O «Evangelho de Judas»

O chamado “Evangelho de Judas” – um texto do século IV, cópia de um anterior, encontrado em 1983 e publicado em língua moderna pela National Geographic – gerou polémica. Desde os primeiros séculos estas ‘ficções’ em torno da vida de Cristo são habituais, mas a sensibilidade actual é mais propícia a dar-lhes crédito.

Como Judas, São Pedrou rejeitou Cristo. A diferença: Judas desesperou-se, Pedro, pediu perdão.

Entrevista ao padre Thomas Williams, decano de Teologia da Universidade Regina «Apostolorum de Roma», publicado pela agência ZENIT.

A «National Geographic» anunciou a sua intenção de publicar em várias línguas um texto antigo denominado «O Evangelho de Judas» no final deste mês.

O manuscrito de 31 páginas, escrito em língua copta, encontrado em Genebra em 1983, não surgiu até agora traduzido nas línguas modernas.

- O que é o Evangelho de Judas?

-Padre Williams: Embora o manuscrito ainda deva ser autenticado, provavelmente é um texto do IV ou V século, uma cópia de um documento anterior, redigido pela seita gnóstica dos Cainitas.

O documento apresenta Judas Escariotes de maneira positiva e descreve-o obedecendo à ordem divina de entregar Jesus às autoridades para a salvação do mundo.

Pode ser uma cópia do «Evangelho de Judas» citado por Santo Ireneu de Leão na sua obra «Contra as heresias», escrita à volta do ano 180.

-Se se trata dum texto autêntico, apresenta algum desafio à fé da Igreja católica? Abalará os fundamentos do cristianismo, como sugerem algumas notas da imprensa?

-Padre Williams: Com certeza que não. Os evangelhos gnósticos, há muitos mais, não são documentos cristãos em si, porque procedem duma seita sincretista que incorporou elementos de diferentes religiões, incluindo o cristianismo.

Estas teorias não são novas. Basta recordar a ópera rock de 1973, «Jesus Cristo Superstar», na qual Judas canta “Realmente não vim aqui por minha própria vontade”. Mais uma vez, o enorme êxito do “Código da Vinci” voltou a abrir a caixa de Pandora.

Desde o momento da sua aparição, a comunidade cristã rejeitou estes documentos pela sua incompatibilidade com a fé cristã. 

Estas torias não são novas. Basta recordar a ópera rock de 1973, «Jesus Cristo Superstar», em que Judas canta «Realmente não vim aqui por minha própria vontade». De novo, o enorme êxito de “O Código Da Vinci” abriu a caixa da Pandora.

O «Evangelho de Judas» seria um documento deste tipo, que teria grande valor histórico, porque contribui para o nosso conhecimento do movimento gnóstico, mas não constitui nenhum desafio em relação ao cristianismo.

-É verdade que a Igreja procurou encobrir este texto e outros documentos apócrifos?

-Padre Williams: Isso são invenções postas a circular por Dan Brown, o autor de “O Código Da Vinci” e outros autores que apoiam a teoria da conspiração.

O senhor pode ir a qualquer livraria católica e comprar uma cópia dos evangelhos gnósticos. Os cristãos não crêem que sejam verdadeiros mas não há nenhuma intenção de os esconder.

-Mas não está convencido que um documento desta ordem coloca em dúvida as fontes cristãs, particularmente os quatro evangelhos?

-Padre Williams: Recorde que o gnosticismo surgiu nos meados do século II, e o «Evangelho de Judas», se é autêntico, provavelmente remonta aos finais do século II.

Seria como se eu agora me pusesse a escrever um texto sobre a Guerra Civil dos Estados Unidos e o apresentasse como uma fonte histórica primária dessa Guerra. O texto poderia não ter sido escrito por uma testemunha presencial, como o foram ao menos dois dos evangelhos canónicos.

 

A graça de Deus é infinitamente maior do que a nossa fraqueza. Mas está na nossa mão fazer o bem ao próximo, também a Deus.

-Porque razão estavam tão interessados em Judas os militantes no movimento gnóstico?

