Não sei como explicar

Maria Luísa é mãe de família e funcionária de justiça. Neste testemunho fala da liberdade interior e da proximidade de Deus na vida corrente.

Como os meus pais pretendiam que eu tivesse uma boa formação, levaram-me para um clube juvenil, onde me diverti imenso, embora a minha passagem por esse primeiro clube (e pelos que se seguiram) tenha sido, como diria… um pouco acidentada. Trocando-o por miúdos: expulsaram-me desse clube e de vários outros por ser rebelde.

Tinha então onze, doze, treze anos e não podia arranjar remédio; onde ia, armava sarilho. Um dia fui a um retiro, encontrei um megafone e a todas as que passavam dizia-lhes por trás, com voz cavernosa, escondendo-me para que não me vissem: “Olá! Sou Deus e vim dizer que…”; e apanhavam um susto de morte. Noutro retiro levei a minha cafeteira, instalei-a no quarto para tomar um cafezinho de vez em quando, liguei-a e … fundiram-se os fusíveis de toda a casa.

Tinham bastante paciência comigo, mas claro, aquilo não era vida… Aparentemente era uma dessas raparigas que não se apercebem de nada. Cresci entretanto, ultrapassei os clubes e comecei a viver a minha vida. Decidi divertir-me e andar na paródia. Foi um tempo em que me ria muito, mas por dentro estava inquieta, faltava-me qualquer coisa.

Tinha vinte anos quando uma amiga minha me falou na possibilidade de me entregar a Deus na Obra. Não recordo o que respondi à pobre, mas deve ter sido algo do género: Nem me fales nisso, criatura!

E voltei a passar-me de novo... Poder-se-ia pensar que a formação cristã me tinha entrado por um ouvido e me saía pelo outro… Mas a verdade é que muito cá tinha ficado, muitíssimo mais do que eu pensava.

Por isso – vejo-o agora – é tão importante semear, semear e semear durante esses anos da adolescência, procurando que se aproximem de Deus essas almas que parecem estar apenas interessadas em armar sarilho e fazer barulho; porque rapidamente, quando Deus quer, tudo o que se semeou faz “click” e dá fruto.

Foi pouco tempo depois, na Missa, quando regressava de comungar; vi claramente que Deus me pedia que me entregasse plenamente a Ele e em concreto, como supranumerária. E aqui me têm, casada, com quatro filhos e a trabalhar num tribunal – sou funcionária de justiça – como tantas sofridas mães do nosso tempo, procurando viver o espírito do Opus Dei o melhor que posso.

Às vezes penso: que faria Jesus Cristo se estivesse no meu local de trabalho? E imagino-O a atender o telefone, a organizar os documentos, a falar com o público. Com que serenidade trabalharia, com que alegria…

É curioso, estou a descobrir, pouco a pouco, a verdade de muitas coisas que já vinha ouvindo – graças aos meus pais e aos clubes – desde pequena. Por exemplo, o que significa isso de “santificar o trabalho”. Antes pensava que se tratava de o oferecer a Deus e que isso bastava... Mas não; é muito mais do que isso, porque quando se trabalha cara ao Senhor tudo adquire uma nova dimensão…

O espírito do Opus Dei dá um colorido formidável à vida e, ao mesmo tempo, torna-a muito mais simples. Descomplicamo-nos, libertamo-nos… sim; e tornamo-nos muito mais livres. Se as pessoas, que têm tantas ânsias de liberdade, soubessem que a liberdade interior e as asas que dá esforçar-se por estar cada dia mais perto de Deus! Quanto mais se ama, mais libertos nos sentimos. Com razão dizia Santo Agostinho: “ama e faz o que quiseres”.

Se as pessoas soubessem o que significa sentir-se querido pelo Senhor! Muitas pessoas pensam que isto de “viver cristãmente a vida corrente”, a que tanto ajuda o espírito do Opus Dei, parece-se com o circo, tratando-se de conseguir o “ainda mais difícil” ou de fazer coisas aparatosas, eu sei lá… e não é assim, já o dizia São Josemaria, trata-se de amar, de amar muito a Deus e aos outros e de amar nas coisas pequenas; de pôr muito carinho em tudo o que fazemos, quando se está entre sentenças ou recursos, ou a dar banho a um filho, ou a limpar a cozinha.

No outro dia estava eu a lavar pratos e pensava: Meu Deus, estou a lavar pratos e estou a amar-Te!

Isso dá-nos uma felicidade, uma liberdade… não sei como explicar.