O Natal 2009 de Bento XVI

Neste artigo podem ler-se textos das pregações de Bento XVI nestes dias de Natal.

"Os Magos, modelo do saber iluminado pela fé" (6.01.2010)

Os Magos descobriram “um novo rosto de Deus, uma nova realeza, a do amor”, afirmou Bento XVI, na introdução da oração mariana do Angelus com os peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.

Na solenidade da Epifania, em que se celebra o “mistério da Manifestação do Senhor a todos os povos, representados pelos Magos, vindos do Oriente para adorar o Rei dos Judeus”, o Papa recordou como de acordo com o Evangelho de São Mateus chegaram a Jerusalém seguindo uma estrela, “avistada e interpretada como sinal do nascimento do Rei anunciado pelos profetas, ou seja, o Messias”.

“No entanto, chegados a Jerusalém, os Magos necessitaram das indicações dos sacerdotes e dos escribas para conhecer exactamente o local onde se dirigir, ou seja, Belém, a cidade de David”.

Pese embora serem “sábios, que perscrutavam os astros e conheciam a história dos povos” e “observavam o cosmos considerando-o quase um grande livro cheio de sinais e de mensagens divinas para o homem”, não se envergonharam de “pedir instruções aos chefes religiosos dos judeus”, observa o Pontífice.

“Poderiam ter dito: façamo-lo sozinhos, não necessitamos de ninguém, evitando, de acordo com a nossa mentalidade actual, toda a “contaminação” entre a ciência e a Palavra de Deus”.

“Pelo contrário os Magos escutam as profecias e acolhem-nas e, mal voltam a pôr-se a caminho para Belém, vêm novamente a estrela, quase como uma confirmação de uma perfeita harmonia entre a pesquisa humana e a Verdade divina, uma harmonia que encheu de alegria os seus corações de sábios verdadeiros”.

 

O cume do seu itinerário de pesquisa, acrescentou Bento XVI, foi quando se encontraram diante "do Menino com Maria Sua mãe" e “prostrando-se, O adoraram".

“Poderiam ter ficado desiludidos, mais ainda, escandalizados. Pelo contrário, como verdadeiros sábios, abriram-se ao mistério que se manifesta de modo surpreendente e com os seus dons simbólicos demonstraram que reconheciam em Jesus o Rei e o Filho de Deus”.

Um último detalhe confirma, acrescenta, a “unidade entre inteligência e fé”: o facto de que “advertidos em sonhos de que não voltassem a Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho".

Segundo o Papa, “teria sido natural voltar a Jerusalém, ao palácio de Herodes e ao Templo, para proclamar a sua descoberta”. Em vez disso, os Magos, “que elegeram como soberano o Menino, guardam-no escondendo-o, segundo o estilo de Maria, ou melhor do próprio Deus e, tal como tinham aparecido, desapareceram no silêncio, apagados, mas também mudados depois do encontro com a Verdade”.

“Tinham descoberto um novo rosto de Deus, uma nova realeza: a do amor. Que a Virgem Maria, modelo de verdadeira sabedoria, nos ajude a ser pesquisadores autênticos da verdade de Deus, capazes de viver sempre a profunda sintonia que há entre a razão e a fé, entre a ciência e a revelação”.

 

“Os Magos, mestres de humildade”

Os Magos foram os primeiros da longuíssima fila dos que souberam encontrar Cristo na sua própria vida e que conseguiram chegar Àquele que é a luz do mundo, porque tiveram humildade e não confiaram, apenas, na sua própria sabedoria.

Assim o afirmou Bento XVI na Solenidade da Epifania do Senhor, durante a celebração da Missa na Basílica do Vaticano.

Chegaram a Belém, explicou, “não os poderosos e os reis da terra, mas uns Magos, personagens desconhecidos, quiçá vistos com desconfiança, mas, em todo o caso, indignos de particular atenção”.

“Estes personagens procedentes do Oriente não são os últimos, mas os primeiros da grande procissão daqueles que, através de todas as épocas da história, sabem reconhecer a mensagem da estrela, sabem caminhar pelos caminhos indicados pela Sagrada Escritura e sabem encontrar, assim, Aquele que é aparentemente débil e frágil, mas que é capaz de dar a maior e mais profunda alegria ao coração do homem”, recordou o Papa.

“N’Ele, de facto, manifesta-se a realidade magnífica de que Deus nos conhece e está perto de nós, de que a Sua grandeza e poder não se expressam na lógica do mundo, mas na lógica de um menino inerme, cuja força é apenas a do amor que se nos confia”.

Os dons dos Magos, acto de justiça

O Papa recordou que os Magos levaram a Jesus como presentes ouro, incenso e mirra. “Não são certamente dons que respondam a necessidades primárias”, admitiu, sublinhando que naquele momento “a Sagrada Família teria tido, certamente, muito mais necessidade de algo diferente de incenso e de mirra e mesmo o ouro não lhe poderia ser imediatamente útil”.

Estes dons, no entanto, “têm um significado profundo, são um acto de justiça”, afirmou.

De acordo com a mentalidade oriental, “representam o reconhecimento de uma pessoa como Deus e Rei, quer dizer, são um acto de submissão”.

“A consequência que daí deriva é imediata. Os Magos não podem já prosseguir pelo seu caminho”, explicou, “Foram levados para sempre ao caminho do Menino, o que os fará desinteressar pelos grandes e poderosos deste mundo e levá-los-á Àquele que nos espera entre os pobres, o caminho do amor que por si só pode transformar o mundo”.

“Portanto, os Magos não só se puseram a caminho mas, a partir daquele momento começaram algo novo, traçou-se uma nova via, desceu ao mundo uma luz nova que não se apagou”.

Essa luz, acrescenta o Papa, “não pode já ser ignorada no mundo; os homens mover-se-ão até àquele Menino e serão iluminados pela alegria que só Ele sabe dar”.

A importância da humildade

No entanto, destacou o Papa, embora os poucos de Belém que reconheceram o Messias converteram-se em muitos ao longo da história, “os crentes em Jesus Cristo parecem ser sempre poucos”.

“Muitos viram a estrela, mas são poucos os que perceberam a sua mensagem”, constatou.

“Qual é a razão pela qual uns vêm e encontram e outros não? O que é que abre os olhos e o coração? O que é que falta aos que permanecem indiferentes, aos que indicam o caminho mas não se movem?”, pergunta-se o Papa.

