Meditações: terça-feira da XXI semana do Tempo Comum

Reflexão para meditar na terça-feira da XXI semana do Tempo Comum. Os temas propostos são: Cristo não rejeita os fariseus; querer perceber o bem nos preceitos: limpar de dentro para fora.


O EVANGELHO apresenta-nos muitos encontros de Jesus com os escribas e os fariseus. Com frequência vemo-lo a dialogar com eles, procurando incansavelmente a sua conversão; o que não é de estranhar, pois «o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 10), e Cristo via essas pessoas mais longe do Reino de Deus do que os publicanos e as prostitutas (cf. Mt 21, 31). Sabemos que, diante de quem necessita, o Senhor não nega a sua ajuda e faz tudo o que está nas Suas mãos para recuperar a ovelha perdida. E essas ovelhas extraviadas que eram alguns dos escribas e fariseus custaram-lhe grandes esforços. Na sua vida terrena – e pelo pouco que podemos saber – só pode contar umas poucas vitórias. Já antes da sua Paixão e Morte encontramos algum doutor da lei que se conta entre os seus discípulos, apesar de o fazer às escondidas (cf. Jo 7, 50 e Jo 19, 38). Depois da sua ressurreição, abraçarão a fé uns fariseus (cf. At 15, 5). Entre eles, alguns continuarão com os mesmos esquemas da antiga lei, o que criaria algumas dificuldades na primeira comunidade cristã (cf. At 15, 5); outros, como Paulo (cf. At 23, 6), terão uma eficácia maravilhosa.

É de supor que Jesus não se sentiria muito confortável em alguns desses encontros com os membros da autoridade judaica. Muitas vezes sabia que a única coisa que procuravam nele era uma declaração para o acusar. Sofria, além disso, com a cegueira dos seus corações, que os impedia de acolher a boa nova que anunciava. Apesar de tudo, Cristo não se afastou deles. Segundo os nossos esquemas, talvez tivesse sido melhor rodear-se unicamente daqueles que entendiam a sua mensagem e o escutavam com carinho, mas o Senhor não recusou o diálogo com quem não o amava. Afinal, Deus não quer «a morte do ímpio, mas sim a sua conversão» (Ez 33, 11). Quando se dirigia a eles fazia-o com o desejo de que retificassem e mudassem de vida, também quando o fazia com mais firmeza: «Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho, mas omitis as coisas mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade!» (Mt 23, 23).

Podemos pedir ao Senhor que nos ajude a ter essa sede de almas que nos leve a procurar a salvação dos homens, também daqueles que talvez não nos compreendam. «Queremos fazer o bem a todos – escrevia São Josemaria –: aos que amam Jesus Cristo e aos que talvez o odeiem. Mas destes temos também muita pena: por isso temos de procurar tratá-los com carinho, ajudá-los a encontrar a fé, afogar o mal – repito − em abundância de bem. Não temos de ver ninguém como um inimigo: se combatem a Igreja por má fé, a nossa reta conduta humana, firme e amável, será o único meio para que, com a graça de Deus, descubram a verdade ou pelo menos a respeitem»[1].


CRISTO rejeita os fariseus e os escribas que cumprem as regras humanas com rigor enquanto descuidam os preceitos básicos divinos. No entanto, não critica o facto de existirem essas normas. Jesus afirma que é necessário cumpri-las, mas sem esquecer o essencial, que é a lei dada por Deus. E isto é possível se procurarmos ver o bem que existe por detrás de tudo o que realizamos: a justiça, a misericórdia, a fidelidade… numa palavra, o amor, «pois toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra» (Gl 5, 14). O problema de alguns escribas e fariseus é que tinham perdido a verdadeira perspetiva de todas essas normas e se tinham tornado guias cegos, capazes de coar o mosquito e engolir o camelo (cf. Mt 23, 24).

Cultivar esta atitude de querer perceber para viver a relação com Deus com «voluntariedade atual»[2], por amor, não é nem automático nem simples. Por isso, São Josemaria falava da formação como uma batalha que, além de ser árdua, «nunca acaba»[3]. A Lei deve ser entendida, porque foi dada para seres inteligentes, que são convidados a deixarem-se guiar por ela de um modo profundo, não superficial. «Ser santos – comenta o prelado do Opus Dei – não é fazer cada vez mais coisas ou cumprir certos padrões que nos tenhamos imposto como objetivo. O caminho para a santidade, como nos explica São Paulo, consiste em corresponder à ação do Espírito Santo, até que Cristo esteja formado em nós (cf. Gl 4, 19)»[4].

Deste modo, podemos ver tudo o que constitui a vida cristã – mandamentos, normas de piedade, obras de misericórdia… – como meios que nos levam a identificar-nos com o Senhor. Estas práticas são «parte de um diálogo de amor que abarca toda a nossa vida e levam-nos a um encontro pessoal com Jesus Cristo. São momentos em que Deus nos espera para partilhar a Sua vida com a nossa»[5].


«AI DE VÓS, escribas e fariseus hipócritas, que limpais o exterior do copo e do prato, que por dentro estão cheios de rapina e intemperança» (Mt 23, 25). Jesus chega à raiz do problema. Sublinha o contraste entre aquilo que essas pessoas manifestam por fora – orações em voz alta, jejuns chamativos… – e aquilo que têm dentro –desejos de aparentar, procura de reconhecimento… –. «É preciso dizer não à “cultura da maquilhagem”, que ensina a cuidar das aparências. Em vez disso, há que purificar e guardar o coração, o íntimo do homem, precioso aos olhos de Deus; não o exterior, que desaparece»[6].

O caminho indicado por Jesus é o de purificar de dentro para fora. «Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo» (Mt 23, 26). Entendemos assim que a formação que o Senhor quer para nós não consiste em acumular uma grande quantidade de informação, mas exige um desenvolvimento da interioridade da pessoa. Não é uma questão de acolher muitas sementes que cresçam rapidamente à superfície para dar a impressão de fecundidade. Trata-se pelo contrário de trabalhar um terreno profundo e rico, capaz de deixar germinar a semente plantada por Jesus Cristo na nossa alma.

Esta é uma tarefa que compete exclusivamente a cada um, com a ajuda da graça. Enquanto as boas obras externas talvez se possam realizar em parte pela influência dos outros – ou porque nos animam ou porque o ambiente nos incentiva a isso –, nós somos os responsáveis por desenvolver a nossa interioridade; ou seja, por construir um mundo interior que desfrute do bem que fazemos e rejeita o mal não porque é uma proibição, mas porque nos afasta da felicidade que queremos. E isto «requer a capacidade de parar, de “desativar o piloto automático”, para tomar consciência da nossa maneira de agir, dos sentimentos que nos habitam, dos pensamentos recorrentes que nos condicionam, e muitas vezes sem que saibamos»[7]. A Virgem Maria é modelo de interioridade cuidada que acolhe a palavra e a põe em prática (cf. Lc 11, 28). Ela poderá ajudar-nos a caminhar fielmente, sem ambiguidades, seguindo os passos do seu Filho.


[1] São Josemaria, Carta 4, n. 24.

[2] São Josemaria, Caminho, n. 293.

[3] São Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 18/06/1972.

[4] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28/10/2020, n. 6.

[5] Ibid.

[6] Francisco, Homilia, 03/11/2018.

[7] Francisco, Audiência, 05/10/2022.