OS ESCRIBAS e os fariseus eram conhecidos por serem crentes zelosos e praticantes da Lei. No entanto, alguns deles limitavam-se a pregar aos outros e não punham em prática o que ensinavam. É por isso que Jesus, em várias ocasiões, sublinha a sua hipocrisia, com uma repreensão cheia de dor pelas almas, com o desejo de os fazer mudar de atitude: «Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que fechais aos homens o Reino dos Céus! Porque nem vós entrais, nem deixais entrar os que querem entrar» (Mt 23, 13).
Num certo sentido, cada cristão tem em comum com os escribas e os fariseus a missão de ensinar, isto é, de transmitir a fé no seio da própria família e entre os amigos. Em sentido lato, todos nós somos, de alguma forma, líderes; espera-se que guiemos os outros com sensibilidade e pleno respeito pela sua liberdade. E isso implica, em primeiro lugar, oferecer um testemunho coerente. «A palavra tem força quando é acompanhada por obras»[1], ensinava Santo António. Um cristão é chamado a «fazer da sua vida quotidiana um testemunho de fé, de esperança e de caridade; um testemunho simples, normal, sem necessidade de manifestações espetaculares, destacando – com a coerência da sua vida – a presença constante da Igreja no mundo, uma vez que todos os católicos são eles próprios Igreja, pois são membros de pleno direito do único Povo de Deus»[2].
Transmitir a fé pelo exemplo não significa que os cristãos tenham de ser perfeitos. As pessoas que nos rodeiam estão provavelmente conscientes de alguns dos nossos defeitos, das pequenas ou grandes incoerências entre o que pretendemos ensinar e o que realmente somos. O que é decisivo, no entanto, não é levar uma vida sem falhas, pois isso é impossível. De facto, essas incoerências, quando são humildemente reconhecidas e combatidas com esforço e com a graça de Deus, podem iluminar as pessoas que nos rodeiam: elas percebem que o ideal cristão não é ser perfeito, mas esforçar-se por se tornar cada vez mais semelhante a Cristo. É por isso que, mesmo com este defeito, os outros podem ver que é possível estar perto de Deus, porque Ele não põe nenhum obstáculo ao seu amor. Afinal, a santidade não é algo que se consegue de um dia para o outro, mas é um caminho que se percorre ao longo da vida.
«AI DE VÓS, escribas e fariseus, hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas abandonastes o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade! Deveis fazer isto sem abandonar o outro» (Mt 23, 22). Jesus denuncia aqueles que dão demasiada importância às coisas acessórias e perdem de vista o essencial. De facto, alguns escribas e fariseus, tinham adotado muitos preceitos humanos que nada tinham a ver com a lei divina. Isto levou-os a formar uma casuística pormenorizada do que se podia e do que não se podia fazer. Ao fazê-lo, revelavam um certo orgulho e autossuficiência: provavelmente pensavam que, para ganhar a vida eterna, bastava seguir estas disposições. Esqueciam-se de que a salvação não é algo que possamos merecer humanamente com as nossas ações, mas é sempre um dom de Deus.
O problema que Jesus põe em evidência não é tanto a existência desses preceitos humanos, que podem ter sentido, mas o facto de a Lei essencial, dada por Deus, ser negligenciada.
Alguns membros da autoridade judaica observavam perfeitamente as regras estabelecidas por eles próprios, mas esqueciam-se de viver a justiça, a caridade e a misericórdia para com os seus irmãos. O amor a Deus e o amor aos outros tinham passado para segundo plano: o importante era cumprir à letra as suas regras.
Esta atitude de alguns fariseus e escribas pode também estar presente nos nossos dias. «Nalguns há um cuidado ostensivo pela liturgia, pela doutrina e pelo prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho tenha uma inserção real no Povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história»[3]. Podemos pedir ao Senhor, antes de mais, que saibamos viver a sua lei com o coração, desejando agradar-lhe em tudo o que fazemos. «Dar "toda" a glória a Deus. – "Espreme" com a tua vontade, ajudado pela graça, cada uma das tuas ações, para que nelas não fique nada que cheire a humana soberba, a complacência do teu "eu"»[4]. Deste modo podemos transmitir uma lei que não é autorreferencial nem se baseia apenas em práticas exteriores, mas que procura sobretudo o bem autêntico dos outros: «O Evangelho responde às necessidades mais profundas dos homens, porque todos somos criados para aquilo que o Evangelho nos propõe: a amizade com Jesus e o amor fraterno»[5].
NOS ANOS SESSENTA, um grande número de estudantes vivia em Villa Tevere, que na altura era a sede do Colégio Romano da Santa Cruz, onde muitos membros da Obra recebiam formação. Numa ocasião, foi-lhes dada a indicação de não se sentarem em cima de arcas decorativas perto da sala de jantar, para evitar que se estragassem. Passados alguns dias, quando chegaram a essa parte da casa, encontraram São Josemaria sentado numa das arcas, batendo-lhe com o calcanhar enquanto olhava para eles divertido. Explicou-lhes que este aviso tinha sido dado como um pormenor concreto para viver a pobreza, porque eles eram muitos na casa. E conclui: «Não somos maníacos com a pobreza, nem com a ordem, nem com as coisas pequenas, meus filhos, fazemos tudo por amor de Deus»[6].
Por vezes, a meticulosidade, mesmo em coisas relacionadas com a vida espiritual, pode ter como objetivo apaziguar a consciência em vez de agradar a Deus. Assim, é fácil que as nossas relações com Nosso Senhor se tornem uma formalidade. É por isso que São Josemaria costumava dizer que «a santidade tem a flexibilidade dos músculos soltos. Quem quer ser santo sabe comportar-se de tal maneira que, ao mesmo tempo que faz uma coisa que o mortifica, omite – se não for ofensa a Deus – outra que também lhe custa, e dá graças a Nosso Senhor por essa comodidade. Se os cristãos atuassem de outra maneira, corriam o risco de se tornarem tesos, sem vida, como uma boneca de trapos. A santidade não tem a rigidez do cartão: sabe sorrir, ceder, esperar. É vida: vida sobrenatural»[7].
São Francisco de Sales, logo no início da sua correspondência com a que viria a ser Santa Joana de Chantal, alertava-a para a possível falta de liberdade de filha de Deus em que ela poderia cair, mesmo no seu desejo de vida cristã. «Uma alma que se tenha apegado ao exercício da meditação, se for interrompida, vê-se sair triste, ansiosa e perturbada. A alma que tem a verdadeira liberdade sairá com um rosto sereno e um coração bondoso para com o importuno que a perturbou, pois é tudo uma coisa só, ou servir a Deus meditando, ou servi-l’O suportando o próximo; ambos são a vontade de Deus, mas suportar o próximo é necessário neste momento»[8]. Podemos pedir à Virgem Maria que nos ajude a tratar o seu Filho com um coração livre de formalismos e cheio de amor autêntico e simples.
[1] Santo António de Lisboa, Sermões, I, 226.
[2] São Josemaria, Cristo que passa, n. 53.
[3] Francisco, Evangelii gaudium, n. 95.
[4] São Josemaria, Caminho, n. 784.
[5] Francisco, Evangelii Gaudium, n. 265.
[6] São Josemaria, citado em Pilar Urbano, El hombre de Villa Tevere, Plaza & Janés, Barcelona 1995, p. 225.
[7] São Josemaria, Forja, n. 156.
[8] São Francisco de Sales, Carta à Baronesa de Chantal, 14/10/1604.