O obstáculo que o impede, explicou o Papa, é “a demasiada segurança em si mesmos, a pretensão de conhecer perfeitamente a realidade, a presunção de ter já formulado um juízo definitivo sobre as coisas tornando os seus corações fechados e insensíveis à novidade de Deus”.

 

“O que falta é a humildade autêntica, que sabe submeter-se ao que é maior, mas também o valor autêntico, que leva a acreditar no que é verdadeiramente grande, embora se manifeste num Menino inerme”.

Falta, acrescentou, “a capacidade evangélica de ser meninos no coração, de assombrar-se e de sair de si para se dirigir para o caminho que a estrela indica, o caminho de Deus”.

“O Senhor, no entanto, tem o poder de nos tornar capazes de ver e de nos salvar”, concluiu o Papa, pedindo para os fiéis “um coração sábio e inocente, que nos permita ver a estrela da Sua misericórdia, nos oriente no Seu caminho, para O encontrar e sermos inundados pela grande luz e pela verdadeira alegria que Ele trouxe a este mundo”.

"A nossa esperança está em Deus, que nos guia para o Seu Reino" (3.01.2010)

"Neste Domingo – o segundo depois do Natal e primeiro do ano novo – alegra-me poder renovar a cada um de vós os meus desejos de todo o bem no Senhor!", disse o Papa antes de rezar o Angelus com os fiéis congregados na Praça de São Pedro.

 

”Não faltam problemas – disse o Santo Padre – nem na Igreja nem no mundo, bem como na vida quotidiana das famílias. Mas, graças a Deus, a nossa esperança não tem em conta os improváveis prognósticos, nem sequer, mesmo que sejam importantes, as previsões económicas". 

 

Bento XVI assegurou que "a nossa esperança está em Deus, não no sentido de uma genérica religiosidade, ou de um fatalismo encoberto de fé. Nós confiamos no Deus que em Jesus Cristo revelou de maneira completa e definitiva a Sua vontade de estar com o homem, de partilhar a sua história, para nos guiar a todos para o Seu Reino de amor e de vida. É esta a grande esperança que anima e por vezes corrige as nossas esperanças humanas".

"É esta – continuou – a verdadeira razão de esperança da humanidade; a história tem um sentido, porque está "habitada" pela Sabedoria de Deus. E, no entanto, o desígnio divino não se cumpre automaticamente, porque é um projecto de amor e o amor gera e exige liberdade. O Reino de Deus vem seguramente; mais, já está presente na história e, graças à vinda de Cristo, venceu já a força negativa do maligno. Mas cada homem e cada mulher é responsável por acolhê-Lo na própria vida, um e outro dia. Por isso, também 2010 será mais ou menos "feliz" na medida em que cada um, de acordo com a sua própria responsabilidade, saiba colaborar com a graça de Deus".

 

O Papa pediu a todos os fiéis que se dirijam à Virgem Maria "para aprender d’Ela esta atitude espiritual. O Filho de Deus tomou carne d’Ela com o seu consentimento. Cada vez que o Senhor quer dar um passo em frente, connosco para a "terra prometida", apela primeiro ao nosso coração, espera, por dizê-lo de algum modo, o nosso "sim", tanto nas pequenas como nas grandes decisões".

 

"Que Maria – terminou – nos ajude a acolher sempre a vontade de Deus, com humildade e valentia, para que também as provas e os sofrimentos da vida cooperem para apressar a vinda do Seu Reino de justiça e de paz".

Homilia na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus (1.01.2010)

“Meditar no mistério do rosto de Deus e do homem é uma via privilegiada que conduz à paz”, disse o Santo Padre.

“De facto, esta começa por um olhar respeitoso, que reconhece no rosto do outro uma pessoa, qualquer que seja a cor da pele, a nacionalidade, a língua, a religião”, acrescentou.

Seguidamente, perguntou: “Mas quem, senão Deus, pode garantir, por assim dizer, a “profundidade” do rosto do homem?”

E explicou: “Na realidade, só se tivermos Deus no coração, estaremos em condições de detectar no rosto do outro um irmão de humanidade, não um meio, mas um fim, não um rival ou um inimigo, mas outro eu, uma faceta do infinito mistério do ser humano”.

Para Bento XVI, “a nossa percepção do mundo e, em particular dos nossos semelhantes, depende essencialmente da presença em nós do Espírito de Deus”.

“É uma espécie de “ressonância”, explicou; quem tem o coração vazio, não percebe senão imagens planas, privadas de relevo”.

“Pelo contrário, quanto mais habitados estivermos por Deus, mais sensíveis seremos também à sua presença naquilo que nos rodeia, em todas as criaturas e especialmente nas outras pessoas, embora por vezes o rosto humano, marcado pela dureza da vida e do mal, possa resultar difícil de apreciar e de acolher como epifania de Deus”, afirmou.  

“Com maior razão, portanto, para nos reconhecermos e respeitarmos como realmente somos, ou seja, como irmãos, necessitamos de nos referir ao rosto de um Pai comum, que nos ama a todos, apesar dos nossos limites e dos nossos erros”, acrescentou.

Na homilia da Missa deste primeiro dia de 2010, o Santo Padre fez uma meditação sobre o tema do Rosto de Deus e dos rostos dos homens, que oferece “uma chave de leitura para o problema da paz no mundo”.

“O rosto é, por excelência, a expressão da pessoa, é o que a torna reconhecível e através do qual se manifestam sentimentos, pensamentos, intenções do coração”, recordou.

“Deus, pela Sua natureza, é invisível; no entanto a Bíblia aplica-Lhe também esta imagem – acrescentou. Toda a história bíblica se pode ler como um progressivo desvendar do rosto de Deus, até chegar à sua plena manifestação em Jesus Cristo”.

Referindo-se ao título de “Mãe de Deus”, explicou que “o rosto de Deus tomou um rosto humano, deixando-se ver e reconhecer no filho da Virgem Maria”.

Bento XVI destacou que “Ela, que guardou no seu coração o segredo da divina maternidade, foi a primeira a ver o rosto de Deus feito homem no pequeno fruto do seu ventre”.

“A mãe tem uma relação muito especial, única e, de todos os modos, exclusiva com o filho recém-nascido”, disse.

“O primeiro rosto que o menino vê é o da mãe e este olhar é decisivo para a sua relação com a vida, consigo próprio e com os outros, com Deus – acrescentou; é decisiva também para que ele possa converter-se num “filho da paz”.

