O Prelado na festa de S. Josemaria: Deus “não deixa de amar-nos quando nos enganamos”

Homilia de Mons. Fernando Ocáriz por ocasião da festa de São Josemaria, na Basílica de Santo Eugénio (Roma).

Homilia na festa de São Josemaria

Na festa de hoje, e à luz das leituras da Missa, podemos considerar dois aspetos da vida de São Josemaria que nos mostram como era a sua relação com Deus: a filiação divina e a santificação do trabalho.

Filiação divina

«Não recebestes um espírito de escravidão para recair no temor –afirma São Paulo numa das leituras que acabamos de ouvir–, mas um Espírito de adoção filial, pelo qual exclamamos: “Abba, Pai!”» (Rm 8, 15). Pelo Batismo, somos filhos de Deus em Cristo, e isto supõe uma nova maneira de ver Deus, marcada pelo amor, pela confiança e simplicidade, que são as atitudes próprias de um filho para com o seu pai.

Saber que temos um Pai que nos ama infinitamente permite-nos levar uma vida alegre e plena, e leva-nos também a iluminar todos os âmbitos da nossa existência a partir desse amor, confiança e simplicidade, mesmo no meio das dificuldades ou quando experimentamos com mais força os nossos defeitos. Deus ama-nos pelo que somos – seus filhos –, e não pelo que fazemos, pelo que conseguimos. E, ao mesmo tempo, não deixa de amar-nos quando nos enganamos. Como recorda o Papa: Deus abraça-nos «sempre, sempre, sempre, depois das nossas quedas, ajudando-nos a levantar e ficar de pé» (Discurso, 26/01/2019). A nossa vida é um contínuo regresso à casa do Pai, como o filho pródigo, sabendo que Ele nos espera de braços abertos.

Por isso, não há nada de mais oposto à nossa condição de filhos de Deus do que o medo. «Um filho de Deus – dizia São Josemaria – não tem medo da vida nem medo da morte, porque o fundamento da sua vida espiritual é o sentido da filiação divina: Deus é meu Pai, pensa, e é o Autor de todo o bem, é toda a Bondade» (Forja, n. 987).

Isto não significa que não nos afetem os golpes que recebemos ou os altos e baixos que encontramos na vida. Quando surge um problema familiar, uma doença ou um contratempo económico é normal que, sobretudo num primeiro momento, se sinta uma certa vertigem. Algo de parecido pode suceder-nos ao contemplar a situação do mundo. Como não recordar na nossa oração, entre tantas necessidades, a guerra entre a Ucrânia e a Rússia ou a situação terrível na Terra Santa?

Misa de san Josemaría en Roma

A fragilidade que sentirmos na nossa vida e a instabilidade da paz no mundo podem ser, ao mesmo tempo, uma ajuda para a nossa fortaleza, se nos levarem a acolher-nos ao amor que nunca falha, a essa rocha que é muito mais sólida do que a que podem oferecer-nos as realidades terrenas. «Refugia-te na filiação divina, recomendava o Fundador do Opus Dei. Deus é teu Pai amantíssimo. Esta é a tua segurança, o ancoradouro onde lançar a âncora, aconteça o que acontecer na superfície deste mar da vida. E encontrarás alegria, força, otimismo, vitória!» (Via Sacra, VII estação, n. 2).

Santificação do trabalho

Na primeira leitura recordámos outra passagem que nos fala do desígnio de Deus sobre o mundo. Trata-se do trecho que relata como Deus criou o homem «e o colocou no jardim do Éden, para o cultivar e guardar» (Gn 2, 15). É bonito poder considerar outra vez que o trabalho – o que ocupa uma boa parte do nosso tempo – é algo maravilhoso. Por vezes, parece que nos arrasta –porque não gostamos de uma tarefa, ou se complica, ou porque simplesmente estamos cansados –; contudo, o texto do Génesis recorda-nos que o trabalho não é consequência do pecado original: desde a sua origem, o homem tem a honra de participar na construção de um mundo melhor através do seu trabalho. O próprio Cristo passou a maior parte da sua vida desempenhando um ofício. Esses anos de trabalho contribuíram também para a nossa redenção. Jesus mostra-nos assim que qualquer tarefa pode conter um valor mais profundo do que se pode apreciar humanamente.

São Josemaria costumava repetir que a grandeza do trabalho depende do amor com que se realiza. Um amor que se manifesta na atenção aos detalhes, no empenho por servir os outros, no sorriso perante todas as pessoas, no profissionalismo com que desempenhamos as nossas tarefas… E tudo isso com o desejo principal de dar glória a Deus e de servir os outros, que são também filhos do mesmo Deus. «Por isso, o homem não pode limitar-se a fazer coisas, a construir objetos, comentava São Josemaria. O trabalho nasce do amor, manifesta o amor, ordena-se ao amor. Reconhecemos Deus não só no espetáculo da Natureza, mas também na experiência do nosso próprio trabalho, do nosso esforço. O trabalho é, assim, oração, ação de graças, porque nos sabemos colocados por Deus na terra, amados por Ele, herdeiros das suas promessas» (Cristo que passa, n. 48).

Recorramos à intercessão materna de Santa Maria, pedindo-Lhe que nos ajude a saber-nos e sentir-nos sempre filhos prediletos de Deus e a encontrar o Seu Filho no nosso trabalho feito por amor.

Assim seja.