-Padre Williams: Uma das maiores diferenças entre as crenças gnósticas e o cristianismo refere-se às origens do mal no universo.

Os cristãos crêem que um Deus bom criou um mundo bom, e que pelo abuso do livre arbítrio, o pecado e a corrupção entraram no mundo e produziram desordem e sofrimento.

Os gnósticos atribuem a Deus o mal no mundo e afirmam que criou o mundo de um modo desordenado. Por isso, são partidários da reabilitação de figuras do Antigo Testamento como Caim, que matou o seu irmão Abel, e Esaú, o irmão mais velho de Jacob, que vendeu o direito de progenitura por um prato de lentilhas.

Judas entra perfeitamente na visão gnóstica que mostra que Deus quer o mal do mundo.

-Mas não crê que a traição de Judas foi um elemento necessário do plano de Deus, como sugere o texto, para que Cristo desse a sua vida pelos homens?

-Padre Williams: Sendo omnisciente, Deus conhece perfeitamente as nossas escolhas tem em conta inclusive as nossas decisões equivocadas no seu plano providencial para o mundo.

No seu último livro «Memória e identidade», João Paulo II reflectia eloquentemente sobre como Deus continua a obter o bem inclusive do pior mal que o homem possa produzir.

Isto não significa, contudo, que Deus deseje que façamos o mal, ou que procurasse que Judas atraiçoasse Jesus. Se não tivesse sido Judas teria sido outro qualquer. As autoridades teriam decidido que Jesus devia morrer e era só uma questão de tempo.

 

-Qual é a posição da Igreja em relação a Judas? É possível reabilitá-lo?

-Padre Williams: Embora a Igreja católica conte com um processo de canonização pelo que declara que algumas pessoas estão no céu, como os santos, não prevê um processo deste tipo para declarar que uma pessoa está condenada.

Historicamente, muitos pensaram que Judas está provavelmente no inferno, devido ao severo juízo d Jesus:« Melhor teria sido para esse homem não ter nascido», pode ler-se no Evangelho de S. Mateus (26, 24). Mas inclusive estas palavras não são uma evidência conclusiva em relação à sua sorte.

No seu livro de 1994, «Atravessando o limiar da esperança», João Paulo II escreveu que estas palavras de Jesus «não se referem à certeza da condenação eterna».

-Mas se há alguém que merece o inferno, não seria Judas?

-Padre Williams: Certamente muita gente merece o inferno, mas devemos recordar que a graça de Deus é infinitamente maior do que a nossa debilidade.

Pedro e Judas cometeram faltas parecidas: Pedro negou três vezes Jesus, e Judas entregou-o. E agora Pedro é recordado como um santo e Judas simplesmente como um traidor.

A principal diferença entre os dois não é a natureza ou a gravidade do seu pecado mas antes a vontade de aceitar a graça de Deus. Pedro chorou os seus pecados, voltou a Jesus, e foi perdoado. O Evangelho descreve Judas enforcando-se desesperado.

-Porque está a despertar tanto interesse o «Evangelho de Judas»?

-Padre Williams: Estas teorias sobre Judas não são certamente novas. Basta recordar a ópera rock de 1973, «Jesus Cristo Superstar», na que Judas canta «Realmente não vim aqui por minha própria vontade», ou o romance de Taylor Caldwell, de 1977, «Eu, Judas».

O enorme êxito económico de “O Código Da Vinci” abriu sem dúvida a caixa da Pandora e forneceu incentivos monetários a teorias deste tipo.

Michael Baigent, autor de «Sangue Santo, Santo Grial», agora escreveu o livro «The Jesus Papers» (Os documentos de Jesus) no qual faz a reciclagem da velha história de que Jesus sobreviveu à crucifixão.

Afirma que as condições meteorológicas poderiam ter feito que Jesus caminhasse sobre um pedaço de gelo flutuante no Mar da Galileia, quando o Evangelho diz que andava sobre a água.

Basicamente, para quem rejeite liminarmente a possibilidade dos milagres, qualquer teoria, por estranha que pareça, é melhor do que as afirmações cristãs.

Zenit