A seguir, o Papa fez uma pequena reflexão sobre o ícone da Virgem da Ternura, que representa o Menino Jesus com o rosto apoiado – face com face – no da Mãe.

“O Menino olha para a Mãe e esta olha para nós, quase como que reflectindo o que observa e rezando com a ternura de Deus, pousada n’Eles vinda do Céu e encarnada naquele Filho de homem que leva nos braços”, explicou.

“Mas esse mesmo ícone mostra-nos também, em Maria, o rosto da Igreja, que reflecte sobre nós e sobre o mundo inteiro a luz de Cristo, a Igreja por intermédio da qual chega a boa notícia a toda a pessoa”, acrescentou.

O Pontífice assinalou que “desde pequenos, é importante serem educados no respeito pelo outro, também quando é diferente de nós”.

E renovou o seu apelo em “investir na educação, pondo como objectivo, além da necessária transmissão de noções técnico-científicas, uma mais ampla e profunda “responsabilidade ecológica”, baseada no respeito pela pessoa e pelos seus direitos e deveres fundamentais”.

“Só assim o compromisso pelo meio ambiente pode converter-se verdadeiramente em educação para a paz e para a sua construção”, assegurou.

“Hoje é cada vez mais comum a experiência de turmas nas escolas compostas por crianças de várias nacionalidades, embora também quando isto não ocorra, os seus rostos são uma profecia da humanidade que estamos chamados a formar: uma família de famílias e de povos”, disse.

E destacou que essas crianças, “apesar das suas diferenças, choram e riem da mesma maneira, têm as mesmas necessidades, comunicam entre si de maneira espontânea, brincam juntas...”.

“Os rostos das crianças são como que um reflexo da visão de Deus sobre o mundo – afirmou. Porquê então apagar os seus sorrisos? Porquê envenenar os seus corações?”

“Infelizmente, o ícone da Mãe de Deus da Ternura encontra o seu trágico oposto nas dolorosas imagens de tantas crianças e das suas mães nas garras da guerra e da violência: prófugos, refugiados, emigrantes forçados”, lamentou.

Bento XVI falou então de “rostos minados pela fome e pela doença, rostos desfigurados pela dor e pelo desespero”.

E declarou: “Os rostos dos pequenos inocentes são um apelo silencioso à nossa responsabilidade; diante da sua impotente condição, caem todas as falsas justificações da guerra e da violência”.

O Papa afirmou que “devemos simplesmente converter-nos em desenhadores da paz, depor as armas de todo o tipo e comprometermo-nos todos juntos em construir um mundo mais digno da pessoa”.

Na sua homilia da Missa no Dia Mundial da Paz, o Santo Padre assegurou que “a pessoa é capaz de respeitar as criaturas na medida em que leva no seu próprio espírito um sentido pleno da vida”.

“De outro modo, será levado a desprezar-se a si mesmo e ao que o rodeia, a não ter respeito pelo ambiente em que vive, pelo criado”, advertiu.

Bento XVI afirmou que “quem sabe reconhecer no cosmos os reflexos do rosto invisível do Criador, é levado a ter maior amor às criaturas, maior sensibilidade pelo seu valor simbólico”.

“Existe de facto um nexo muito estreito entre o respeito pela pessoa e a salvaguarda do criado”, afirmou.

E destacou que “os deveres para com o meio ambiente derivam dos da pessoa, considerada em si mesma e na relação com os outros”.

“Se a pessoa se degrada, degrada-se o ambiente em que vive; se a cultura tende para um niilismo, ainda que não teórico, mas prático, a natureza não poderá deixar de pagar as consequências”, explicou.

O Papa destacou que se pode verificar um recíproco influxo entre o rosto da pessoa e o “rosto” do meio ambiente.

“Quando a ecologia humana é respeitada na sociedade, também a ecologia ambiental beneficia”, afirmou, citando a sua última encíclica “Caritas in veritate”.

Finalmente, Bento XVI salientou que “a vinda de Deus transfigura o criado e provoca uma espécie de festa cósmica” e disse que “a festa da fé se converte em festa da pessoa e do criado”.

E concluiu: “A Igreja renova o mistério para as pessoas de todas as gerações, mostra-lhes o rosto de Deus, para que, com a sua bênção, possam caminhar pelo caminho da paz”.

Na Festa da Sagrada Família (27.XII.2009)

Intervenção no Angelus aos peregrinos congregados no Vaticano

Queridos irmãos e irmãs:

Celebra-se hoje o Domingo da Sagrada Família. Podemos continuar a colocar-nos no lugar dos pastores de Belém que, logo que receberam o anúncio do anjo, foram a toda a pressa à gruta e encontraram "Maria, José e o Menino, deitado na manjedoura" (Lucas 2,16). Detenhamo-nos também nós a contemplar esta cena e reflictamos no seu significado. As primeiras testemunhas do nascimento de Cristo, os pastores, encontraram-se não só diante do Menino Jesus, mas também diante de uma pequena família: a mãe, o pai e o filho recém-nascido. Deus quis revelar-Se nascendo numa família humana e por este motivo a família humana converteu-se em imagem de Deus! Deus é Trindade, é comunhão de amor e a família, com toda a diferença que existe entre o Mistério de Deus e a sua criatura humana, é uma manifestação que reflecte o Mistério insondável do Deus amor. O homem e a mulher, criados à imagem de Deus, convertem-se no matrimónio "numa só carne" (Génesis 2, 24), ou seja, numa comunhão de amor que gera nova vida. A família humana, em certo sentido, é imagem da Trindade pelo amor inter esponsal e pela fecundidade do amor.

