opus Dei [41]. A ordenação episcopal incorpora-o ao Colégio dos Bispos com as particulares consequências que daí derivam. A partir daí o Bispo Prelado terá também a faculdade de conferir a Ordem sagrada, em particular aos candidatos promovidos por ele: isto constitui uma importante novidade. Outra consequência notável é a nova força sacramental da sua sollicitudo omnium Ecclesiarum: sobre o Bispo Prelado recai de modo peculiar, como sobre cada membro do Colégio Episcopal, cum Petro et sub Petro, e em íntima comunhão sacramental com todos os bispos, a responsabilidade de toda a Igreja na sua dimensão universal e particular.

Mons. Álvaro del Portillo, em 7 de janeiro de 1991, na já mencionada concelebração eucarística por ocasião da sua ordenação episcopal, pronunciou, entre outras, as seguintes palavras: «A data de ontem traz-me à memória outro aniversário, cuja recordação está impressa no meu coração. Refiro-me ao 28 de novembro de 1982, dia em que o Papa erigiu o Opus Dei em Prelatura pessoal: essa decisão pontifícia marcou o fim do longo caminho jurídico da Obra, que é uma página da história da Igreja escrita pelo nosso Fundador, sob o amparo da Santíssima Virgem, com a sua heróica fidelidade à missão divina recebida». E acrescentava: «A ordenação episcopal do Prelado traz consigo um grande bem espiritual para a Prelatura do Opus Dei, e, ao mesmo tempo, significa uma nova confirmação da Santa Sé sobre a natureza jurídica como estrutura jurisdicional da Igreja. O episcopado confere uma nova graça sacramental ao Pastor da Prelatura, e reforça sacramentalmente, a sua união com o Papa e com os Bispos. Convido-vos a continuar a rezar em cada dia pela Hierarquia da Igreja, amando, sinceramente, a todos os seus membros» [42].


[1]L'Osservatore Romano, 8-XII-1990, p. 1.

[2] Cf. L'Osservatore Romano, 7-8 de janeiro de 1991, pp. 1, 4 y 5.

[3]«Joannes Paulus Episcopus Servus Servorum Dei dilecto filio Alvaro del Portillo, Sanctæ Crucis et Operis Dei Prælato, electo Episcopo titulo Vitensi, salutem et Apostolicam Benedictionem. Cum constet Ecclesiam titulo Vitensem ob obitum Venerabilis Fratris Francisci Orozco Lomelín, bo. me., vacare, novus sacrorum Antistes iam est eligendus, qui sedis illius episcopalis titulo decoretur. Vi igitur et potestate Nostra Apostolica harumque Litterarum virtute Nos Te, dilecte Fili, cuius Prælaticiæ quidem enitescunt dotes, et ad ordinem episcopalem evehimus et Ecclesiæ Vitensis titulo exornamus, officiis iuribusque factis cum aucta dignitate cohærentibus. Inde fit, ut curæ Tibi habeas professionem fidei coram S.R.E. Cardinali Congregationis pro Episcopis Præfecto nuncupare, iustamque erga Nos Nostrosque Successores fidelitatem coram S.R.E. Cardinali Protodiacono rite iurare. Quibus antepositis ad ordinationem episcopalem accedere liberum Tibi erit, quam ad mensem in sacra Basilica Petriana a Nobis ipsis accipies ipsa in Sollemnitate Epiphaniæ Domini. De cetero nihil aliud hic restat, nisi ut, publice hac tui in Apostolorum successores cooptatione iis nuntiata quorum interest, posthac vel maiore provectus animo omnes partes officii tui implere usque contendas, — in omnibus teipsum præbens exemplum bonorum operum — Tit 2,7. Quod cum sit in votis, Deum deprecamur, ut assit Tibi semper suaque Te gratia benignissimus confirmet. Datum Romæ, apud S. Petrum, die septimo mensis Decembris, anno Domini millesimo nongentesimo nonagesimo, Pontificatus Nostri tertio decimo.— Ioannes Paulus Pp. II.— Franciscus Chiaurri. Proton. Apost.».

