NA SEGUNDA leitura da Missa deste domingo, o apóstolo Tiago recomenda aos cristãos que não façam aceção de pessoas. Pelo que diz, parece que, se alguém chegava a uma assembleia “com anéis de ouro e bem vestido”, era alvo de grande atenção e era-lhe dado o melhor lugar. Em contrapartida, se entrava “um pobre e mal vestido”, era ignorado ou até lhe era dito: “Tu, fica aí de pé” ou então “Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés”. O apóstolo recorda-nos que esta atitude é totalmente contrária à mensagem cristã. «Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?» (Tg 2, 1-5).
Por vezes, pode acontecer que a nossa visão da realidade esteja marcada por preconceitos. Já temos ideias preconcebidas, que nos levam a classificar as pessoas e os acontecimentos de forma positiva ou negativa. Por vezes, estas ideias podem estar baseadas em experiências passadas, mas outras vezes são simplesmente o resultado de uma primeira impressão ou de uma opinião que ouvimos. Embora possamos ter razões para desenvolver um juízo negativo, podemos fixarmo-nos no olhar de Cristo, que não se detém nos erros e nos pecados. «Olha à tua volta: verás que muitas pessoas que vivem perto de ti se sentem feridas e sozinhas, precisam de se sentir amadas: dá o passo. Jesus pede-te que não olhes só para as aparências, mas que vás ao coração; (…) que não julgue, mas que acolha»[1].
Neste mesmo sentido, o prelado do Opus Dei assinala que «a compreensão, fruto do amor fraterno, leva também a evitar discriminações nas relações com os outros, que poderiam surgir ao constatarmos as diferenças»[2]. Assim, o que nos distingue dos outros não será visto como um obstáculo, mas como uma oportunidade para dilatarmos o nosso coração e oferecermos o nosso amor sem barreiras de qualquer tipo. «Tendes também de praticar constantemente uma fraternidade – dizia São Josemaria – que esteja por cima de toda a simpatia ou antipatia natural, amando-vos uns aos outros como verdadeiros irmãos, com o relacionamento e a compreensão próprios daqueles que formam uma família bem unida»[3].
O EVANGELHO de hoje narra o milagre da cura de um homem surdo-mudo. Quando lho apresentaram, Jesus afastou-o da multidão, «meteu-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua. Depois, erguendo os olhos ao Céu, suspirou e disse-lhe: ‘Efatà’, que quer dizer ‘Abre-te’. Imediatamente se abriram os ouvidos do homem, soltou-se-lhe a prisão da língua e começou a falar corretamente» (Mc 7, 33-35). Muitos dos milagres de Jesus estão relacionados com os sentidos. Graças a essas curas, as pessoas puderam contemplar a realidade em todo o seu esplendor: ouvir a voz dos entes queridos, apreciar uma bela paisagem, exprimir-se sem problemas, mover-se sem limitações... Para a maior parte das pessoas era algo a que não davam grande importância. Mas para eles, não: o facto de terem sido privados dessas sensações fazia com que as apreciassem de uma forma única.
Podemos aprender, com as pessoas que foram curadas por Jesus, a maravilhar-nos com o que a vida tem para nos oferecer. Por vezes, pode acontecer que a realidade que temos diante de nós não seja muito entusiasmante. Isso leva-nos a procurar refúgio em estímulos que já sabemos que nos interessam, ou em atividades que correspondem às nossas expectativas. No entanto, esta atitude torna difícil comunicar com os outros e desfrutar dos pequenos prazeres que a vida nos oferece: a satisfação de um trabalho bem feito, uma conversa entre amigos, um simples jantar com a família, um momento de leitura ou de desporto...
São Josemaria também nos aconselhava a viver a mortificação dos sentidos: pequenos sacrifícios que nos permitem viver com autenticidade o que temos entre mãos, rejeitando os primeiros impulsos que a imaginação nos sugere[4]. Podemos assim desenvolver «uma atitude do coração, que vive tudo com serena atenção, que sabe manter-se plenamente presente diante duma pessoa sem estar a pensar no que virá depois, que se entrega a cada momento como um dom divino que se deve viver em plenitude»[5]. Pormenores como abençoar a mesa antes de começar a refeição ou interessar-se pelas coisas dos outros em vez de recorrer ao telemóvel permitem-nos, de certa forma, curar os nossos sentidos: são momentos em que travamos o primeiro impulso de procurar uma satisfação ou uma distração, para contemplar Deus e os nossos irmãos.
DEPOIS da cura, Jesus pediu aos presentes que não o dissessem a ninguém. No entanto, o evangelista observa que, quanto mais lhes ordenava, «mais intensamente eles o apregoavam. Cheios de assombro, diziam: ‘Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem’» (Mc 7, 36-37). Tal desobediência pode surpreender, mas São João Crisóstomo explica a sua atitude como uma incapacidade de se conter e comenta: «O que ele nos quer ensinar é que nunca devemos falar de nós próprios ou permitir que os outros nos louvem; mas se a glória se refere a Deus, não só não devemos impedi-lo, como podemos ordená-lo»[6].
O que aconteceu ao que era surdo-mudo é uma reação natural. Se acontece a qualquer um de nós algo de extraordinário, é normal que o partilhemos com os outros. A transmissão do Evangelho segue a mesma lógica: encontrámos no Senhor um amor que responde às necessidades mais profundas do coração humano. «É por isso que evangelizamos. O verdadeiro missionário, que não deixa jamais de ser discípulo, sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária. Se uma pessoa não O descobre presente no coração mesmo da entrega missionária, depressa perde o entusiasmo e deixa de estar segura do que transmite, faltam-lhe força e paixão. E uma pessoa que não está convencida, entusiasmada, segura, enamorada, não convence ninguém»[7].
É por este motivo que São Josemaria dizia que a primeira pedra da evangelização é o cuidado da relação pessoal com o Senhor, pois só assim a sementeira será eficaz: «É preciso que sejas ‘homem de Deus’, homem de vida interior, homem de oração e de sacrifício. – O teu apostolado deve ser uma superabundância da tua vida ‘para dentro’»[8]. Podemos pedir à Virgem Maria que nos ajude a estar muito unidos ao seu Filho, para que o possamos dar a conhecer às pessoas que nos rodeiam.
[1] Francisco, Angelus, 27/06/2021.
[2] Fernando Ocáriz, Carta Pastoral, 16/02/2023, n. 6.
[3] São Josemaria, Carta 30, n. 28.
[4] cf. São Josemaria, Caminho, n. 173, entre outros.
[5] Francisco, Laudato Si’, n. 226.
[6] São João Crisóstomo, In Matthaeum, 32, 1.
[7] Francisco, Evangelii Gaudium, n. 266.
[8] São Josemaria, Caminho, n. 961.