A liturgia de hoje apresenta o famoso episódio evangélico de Jesus, aos doze anos, que fica no Templo, em Jerusalém, sem que os seus pais se apercebessem; surpreendidos e preocupados, acabam por encontrá-Lo, três dias depois, a discutir com os doutores. A sua mãe, que lhe pede explicações, Jesus responde que tem que estar "na casa", do Seu Pai, ou seja de Deus (Cf. Lucas 2, 49). Neste episódio, o rapaz Jesus apresenta-se-nos cheio de zelo por Deus e pelo Templo. Perguntemo-nos: de quem teria aprendido Jesus o amor pelas "coisas" de Seu Pai? Certamente, como filho, teve um íntimo conhecimento de Seu Pai, de Deus, uma profunda relação pessoal permanente com Ele mas, na Sua concreta cultura, certamente que aprendeu as orações, o amor pelo Templo e pelas instituições de Israel, dos Seus próprios pais. Portanto, podemos afirmar que a decisão de Jesus de ficar no Templo era sobretudo fruto da Sua íntima relação com o Pai, mas também fruto da educação recebida de Maria e de José. Podemos antever aqui o sentido autêntico da educação cristã: é o fruto de uma colaboração, que sempre há que procurar, entre os educadores e Deus. A família cristã está consciente de que os filhos são dom e projecto de Deus. Portanto, não os pode considerar como uma possessão própria, mas antes, servindo neles o desígnio de Deus, está chamada a educá-los na maior liberdade, que consiste precisamente em dizer "sim" a Deus para fazer a Sua vontade. Deste "sim" a Virgem Maria é exemplo perfeito. A ela encomendamos todas as famílias, rezando em particular pela sua missão educativa.

E agora dirijo-me, em língua espanhola, a todos os que participam na festa da Sagrada Família em Madrid.

[Em espanhol]

Saúdo cordialmente os pastores e fiéis congregados em Madrid para celebrar com alegria a Sagrada Família de Nazaré. Como não recordar o verdadeiro significado desta festa? Deus, tendo vindo ao mundo no seio de uma família, manifesta que esta instituição é caminho seguro para O encontrar e conhecer, bem como um apelo permanente a trabalhar pela unidade de todos à volta do amor. Daí que um dos maiores serviços que os cristãos podemos prestar aos nossos semelhantes é oferecer-lhes o nosso testemunho sereno e firme da família fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher, defendendo-a e promovendo-a, pois ela é de suma importância para o presente e o futuro da humanidade. Com efeito, a família é a melhor escola onde se aprendem a viver aqueles valores que dignificam a pessoa e engrandecem os povos. Também nela se partilham as penas e as alegrias, sentindo-se todos envolvidos pelo carinho que reina na casa pelo mero facto de serem membros da mesma família. Peço a Deus que nos vossos lares se respire sempre esse amor de total entrega e fidelidade que Jesus trouxe ao mundo com o Seu nascimento, alimentando-o e fortalecendo-o com a oração quotidiana, a prática constante das virtudes, a compreensão recíproca e o respeito mútuo. Animo-vos, pois, a que, confiando na materna intercessão de Maria Santíssima, Rainha das Famílias e na poderosa protecção de São José, seu esposo, vos dediqueis sem descanso a esta formosa missão que o Senhor colocou nas vossas mãos. Contai além disso com a minha proximidade e afecto e peço-vos que leveis uma saudação muito especial do Papa aos vossos entes queridos mais necessitados ou que se encontram em dificuldade. Abençoo-vos a todos do coração.

[No final do Angelus, o Papa saudou a os peregrinos em vários idiomas. Em espanhol, disse:]

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua espanhola que participam nesta oração mariana. Neste Domingo da Sagrada Família, convido todos a pôr os olhos no lar de Nazaré, escola incomparável de virtudes humanas e cristãs, para aprender de Jesus, José e Maria a vivê-las pessoalmente e dar exemplo delas junto dos que vos rodeiam, com humildade e convicção. De novo vos desejo que, nestas festas de Natal, a alegria do Senhor Jesus, nascido em Belém, seja a vossa fortaleza. Em Seu Nome vos abençoo com grande afecto.

MENSAGEM DE NATAL DE BENTO XVI “Hoje brilhará uma luz sobre nós, porque nos nasceu o Senhor”

Queridos irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro,

  e a todos vós, homens e mulheres a quem Deus ama

"Lux fulgebit hodie super nos, quia natus est nobis Dominus.

Hoje brilhará uma luz sobre nós,

porque nos nasceu o Senhor"

A liturgia da Missa da aurora recordou-nos que a noite já passou, o dia está a avançar; a luz que provém da gruta de Belém resplandece sobre nós.

Mas a Bíblia e a Liturgia não nos falam da luz natural, mas de uma luz diferente, especial, de algum modo projectada e orientada para um "nós", o mesmo "nós" pelo qual o Menino de Belém "nasceu". Este "nós" é a Igreja, a grande família universal dos crentes em Cristo, que aguardaram com esperança o novo nascimento do Salvador e hoje celebram no mistério a perene actualidade deste acontecimento.

Ao princípio, à volta do presépio de Belém, esse "nós" era quase invisível aos olhos dos homens. Como nos diz o Evangelho de São Lucas, incluía, além de Maria e José, uns poucos pastores, simples, que chegaram à gruta avisados pelos Anjos. A luz do primeiro Natal foi como uma chama acesa na noite. Tudo à volta estava escuro, enquanto na gruta resplandecia a verdadeira luz "que ilumina todo o homem" (João 1,9). E, não obstante, tudo acontece com simplicidade e oculto, de acordo com o estilo com que Deus actua em toda a história da salvação. Deus quer ir pondo focos de luz concretos, para depois dar claridade até ao horizonte. A Verdade, como o Amor que ela contém, acende-se onde a luz é acolhida, difundindo-se depois em círculos concêntricos, quase por contacto, nos corações e nas mentes daqueles que, abrindo-se livremente ao seu esplendor, se convertem, por sua vez, em fontes de luz.

É a história da Igreja que inicia o seu caminho na gruta pobre de Belém e, através dos séculos, se converte em Povo e fonte de luz para a humanidade. Também hoje, por meio dos que vão ao encontro do Menino Jesus, Deus continua a atear fogos na noite do mundo, para chamar os homens a que reconheçam n’Ele o "sinal" da Sua presença salvadora e libertadora, estendendo o "nós" dos crentes em Cristo a toda a humanidade.

Onde quer que haja um "nós" que acolhe o amor de Deus, aí resplandece a luz de Cristo, inclusive nas situações mais difíceis. A Igreja, como a Virgem Maria, oferece Jesus ao mundo, o Filho que ela própria recebeu como um dom e que veio para libertar o homem da escravidão do pecado. Como Maria, a Igreja não tem medo, porque aquele Menino é a sua força. Mas não O guarda para si, oferece-O a quantos O procuram com coração sincero, aos humildes da terra e aos aflitos, às vítimas da violência, a todos os que desejam ardentemente o bem da paz.