[4] No dia seguinte à sua ordenação episcopal, Mons. Álvaro del Portillo referiu-se a este lema na Basílica de Santo Eugénio a Valle Giullia, durante a solene concelebração eucarística com o Vigário-Geral e outros Vigários da Prelatura vindos a Roma: «Este lema - Regnare Christum volumus! - reflete o mais vivo desejo do nosso Fundador e também, inequivocamente, a razão de ser do Opus Dei. A Igreja é o Reino de Cristo que se vai realizando ao longo da história e só no fim dos tempos alcançará a sua plenitude. Por isso, quando repetimos queremos que Cristo reine! queremos enfatizar o desejo, a vontade decidida e a prática de contribuir para a edificação da Igreja sobre a sólida rocha de Pedro (cf. Mt. 13, 18-19, Evangelho da Missa), com o espírito e os meios queridos por Deus para os membros do Opus Dei.

O espírito da Obra chama-nos a buscar a santidade e a exercitar o apostolado no meio do mundo, no trabalho profissional e nas relações familiares e sociais, comprometendo-nos, entre outras coisas, a construir uma sociedade justa, digna da pessoa humana e da sua liberdade. Os meios que utilizamos são, sobretudo, a oração e os sacramentos: uma sólida vida interior fundamentada na filiação divina e apoiada por uma constante e esmerada formação espiritual e doutrinal» (Texto original italiano em Romana 12 [1991/1] 129 -132).

[5]Codex iuris particularis Operis Dei (Statuta de la Prelatura del Opus Dei), n. 1.

[6] Congregação para os Bispos, Decl. Prælaturæ personales, 23-VIII-1982, IV, c): AAS 75 (1983) 464-468.

[7] Cf. Const. Ap. Ut sit, pars narrativa: ibid. 423-425.

[8] Sobre las etapas do iter jurídico do Opus Dei, vid. A. DE FUENMAYOR, V. GÓMEZ-IGLESIAS, J.L. ILLANES, El itinerario jurídico del Opus Dei. Historia y defensa de un carisma, 4ª ed., Pamplona 1990.

[9] Cf. El itinerario jurídico..., cit., pp. 563-565.

[10] Cfr. El itinerario jurídico..., cit., pp. 323-327.

[11] Sobre esta petición de 1962, cf. El itinerario jurídico..., cit., pp. 332-338.

[12]E a 12 de abril do mesmo ano de1962 afirmava: «A solução não é nova [...]; Recorde-se o exemplo dos Ordinariatos castrenses e da Mission de France: os primeiros para a assistência espiritual de grupos de pessoas, que se encontram em condições peculiares; a segunda, para a realização de um apostolado específico».

[13] Cf. El itinerario jurídico..., cit., pp. 350-353.

[14] Cf. P. LOMBARDÍA-J. HERVADA, Sobre Prelaturas personales in Ius Canonicum, 27 (1987) 17 ss. Sobre a natureza jurídica das Prelaturas pessoais, vid. G. LO CASTRO, Las Prelaturas personales. Perfiles jurídicos, Pamplona 1991, p. 169 ss. (Tradução de Le Prelature personali. Profili giuridici, Milano 1988, p. 147 ss).

[15] Motu proprio Ecclesiæ Sanctæ, I, 4 (6-VIII-1966): AAS 58 (1966) 760-761.

[16] Sobre el Congreso General Especial, vid. El itinerario jurídico..., cit., pp. 363-417 y 584-585.

[17] Cfr. El itinerario jurídico..., cit., pp. 581-583.

[18] Sobre o significado do termo "transformação", que se utiliza em duas ocasiões na pars narrativa da const. ap. Ut sit, vid. J.L. GUTIÉRREZ, Unidad orgánica y norma jurídica en la Constitución Apostólica "Ut sit": vid. pp. xxx deste livro (tradução de Unità organica e norma giuridica nella Costituzione apostolica "Ut sit": "Romana", 2 (1986/1) 349 ss).

