«Nas zonas de conflito, há sede de Deus»

José de la Pisa Pérez de los Cobos (Valladolid, 10 de maio de 1971) é um dos 29 novos sacerdotes do Opus Dei, que receberam a ordenação em 27 de maio deste ano em Roma. Serviu na Armada durante 25 anos e é tenente-coronel de infantaria de Marinha. Em 2017, deixou a Armada para se preparar para o sacerdócio e defendeu a tese de doutoramento sobre “Virtudes humanas e Ética militar. Virtudes morais, apoio do comportamento ético do militar”.

José com todo o grupo no sul do Líbano em 2006.

José é o sexto de oito irmãos, com uma tradição familiar de três gerações vinculadas ao Exército. O avô e o pai foram oficiais de artilharia e o seu irmão Pedro é, agora, general de cavalaria. José decidiu-se pela Armada e ingressou na infantaria de Marinha.


Entrevista no El Norte de Castilla Natural de Valladolid, trocou as forças especiais do exército pelo sacerdócio


Roma, um presente

Com 53 anos, pensa que os quatro anos de estudo em Roma, junto do Papa, “foram um presente”. “Vi – resume – a reação de Francisco perante alguém que sofre, que lhe conta uma pena, que tem um problema; vi como se desfazia completa e exclusivamente para com essa pessoa”

Os cinco anos na Escola Naval, seis meses a bordo do Juan Sebastián de Elcano, a estada na Escola de Mergulho da Marinha foram a preparação para uma intensa vida profissional.

Pode salientar algumas missões?

Tive a sorte e diria o privilégio, de comandar equipas de operações especiais da Marinha várias vezes; em especial na zona do Médio Oriente e no Líbano. Também estive em África, nas costas da Somália em missões de luta contra a pirataria.

Planeando um patrulhamento com um oficial singapurense em maio de 2009 na zona de Kfar Kila, no sul do Líbano.

O mal das guerras

É bom endurecer-se perante o sofrimento?

Nessas missões, pode comprovar-se, em primeira mão, o mal que causam as guerras, o drama dos deslocados e daqueles que perderam tudo. Eram especialmente dolorosas as condições de vida dos refugiados sírios no sul do Líbano, encontrávamo-los por todos os sítios em condições de vida terríveis e sem acesso ao mais básico.

Conseguem chegar ao contacto pessoal?

Entrar nas zonas de refugiados tem grande impacto e procuramos aliviar as suas necessidades. Quando se fala com eles, quando nos mostram as suas cabanas e barracas ou nos oferecem o que têm, damos conta que realmente todos somos iguais, temos os mesmos sonhos, necessidades e medos e que um pouco de humanidade e carinho resolve muitos problemas. Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi comprovar como a ideia de misericórdia e de dignidade da pessoa desaparecem fora do âmbito cristão.

Quando deixou a Marinha, em 2017, tinham-lhe atribuído o comando de um dos batalhões da Guarda Real, a unidade encarregada de dar proteção e honras militares ao Rei. De que sente mais falta na sua profissão?

Tudo… e nada ao mesmo tempo, porque ainda que não esteja no ativo, não perdi o contacto com os meus companheiros. De facto, agora procuram-me para pedir conselho espiritual com base na confiança. Para mim, torna-se muito enriquecedor e, ao mesmo tempo, permite-me continuar em contacto com a profissão e a carreira militar.

E sobre a minha renúncia ao batalhão da Guarda Real, escrevi a S. M o Rei, explicando os motivos, dizendo que renunciava ao comando, para servir Espanha de outra maneira e que, nesse sentido, teríamos agora um chefe comum, pelo que esperava que não lhe parecesse uma má decisão e que, além disso, não lhe seria difícil encontrar outro candidato para o posto.

Depois de um exercício de treino na coberta do barco realizado em abril de 2009 no oceano Índico.

Costaleros* em Sevilha

Como foi o seu ano de formação nos Estados Unidos?

Tive a sorte de estudar um ano (2010) nos Estados Unidos, na Universidade do US Marine Corps, em Quantico, Virgínia. Ali coincidi com outros 200 militares dos Estados Unidos e com outros 25 estrangeiros. Formámos logo um grupo social que parecia de anedota: um espanhol, um taiwanês, um tanzaniano, um afegão e um malaio. Fomos criando uma boa amizade… e surgiram as perguntas: sobre a Santíssima Trindade, o papel da Virgem… e assim muitas e muito variadas que eles imediatamente reinterpretavam segundo as suas crenças muçulmanas e xintoístas, o que me enriqueceu muito a mim. Com estudantes dos países da NATO, fizemos também um grupo e continuamos em contacto.

Com boa parte da família depois da ordenação sacerdotal.

Fiz mais amizade com Brian, taiwanês que, veio visitar-me anos mais tarde, durante uma semana, na Quaresma. Fomos a Sevilha e encontrámos um grupo de costalerosa treinar-se… foi um grande desafio explicar-lho, de modo que acabámos na Macarena e, a seguir, na Catedral para procurar que entendesse. Alguns anos depois, em 2021, Brian batizou-se. Agrada-me pensar que a sua visita à Macarena teve muito a ver com isso.

E reações de amigos e colegas à sua ordenação?

