SÃO MATEUS recolhe cinco grandes discursos de Jesus no seu Evangelho. Um deles começa com uma pergunta que os seus discípulos lhe fazem: «Quem é o maior no reino dos céus?» (Mt 18, 1). O Senhor responde com um exemplo vivo: «Ele, chamando a si uma criança, colocou-a no meio deles e disse: «Em verdade vos digo: Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos Céus» (Mt 18, 2-3). Diante de um público que talvez estivesse à procura de ganhar méritos para ter uma posição privilegiada junto do Mestre, Cristo desmonta toda a lógica humana. Não são os nossos êxitos que nos asseguram um lugar de honra no Reino, mas a luta por nos tornarmos como crianças e aceitarmos com humildade os nossos limites. As crianças vivem abandonadas, com confiança de que os adultos solucionarão os problemas que surgirem e despreocupadas com a sua reputação. Os pequenos entendem que a sua verdadeira riqueza é a que recebem de Deus e dos outros.
Se observarmos como se comportam as crianças, podemos ver que procuram em primeiro lugar a atenção dos adultos. «Elas devem estar no centro, porquê? Porque são orgulhosas? Não! Porque têm necessidade de se sentir protegidas. Também nós temos a necessidade de pôr Jesus no centro da nossa vida»[1]. Uma criança sabe que, por si só, não pode fazer nada. À medida que cresce, vai obtendo uma maior independência, e muitas, quando chegam à adolescência, passam para o extremo oposto: pensam que são autossuficientes e que não precisam nada dos outros. O passo seguinte de maturidade consiste em reconhecer que as pessoas que estão junto de nós têm muito a oferecer-nos: sem elas não seríamos a mesma pessoa.
Na nossa vida interior pode suceder algo parecido. Aprendemos a tratar Deus graças aos nossos pais, a um catequista ou a um sacerdote. Talvez pensemos que chegará um momento em que não nos fará falta a ajuda que os outros nos oferecem. Neste sentido, São Josemaria comentava que os grandes erros que cometem os homens «procedem sempre da soberba de nos crermos adultos, autossuficientes. Nesses casos, torna-se predominante na pessoa uma espécie de incapacidade de pedir ajuda a quem a pode dar: não só a Deus, mas também ao amigo ou ao sacerdote. E aquela pobre alma, isolada na sua desgraça, afunda-se na desorientação e no descaminho»[2]. Por isso o fundador do Opus Dei recomendava fomentar o desejo de ser como as crianças para que a própria vida seja grande: «Que sejais, espiritualmente, muito crianças! Quanto mais, melhor. Di-lo a experiência deste sacerdote que teve de se levantar muitas vezes, ao longo destes trinta e seis anos (que longos e ao mesmo tempo, que curtos me parecem!) em que tem procurado cumprir uma Vontade precisa de Deus. Houve uma coisa que sempre me ajudou: ser criança, e meter-me continuamente no regaço de minha Mãe e no Coração de Cristo, meu Senhor»[3].
SE OBSERVARMOS novamente como são as crianças, podemos descobrir outro aspeto da sua maneira de ver a vida: gostam muito de brincar. E muitas vezes não se conformam com brincar com os da sua idade, mas querem que os seus pais participem na brincadeira. Isto, para um adulto, supõe abandonar a própria lógica e voltar a ser pequeno. «Se quisermos que ela se divirta, é necessário perceber do que gosta e não ser egoístas»[4]. De certo modo, implica deixar de lado as preocupações pessoais – provavelmente muito mais urgentes do que esse jogo – e pensar naquilo que o filho espera nesse momento do seu pai ou da sua mãe. Podemos também desenvolver esta atitude com as pessoas que estão à nossa volta. Quando temos um detalhe de serviço ou de afeto para com uma pessoa estamos a seguir a lógica da brincadeira: identificamos o que o outro pode necessitar e tratamos de o satisfazer.