[19] Paulo VI, um ano depois de haver promulgado o motu próprio Ecclesiæ Sanctæ, na Const. ap. Regimini Ecclesiæ universæ (15-VIII-1967), n. 49, confiou à Congregação para os bispos a competência geral sobre as estruturas pastorais da organização hierárquica da Igreja e também sobre os seus prelados, incluindo as prelaturas pessoais entre as mencionadas estruturas hierárquicas (AAS, 59 [1967] 901).

[20]M. COSTALUNGA, L'erezione dell'Opus Dei in Prelatura personale: L'Osservatore Romano, 28-XI-1982, p. 3.

[21] Sobre os passos do processo institutivo da Prelatura do Opus Dei, vid, El itinerario jurídico...,cit., pp. 442-454.

[22] A Decl. Prælaturæ personales e a Const. Ap. Ut sit publicaram-se na forma acostumada em Acta Apostolicæ Sedis, fascículo do 2 de maio de 1983: AAS 75 (1983) 464-468 e 423-425.

[23] O Código de Direito Canónico regula as prelaturas personales nos cânones 294-297. Na última revisão do projeto do Codex, os cânones sobre as prelaturas pessoais foram transpostos da secção II da parte II do livro De populo Dei para a parte I do mesmo livro. Esta mudança sistemática — como la maioria da doutrina pôs em relevo — no pretendeu outra coisa que evitar a confusão das prelaturas pessoais com as igrejas locais, sem negar em nada o caráter jurisdicional e hierárquico que o Concílio Vaticano II e as suas normas aplicativas haviam delineado para estas novas estruturas da organização da Igreja. Vid. G. LO CASTRO, Las Prelaturas personales. Perfiles jurídicos, cit., e a bibliografia que ali se menciona.

[24]AAS, 80 (1988), p. 880.

[25] Decreto Presbyterorum Ordinis, n. 10.

[26] Motu proprio Ecclesiæ Sanctæ, I, 4.

[27] Const. Ap. Regimini Ecclesiæ universæ, n. 49 § 1.

[28]Vid. A. DE FUENMAYOR, Potestad primacial y prelaturas personales, en Escritos sobre prelaturas personales, 2º ed., Pamplona 1992, pp. 147-161 (Vid. também as pp. xxxx deste livro).

[29] Motu proprio Ecclesiæ Sanctæ, I, 4; CIC c. 295.

[30] Já no Annuario Pontificio para o ano 1983, nas notas históricas sobre as prelaturas pessoais, lia-se: «Para a realização das suas peculiares iniciativas pastorais, tais Prelaturas têm sempre um prelado, Ordinário próprio, com ou sem caráter episcopal» (vid. Annuario Pontificio 1983, p. 1522).

[31] Vid. J.I. ARRIETA, L'atto di erezione dell'Opus Dei in Prelatura personale: "Apollinaris" 56 (1983) 100-102.

[32] Cfr. P. RODRÍGUEZ, Iglesias particulares y Prelaturas personales, 2ª ed., Pamplona 1986, p. 215-217.

[33]Codex iuris particularis Operis Dei, n. 1 § 1 (pode consultar-se em: El itinerario jurídico..., cit., pp. 628-657).

[34]Ibid., n. 125 § 1.

[35]Ibid., n. 1 § 2.

[36]Ibid., n. 36.

[37] DeclaratioPrælaturæ personales, III, c).

[38]Codex iuris particularis Operis Dei, n. 38.

[39] Quando Mons. Álvaro del Portillo foi elevado ao episcopado, os fiéis da Prelatura eram os seguintes: 1.385 sacerdotes incardinados, dos quais 39 foram ordenados no ano anterior, e 74.710 leigos incorporados (Annuario Pontificio 1991, p. 1113).

[40]Codex iuris particularis Operis Dei, n. 4 § 2.

[41] Sobre os motivos teológicos da conveniência desta ordenação, vid. F. OCÁRIZ, Reflexiones teológicas sobre la ordenación episcopal del Prelato del Opus Dei: "Palabra" 310 (1991/II) 92 ss.