Também hoje, dirigindo-se à família humana, profundamente marcada por uma grave crise económica, mas em primeiro lugar de carácter moral, e pelas dolorosas feridas de guerras e conflitos, a Igreja repete com os pastores, querendo partilhar e ser fiel ao homem: "Vamos a Belém" (Lucas 2,15), aí encontraremos a nossa esperança.

O "nós" da Igreja vive onde nasceu Jesus, na Terra Santa, para convidar os seus habitantes a abandonarem toda a lógica de violência e vingança e se comprometerem com renovado vigor e generosidade na mudança para uma convivência pacífica. O "nós" da Igreja está presente nos outros Países do Médio Oriente. Como não pensar na conflituosa situação no Iraque e naquele pequeno rebanho de cristãos que vive naquela região? Sofre por vezes violências e injustiças, mas está sempre disposto a dar a sua própria contribuição para a edificação da convivência civil, oposta à lógica do confronto e da rejeição de quem está ao lado.

O "nós" da Igreja está activo no Sri Lanka, na Península coreana e nas Filipinas, como também noutras terras asiáticas, como fermento de reconciliação e de paz. No continente africano, não cessa de elevar a sua voz a Deus para implorar o fim de todo o abuso na República Democrática do Congo; convida os cidadãos da Guiné e do Níger ao respeito dos direitos de toda a pessoa humana e ao diálogo; pede aos de Madagáscar que superem as divisões internas e se acolham mutuamente; recorda a todos que estão chamados à esperança, apesar dos dramas, das provas e das dificuldades que os continuam a afligir. Na Europa e na América setentrional, o "nós" da Igreja impulsiona a superar a mentalidade egoísta e tecnicista, a promover o bem comum e a respeitar os mais débeis, começando por aqueles que ainda não nasceram. Nas Honduras, ajuda a retomar o caminho institucional; em toda a América Latina, o "nós" da Igreja é factor de identidade, plenitude de verdade e caridade que não pode ser substituído por nenhuma ideologia, um apelo ao respeito dos direitos inalienáveis de cada pessoa e ao seu desenvolvimento integral, anúncio de justiça e fraternidade, fonte de unidade.

Fiel ao mandato do seu Fundador, a Igreja é solidária com os afectados pelas calamidades naturais e pela pobreza, também nas sociedades opulentas. Diante do êxodo daqueles que emigram da sua terra e por causa da fome, da intolerância ou a deterioração ambiental se vêm forçados a ir para longe, a Igreja é uma presença que apela ao acolhimento. Numa palavra, a Igreja anuncia por todas as partes o Evangelho de Cristo, não obstante as perseguições, as discriminações, os ataques e a indiferença por vezes hostil, que melhor lhe permitem partilhar a sorte do seu Mestre e Senhor.

Queridos irmãos e irmãs, que grande dom é fazer parte de uma comunhão que é para todos. É a comunhão da Santíssima Trindade, de cujo coração desceu ao mundo o Emanuel, Jesus, Deus connosco. Como os pastores de Belém, contemplemos embargados com a maravilha e a gratidão deste mistério de amor e de luz. Feliz Natal a todos.

HOMILÍA DE BENTO XVI NA MISSA DA MEIA-NOITE “Jesus Cristo, Tu que nasceste em Belém”, “entrai em mim, na minha alma” Amados irmãos e irmãs,

  «Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido» (Is 9, 5). Aquilo que Isaías, olhando de longe para o futuro, diz a Israel como consolação nas suas angústias e obscuridade, o Anjo, de quem emana uma nuvem de luz, anuncia-o aos pastores como presente: «Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lc 2, 11). O Senhor está presente. Desde então, Deus é verdadeiramente um «Deus connosco». Já não é o Deus distante, que, através da criação e por meio da consciência, se pode de algum modo intuir de longe. Ele entrou no mundo. É o Vizinho. Disse-o Cristo ressuscitado aos Seus, a nós: «Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Nasceu para vós o Salvador: aquilo que o Anjo anunciou aos pastores, Deus no-lo recorda agora por meio do Evangelho e dos seus mensageiros. Trata-se de uma notícia que não nos pode deixar indiferentes. Se é verdadeira, mudou tudo. Se é verdadeira, diz-me também respeito a mim. Então, como os pastores, devo dizer também eu: Levantemo-nos, quero ir a Belém e ver a Palavra que lá aconteceu. Não é sem intenção que o Evangelho nos narra a história dos pastores. Estes mostram-nos o modo justo de responder àquela mensagem que nos é dirigida também a nós. Que nos dizem então estas primeiras testemunhas da encarnação de Deus?

A respeito dos pastores diz-se, em primeiro lugar, que eram pessoas vigilantes e que a mensagem pôde chegar até eles precisamente porque estavam acordados. Nós temos de despertar, para que a mensagem chegue até nós. Devemos tornar-nos pessoas verdadeiramente vigilantes. Que significa isto? A diferença entre uma pessoa que sonha e outra que está acordada, consiste, antes de mais nada, no facto de que o que sonha se encontrar num mundo particular. Ele está, com o seu eu, fechado nesse mundo do sonho que é apenas dele e não o relaciona com os outros. Acordar significa sair desse mundo particular do eu e entrar na realidade comum, na única verdade que a todos une. O conflito no mundo, a recíproca inconciliabilidade derivam do facto de estarmos fechados nos nossos próprios interesses e opiniões pessoais, no nosso próprio e minúsculo mundo privado. O egoísmo, tanto do grupo como do indivíduo, mantém-nos prisioneiros dos nossos interesses e desejos, que contrastam com a verdade e dividem-nos uns dos outros. Acordai: diz-nos o Evangelho. Vinde para fora, a fim de entrar na grande verdade comum, na comunhão do único Deus. Acordar significa, portanto, desenvolver a sensibilidade para com Deus, para com os sinais silenciosos pelos quais Ele nos quer guiar, para com os múltiplos indícios da Sua presença. Há pessoas que se dizem «religiosamente desprovidas de ouvido musical». A capacidade de perceber Deus parece quase uma qualidade que é recusada a alguns. E, realmente, a nossa maneira de pensar e agir, a mentalidade do mundo actual, a gama das nossas diversas experiências parecem talhadas para reduzir a nossa sensibilidade a Deus, para nos tornar «desprovidos de ouvido musical» a respeito d’Ele. E todavia em cada alma está presente de maneira velada ou patente a expectativa de Deus, a capacidade de O encontrar. A fim de obter esta vigilância, este despertar para o essencial, queremos rezar, por nós mesmos e pelos outros, por quantos parecem ser «desprovidos deste ouvido musical» e, contudo, neles está vivo o desejo de que Deus se manifeste. O grande teólogo Orígenes disse: Se eu tivesse a graça de ver como Paulo viu, poderia agora (durante a Liturgia) contemplar uma falange imensa de Anjos (cf.In Lc 23, 9). De facto, na Liturgia sagrada, rodeiam-nos os Anjos de Deus e os Santos. O próprio Senhor está presente no meio de nós. Senhor, abri os olhos dos nossos corações, para nos tornarmos vigilantes e videntes e, assim, podermos estender a vossa proximidade também aos outros!