Encontrei todo o tipo de pessoas, muitas praticantes, a maioria crentes, mas também alguns sem fé ou nem sequer batizados. Neste ambiente, ser numerário do Opus Dei provoca muitíssimas perguntas e se, além disso, se trabalha num ambiente tão diminuto como o de um grupo de operações especiais, as perguntas são profundas, sem rodeios. Há muitas histórias maravilhosas, graças a Deus, como a de um tenente muito amigo que, agora, que me ordenei, diz que está disposto a que eu o batize.

Com Conchi, que cuidava de nós em Sardón de Duero (Valladolid).

Ajudar a chegar a Deus

A vida militar e a sacerdotal são parecidas?

Proponho-me fazer o meu trabalho sacerdotal do mesmo modo que fazia o meu serviço nas Forças Armadas. Ajudam-me muito as obras de São Josemaria: quero ajudar os outros, servir naquilo que é importante. Penso que isto serve para os dois trabalhos, ainda que, no sacerdotal, já não necessito de procurar “adversários”: agora estou aberto a todos e posso dedicar-me às necessidades mais importantes das pessoas, ajudar a chegar a Deus.

Estamos a viver um Ano da Oração, convocado pelo Papa para preparar o Jubileu. Fale-me dos seus anos romanos.

Os meus anos em Roma junto do Papa foram um presente. Falava-nos, aos seminaristas, claramente e com força sobre a necessidade dos sacramentos, da oração, de cultivar a amizade com Deus, de sermos sinceros, de ter direção espiritual e de não estarmos dependentes das redes sociais. Eram mensagens cheias de esperança, de realismo que ajudavam e que manifestavam o amor de Deus por todos nós.

Missa Nova. Os sacerdotes concelebrantes são Gabriel de Castro e José Brage.

Esta proximidade também permite dar-se conta do ritmo de vida do Santo Padre e da enorme tarefa que realiza e como se entrega a ela com uma generosidade que mexe connosco.

Levo também desta etapa romana a proximidade do Prelado do Opus Dei, Monsenhor Fernando Ocáriz. Quando falei com ele antes da ordenação, pedi-lhe conselho para ser amável e ter bom feitio. Fez-me ver que os outros esperam que seja um sacerdote cem por cento, que fale de Cristo como destacava São Josemaria e que as minhas opiniões estejam em segundo plano. Animou-me a escutar primeiro e falar depois, a contar coisas, a interessar-me pelos outros sem polémicas, a unir com a ajuda de Deus.

Dando um passeio por Roma, depois da ordenação, com a mãe, duas tias maternas e vários dos irmãos e cunhados.

A sede de Deus

Conviveu com pessoas de várias religiões e crenças, qual pode ser o distintivo do sacerdote? Que perfil se necessita hoje em dia?

Ordenamo-nos sacerdotes para levar Cristo a todas as almas, a todas, não só aos católicos. A partir das carências pessoais, pode ver-se a sede de Deus Isto vê-se bem nas zonas de conflito. Foi nesses destacamentos que tive conversas mais profundas sobre Deus com os meus homens, Sobre a fé, a misericórdia, o sentido da dor ou a existência do mal. Também encontrei essa sede entre os que sofreram as consequências: nos refugiados, na população civil e entre os combatentes dos dois lados.

Mesmo com fraquezas, se uma pessoa trata de servir os outros, se se apercebe das suas necessidades, as pessoas notam-no imediatamente e mostram interesse e curiosidade por esse comportamento. Então é necessário explicar o amor de Deus que está por detrás disso.

Recordo que São Josemaria pedia a ajuda de Deus para ser santo e padre, mestre e guia de santos. Que lhe sugere este desejo do seu Fundador?

Essa é a missão do sacerdote, primeiro cuidar da sua própria vida interior, da sua piedade e da sua intimidade com Jesus Cristo. Depois, pode fazer as vezes de Jesus, levar aos outros a misericórdia, a ternura e o amor de Deus. Cada um, cada uma, foi escolhido por Deus para ser santo e é uma maravilhosa missão recordá-lo a todos. Esta missão é de todos os batizados, mas o sacerdote dá acesso aos sacramentos, o que, apesar da sua debilidade, lhe permite acompanhar e cuidar como o faria Cristo.

Um bom grupo da sua família, entre os quais dois sacerdotes jesuítas, com os quais pôde concelebrar a Missa, participou na sua ordenação.

Sim, foi uma alegria compartilhar esse momento com dois dos meus primos. Ambos são jesuítas: Diego, que vive em Roma e dá aulas na Gregoriana, é especialista em Doutrina Social da Igreja e Alfonso, que agora trabalha em Madrid, já viveu nas favelas do Rio de Janeiro e em alguns dos lugares mais pobres e perigosos do mundo; as suas histórias e testemunhos dão-me uma visão “de dentro” dos refugiados e dos mais necessitados. Nestes anos, agradeci muito o seu exemplo e os seus conselhos sobre o sacerdócio.


[*] N.T.: Costalero: A média de peso das imagens cada Paso situa-se entre os 1500 e os 2000 kg. Aí entra a figura dos Costaleros, que as levam às costas pelas ruas de Sevilha na Semana Santa. Trata-se de um trabalho duro, em que são necessárias grande precisão e organização. Afinal, ninguém quer ver uma imagem do século XVII, repleta de sentido religioso e histórico, a cair no chão. A distribuição dos costaleros pode variar entre as confrarias, mas geralmente são cerca de 40 pessoas, distribuídas por 8 fileiras. O ritmo e a velocidade são definidos pelo Capataz, que impõe o ritmo da marcha, as pausas e as eventuais trocas de turno para o merecido descanso. (Fonte: Internet)