Às vezes, efetivamente, pode não ser simples encontrar tempo para brincar, ou seja, para ter essas atenções para com os outros. No entanto, São Josemaria entendia que essas manifestações de apreço têm uma importância decisiva para alcançar a própria felicidade e a dos outros. Por isso animava os seus filhos: «Não me importo de o repetir muitas vezes. De carinho, todas as pessoas precisam, e nós também precisamos na Obra. Esforçai-vos para que, sem sentimentalismos tontos, aumente sempre o afeto pelos vossos irmãos. Qualquer coisa de outro filho meu deve ser – verdadeiramente! – muito nossa: o dia em que vivermos como estranhos ou como indiferentes, matámos o Opus Dei»[5]. O esforço por pensar nos que nos rodeiam, além de nos encher de alegria, ajuda-nos a reconhecer que o Senhor é o primeiro que brinca connosco. «Só a minha disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torna sensível também diante de Deus. Só o serviço ao próximo é que abre os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como Ele me ama»[6].
EM BOA medida, podemos reconhecer Deus naqueles que, de um ponto de vista meramente material, parece que têm pouco a oferecer-nos: as crianças, os doentes, os velhos… Neste sentido, São Josemaria dizia: os pobres «são o meu melhor livro espiritual e o motivo principal das minhas orações. Dói-me a sua dor, e dói-me o sofrimento de Cristo neles. E, porque me dói, compreendo que O amo e que os amo»[7]. Desde o começo do seu trabalho pastoral que o fundador do Opus Dei estava ciente desta hierarquia proclamada por Jesus. «– Criança. – Doente. – Ao escrever estas palavras, não sentis a tentação de as pôr com maiúscula? É que, para uma alma enamorada, as crianças e os doentes são Ele»[8]. São palavras que surgem depois da sua experiência a atender pessoas necessitadas no patronato de Santa Isabel, nos anos 30 em Madrid.
O cuidado dos mais débeis aproxima-nos do Senhor. Em primeiro lugar, porque tudo o que fazemos por eles é como se o fizéssemos ao próprio Deus: «Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). De certo modo também nos divinizamos, pois seguimos o mesmo estilo de vida de Jesus – «não veio para ser servido, mas para servir» (Mt 20, 28) –, e convertemo-nos em seus embaixadores, uma vez que fazemos chegar à outra pessoa o consolo que Deus lhe oferece. Além disso, faz-nos ter um coração semelhante ao do Senhor, que ama sem esperar nada em troca. É certo que talvez materialmente essas pessoas nos possam dar-pouco, mas na realidade dão-nos o que é mais importante: mostram-nos o próprio Deus.
«Dar a alguém todo o teu amor nunca é certo de que te amarão de volta – comentava Santa Teresa de Calcutá –, mas não esperes que te amem de volta; espera só que o amor cresça no coração da outra pessoa, mas se não cresce, sê feliz porque cresceu no teu. Há coisas que te encantaria ouvir, que nunca escutarás da pessoa que gostavas que tas dissesse, mas não sejas tão surdo para não as ouvir daquele que as diz do seu coração»[9]. Em muitas ocasiões, a criança, o doente ou o velho de quem cuidamos não nos manifestará explicitamente o seu agradecimento. Oferecem-nos de novo outra possibilidade de nos assemelharmos a Deus, pois Ele também nos dispensa o seu carinho constante, apesar de não nos darmos conta. A Virgem Maria poderá ajudar-nos a ter um coração de mãe, que não tem medo de se dar às pessoas que ama.
[1] Francisco, Audiência, 30/12/2015.
[2] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 147.
[3] Ibid.
[4] Francisco, Audiência, 30/12/2015.
[5] São Josemaria, AGP, biblioteca, P01, citado em Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 16/02/2023, n. 9.
[6] Bento XVI, Deus caritas est, n. 18.
[7] São Josemaria, Sulco, n. 827.
[8] São Josemaria, Caminho, n. 419.
[9] Santa Teresa de Calcutá, Pobre entre los más pobres, Ediciones Paulinas, 2003, p. 31.