Voltemos ao Evangelho de Natal. Aí se narra que os pastores, depois de terem ouvido a mensagem do Anjo, disseram uns para os outros: «“Vamos a Belém” (…). Partiram então a toda a pressa» (Lc 2, 15s). «Apressaram-se»: diz, literalmente, o texto grego. O que lhes fora anunciado era tão importante que deviam ir imediatamente. Com efeito, o que lhes fora dito ultrapassava totalmente aquilo a que estavam habituados. Mudava o mundo. Nasceu o Salvador. O esperado Filho de David veio ao mundo na sua cidade. Que podia haver de mais importante? Impelia-os certamente a curiosidade, mas sobretudo o alvoroço pela realidade imensa que fora comunicada, precisamente a eles, os pequenos e homens aparentemente irrelevantes. Apressaram-se… sem demora. Na nossa vida ordinária, as coisas não acontecem assim. A maioria dos homens não considera prioritárias as coisas de Deus. Estas não nos premem de forma imediata. E assim nós, na grande maioria, estamos prontos a adiá-las. Antes de tudo faz-se aquilo que se apresenta como urgente aqui e agora. No elenco das prioridades, Deus encontra-Se frequentemente quase no último lugar. Isto – pensa-se – poder-se-á realizar sempre. O Evangelho diz-nos: Deus tem a máxima prioridade. Se alguma coisa na nossa vida merece a nossa pressa sem demora, isso só pode ser a causa de Deus. Diz uma máxima da Regra de São Bento: «Nada antepor à obra de Deus (isto é, ao ofício divino)». Para os monges, a Liturgia é a primeira prioridade; tudo o mais vem depois. Mas, no seu núcleo, esta frase vale para todo o homem. Deus é importante, a realidade absolutamente mais importante da nossa vida. É precisamente esta prioridade que nos ensinam os pastores. Deles queremos aprender a não deixar-nos esmagar por todas as coisas urgentes da vida de cada dia. Deles queremos aprender a liberdade interior de colocar em segundo plano outras ocupações – por mais importantes que sejam – a fim de nos encaminharmos para Deus, a fim de O deixarmos entrar na nossa vida e no nosso tempo. O tempo empregue para Deus e, a partir d’Ele, para o próximo nunca é tempo perdido. É o tempo em que vivemos de verdade, em que vivemos o ser próprio de pessoas humanas.

Alguns comentadores observam como os primeiros que vieram ao pé de Jesus na manjedoura e puderam encontrar o Redentor do mundo foram os pastores, as almas simples. Os sábios vindos do Oriente, os representantes daqueles que possuem nível e nome chegaram muito mais tarde. E os comentadores acrescentam: O motivo é totalmente óbvio. De facto, os pastores habitavam perto. Não tinham de fazer mais nada senão «atravessar» (cf. Lc 2, 15), como se atravessa um breve espaço para ir ter com os vizinhos. Ao contrário, os sábios habitavam longe. Tinham de percorrer um caminho longo e difícil para chegar a Belém. E precisavam de guia e de orientação. Pois bem, hoje também existem almas simples e humildes que habitam muito perto do Senhor. São, por assim dizer, os seus vizinhos e podem facilmente ir ter com Ele. Mas a maior parte de nós, homens modernos, vive longe de Jesus Cristo, d’Aquele que Se fez homem, de Deus que veio para o nosso meio. Vivemos em filosofias, em negócios e ocupações que nos ocupam totalmente e a partir dos quais o caminho para a manjedoura é muito longo. De variados modos e repetidamente, Deus tem de nos impelir e dar uma mão para podermos sair da encruzilhada dos nossos pensamentos e ocupações e encontrar o caminho para Ele. Mas há um caminho para todos. Para todos, o Senhor estabelece sinais adequados a cada um. Chama-nos a todos, para que nos seja possível também dizer: Levantemo-nos, «atravessemos», vamos a Belém, até junto d’Aquele Deus que veio ao nosso encontro. Sim, Deus encaminhou-Se para nós. Sozinhos, não poderíamos chegar até Ele. O caminho supera as nossas forças. Mas Deus desceu. Vem ao nosso encontro. Percorreu a parte mais longa do caminho. Agora pede-nos: Vinde e vede quanto vos amo. Vinde e vede que Eu estou aqui. Transeamus usque Bethleem: diz a Bíblia latina. Atravessemos para o outro lado! Ultrapassemo-nos a nós mesmos! Façamo-nos viajantes rumo a Deus dos mais variados modos: sentindo-nos interiormente a caminho para Ele; mas também em caminhos muito concretos, como na Liturgia da Igreja, no serviço do próximo onde Cristo me espera.

Ouçamos uma vez mais directamente o Evangelho. Os pastores contam uns aos outros o motivo por que se põem a caminho: «Vamos ver o que dizem ter sucedido». Literalmente o texto grego diz: «Vejamos esta Palavra, que lá aconteceu». Sim, aqui está a novidade desta noite: a Palavra pode ser vista, porque Se fez carne. Aquele Deus de quem não se deve fazer qualquer imagem, porque toda a imagem poderia apenas reduzi-Lo, antes desvirtuá-Lo, aquele Deus tornou-Se, Ele mesmo, visível n’Aquele que é a sua verdadeira imagem, como diz Paulo (cf. 2 Cor 4, 4; Col 1, 15). Na figura de Jesus Cristo, em todo o seu viver e agir, no seu morrer e ressuscitar, podemos ver a Palavra de Deus e, consequentemente, o próprio mistério do Deus vivo. Deus é assim. O Anjo dissera aos pastores: «Isto vos servirá de sinal: achareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12; cf. 16). O sinal de Deus, o sinal que é dado aos pastores e a nós não é um milagre impressionante. O sinal de Deus é a sua humildade. O sinal de Deus é que Ele Se faz pequeno; faz-Se menino; deixa-Se tocar e pede o nosso amor. Quanto desejaríamos nós, homens, um sinal diverso, imponente, irrefutável, do poder de Deus e da sua grandeza! Mas o seu sinal convida-nos à fé e ao amor e, assim, dá-nos esperança: assim é Deus. Ele possui o poder e é a Bondade. Convida a tornarmo-nos semelhantes a Ele. Sim, tornamo-nos semelhantes a Deus, se nos deixarmos plasmar por este sinal; se aprendermos, nós mesmos, a humildade e deste modo a verdadeira grandeza; se renunciarmos à violência e usarmos apenas as armas da verdade e do amor. Orígenes, na linha de uma palavra de João Baptista, viu expressa a essência do paganismo no símbolo das pedras: paganismo é falta de sensibilidade, significa um coração de pedra, que é incapaz de amar e de perceber o amor de Deus. Orígenes diz a respeito dos pagãos: «Desprovidos de sentimento e de razão, transformam-se em pedras e madeira» (In Lc 22, 9). Mas Cristo quer dar-nos um coração de carne. Quando O vemos a Ele, ao Deus que Se tornou um menino, abre-se-nos o coração. Na Liturgia da Noite Santa, Deus vem até nós como homem, para nos tornarmos verdadeiramente humanos. Escutemos uma vez mais Orígenes: «Com efeito, de que te aproveitaria Cristo ter vindo uma vez na carne, se Ele não chegasse até à tua alma? Oremos para que venha diariamente a nós e possamos dizer: vivo, contudo já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Gal 2, 20)» (In Lc 22, 3).

Sim, por isto queremos rezar nesta Noite Santa. Senhor Jesus Cristo, Vós que nascestes em Belém, vinde a nós! Entrai em mim, na minha alma. Transformai-me. Renovai-me. Fazei que eu e todos nós, de pedra e madeira que somos, nos tornemos pessoas vivas, nas quais se torna presente o vosso amor e o mundo é transformado. 

“O NATAL É A FESTA DO AMOR INERME DE DEUS”,  (23.12.09)

“Nesse Menino, Deus fez-Se tão próximo de cada um de nós, tão próximo, que O podemos tratar por tu e manter com Ele uma relação confiada de profundo afecto, como fazemos com um recém-nascido”.

“Deus vem sem armas, sem a força, porque não pretende conquistar, por assim dizer, a partir de fora, mas quer antes ser acolhido pelo homem em liberdade; Deus faz-Se Menino inerme para vencer a soberba, a violência, a ânsia de possuir do homem”.

Desta forma quis “vencer com o amor e conduzir-nos à nossa verdadeira identidade”, acrescentou o Papa.

O Primeiro Presépio

O Natal, observou, não é a festa cristã mais antiga, mas sim a Páscoa, já que “a ressurreição de Cristo fundamenta a fé cristã, está na base do anúncio do Evangelho e faz nascer a Igreja”.

“Quem primeiro afirmou com clareza que Jesus nasceu a 25 de Dezembro foi Hipólito de Roma, no seu comentário do Livro do profeta Daniel, escrito por volta do ano 204. Algum exegeta observa, além disso, que nesse dia se celebrava a Dedicação do Templo de Jerusalém, instituído por Judas Macabeu no ano 164 antes de Cristo”.

A coincidência de datas, afirma o Papa, “viria então a significar que com Jesus, aparecido como luz de Deus na noite, se realiza verdadeiramente a consagração do templo, o Advento de Deus sobre esta terra”.

“Na cristandade a festa do Natal assumiu uma forma definida no século IV, quando substituiu a festa romana do "Sol invictus", o sol invencível; pôs-se, assim, em evidência que o nascimento de Cristo é a vitória da verdadeira luz sobre as trevas do mal e do pecado”.

No entanto, a forma de celebrar o Natal que conhecemos “desenvolveu-se na Idade Média, graças a São Francisco de Assis”.

São Francisco, “acima das restantes solenidades, celebrava com inefável apuro o Natal do Menino Jesus, e apelidava a festa das festas o dia em que Deus, feito um Menino pequenino, tinha mamado de um seio humano”, explicou o Papa, citando a biografia do santo escrita por Tomás de Celano.

Este biógrafo é quem narra a conhecida aparição milagrosa do Menino Jesus no presépio de Greccio, com que São Francisco pretendia reviver o mistério do Natal.

“O que animava o Pobre de Assis era o desejo de experimentar de forma concreta, viva e actual a humilde grandeza do acontecimento do nascimento do Menino Jesus e de comunicar a todos a sua alegria”, explica Bento XVI.

A noite de Greccio “devolveu à cristandade a intensidade e a beleza da festa do Natal e educou o Povo de Deus a apreender a sua mensagem mais autêntica, o seu particular calor e a amar e adorar a humanidade de Cristo”.

“Este quadro descreve com muita precisão como a fé viva e o amor de Francisco pela humanidade de Cristo se transmitiram à festa cristã do Natal: a descoberta de que Deus se revela nos ternos membros do Menino Jesus”, concluiu.

BENTO XVI: OS SANTOS, PROPOSTAS DE FUTURO (22.12.09) Audiência aos membros da Congregação para as causas dos Santos

1. Queridos irmãos e irmãs, desejo expressar-vos a todos a alegria de me encontrar convosco!

Saúdo com viva cordialidade os senhores Cardeais, os Arcebispos e os Bispos presentes. Dirijo um pensamento particular ao Perfeito do Dicastério, o Arcebispo Angelo Amato e agradeço-lhe as gentis e afectuosas palavras que, em nome de todos, quis dirigir-me. Com ele saúdo também o Secretário da Congregação, o Subsecretário, os sacerdotes, os religiosos, os consultores históricos e teológicos, os postuladores, os oficiais leigos e peritos médicos, com os seus familiares e a todos os colaboradores.

2. A circunstância especial que vos reúne à volta do Sucessor de Pedro é a celebração do 40º aniversário da instituição da Congregação para as Causas dos Santos, que conferiu uma forma mais orgânica à acção de discernimento que a Igreja, desde as suas origens, levou a cabo para reconhecer a santidade de tantos filhos seus. A criação do vosso dicastério foi preparada pelas intervenções dos meus predecessores, especialmente Sixto V, Urbano VIII e Bento XV e foi realizada em 1969 pelo Servo de Deus Paulo VI, graças a quem se foi configurando um conjunto de experiências, de contributos científicos, de normas processuais, numa síntese inteligente e equilibrada, confluindo na erecção de um novo dicastério.

É-me bem conhecida a actividade que, nestes quarenta anos, levou a cabo a Congregação, com competência, ao serviço da edificação do Povo de Deus, oferecendo uma significativa contribuição para a obra da evangelização. De facto, quando a Igreja venera um santo, anuncia a eficácia do Evangelho e descobre com alegria que a presença de Cristo no mundo, acreditada e adorada na fé, é capaz de transfigurar a vida do homem e produzir frutos de salvação para toda a humanidade. Além disso, cada beatificação e canonização é, para os cristãos, um forte impulso a viver com intensidade e entusiasmo o seguimento de Cristo, caminhando para a plenitude da existência cristã e a perfeição da caridade (cfr. Lumen gentium, 40). À luz de tais frutos, compreende-se a importância do papel levado a cabo pelo Dicastério de acompanhar cada etapa de um acontecimento de tão singular profundidade e beleza, documentando com fidelidade a manifestação desse sensus fidelium que é um factor importante para o reconhecimento da santidade.

3. Os santos, sinal dessa radical novidade que o Filho de Deus, com a Sua encarnação, morte e ressurreição, enxertou na natureza humana, e insignes testemunhos da fé, não são representantes do passado, mas constituem o presente e o futuro da Igreja e da sociedade. Realizaram em plenitude essa caritas in veritate que é o expoente supremo da vida cristã e são como as faces de um prisma, sobre as quais, com matizes distintos, se reflecte a única luz que é Cristo.

A vida destas extraordinárias figuras de crentes, pertencentes a todas as Regiões da terra, apresenta duas constantes significativas, que quereria sublinhar.

Em primeiro lugar, a sua relação com o Senhor, também quando percorre caminhos tradicionais, nunca é cansativa e repetitiva, mas expressa-se sempre com modalidades autênticas, vivas e originais e brota de um diálogo com o Senhor, intenso e envolvente, que valoriza e enriquece também as formas exteriores.

Além disso, na vida destes irmãos nossos, ressalta a contínua busca da perfeição evangélica, a recusa da mediocridade e a tensão para a pertença total a Cristo. “Sereis santos porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”: é a exortação, recolhida no livro do Levítico (19, 2), que Deus dirige a Moisés. Esta faz-nos perceber que a santidade é tender constantemente para o mais alto da vida cristã, conquista comprometida, procura contínua da comunhão com Deus, que torna o crente empenhado em “corresponder” com a máxima generosidade possível ao desígnio de amor que o Pai tem sobre ele e sobre toda a humanidade.

4. As principais etapas do reconhecimento da santidade por parte da Igreja, ou seja, a beatificação e a canonização, estão unidas entre si por um vínculo de grande coerência. A estas acrescentam-se, como fase preparatória indispensável, a declaração da heroicidade das virtudes ou do martírio de um Servo de Deus e a verificação de algum dom extraordinário, o milagre, que o Senhor concede por intercessão de um fiel Servo seu.

Quanta sabedoria pedagógica se manifesta neste itinerário! Num primeiro momento, o Povo de Deus é convidado a olhar para esses irmãos que, após um primeiro discernimento cuidadoso, são propostos como modelos de vida cristã; portanto, é exortado a dirigir-lhes um culto de veneração e de invocação circunscrito ao âmbito das Igrejas locais ou das Ordens religiosas; finalmente, á chamado a exultar com toda a comunidade dos crentes pela certeza de que, graças à solene proclamação pontifícia, um filho ou filha seus alcançou a glória de Deus, onde participa na perene intercessão de Cristo em favor dos irmãos (cfr. Hb 7, 25).

Neste caminho a Igreja acolhe com alegria e assombro os milagres que Deus, na Sua infinita bondade, gratuitamente lhe concede, para confirmar a pregação evangélica (cfr. Mc 16, 20). Acolhe, também, o testemunho dos mártires como a forma mais límpida e intensa de configuração com Cristo.

Esta manifestação progressiva da santidade nos crentes corresponde ao estilo eleito por Deus ao revelar-Se aos homens e, ao mesmo tempo, é parte do caminho em que o Povo de Deus cresce na fé e no conhecimento da Verdade.

A aproximação gradual à “plenitude da luz” surge de modo singular na passagem da beatificação para a canonização. Neste percurso, de facto, têm lugar acontecimentos de grande vitalidade religiosa e cultural, nos quais a invocação litúrgica, a devoção popular, a imitação das virtudes, o estudo histórico e teológico, a atenção aos “sinais do alto” se entrecruzam e se enriquecem reciprocamente. Nesta circunstância realiza-se uma modalidade particular da promessa de Jesus aos discípulos de todos os tempos: “O Espírito da Verdade Ele vos encaminhará para a verdade plena” (cfr. Jo 16, 13). O testemunho dos santos, de facto, põe a claro e dá a conhecer aspectos sempre novos da Mensagem evangélica.

Como foi bem sublinhado pelas palavras do Excelentíssimo Perfeito, no itinerário para o reconhecimento da santidade surge uma riqueza espiritual e pastoral que compromete toda a comunidade cristã. A santidade, quer dizer, a transfiguração das pessoas e das realidades humanas à imagem de Cristo ressuscitado, representa o fim último do plano de salvação divina, como recorda o apóstolo Paulo: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4, 3).

5. Queridos irmãos e irmãs, a solenidade do Natal, para a qual nos estamos a preparar, faz resplandecer com luz plena a dignidade de cada homem, chamado a ser filho de Deus. Na experiência dos santos, esta dignidade realiza-se nas circunstâncias históricas concretas, dos temperamentos pessoais, das escolhas livres e responsáveis, dos carismas sobrenaturais.

Confortados por tão grande número de testemunhas, apressemos também nós o passo para o Senhor que vem, elevando a esplêndida invocação com que culmina o hino do Te Deum: “Aeterna fac cum sanctis tuis in gloria numerari”; na Tua vinda gloriosa, acolhe-nos, oh Verbo Encarnado, na assembleia dos Teus santos.

Com estes desejos, de bom grado expresso a cada um de vós os meus fervorosos augúrios pelas iminentes festas de Natal e dou-vos com afecto a Bênção Apostólica.