Como era Guadalupe?

Assinalamos a sua data de nascimento (12 de dezembro) com a publicação desta entrevista a Mary Altozano que conheceu Guadalupe Ortiz de perto.

Mary Altozano conheceu Guadalupe em 1949.

Falou comigo com muita amizade e muito respeito pela minha liberdade. Eu já tinha o desejo de fazer tudo o que Deus me pedisse. Mas aquela sua ousadia chocou-me, e disse-lhe: "Guadalupe, tu ainda nem sequer me conheces bem. Como podes estar a sugerir-me isso a mim? " Guadalupe respondeu: "Tens razão. Não te conheço, mas conheço bem a tua família e sei que tiveste uma boa formação em casa. Agora é apenas uma questão de generosidade". E acrescentou:" Pensa nisso e faz absolutamente o que tu decidires"– e sublinhou a importância de atuar com total liberdade –" mas se decidires que sim, assim será. Não pode ser hoje sim e amanhã não. É para sempre". Explicou-me isso tão bem que eu compreendi que, se eu decidisse que sim, fá-lo-ia com a plena consciência do que isso significava. Depois disse-me: "Agora não precisamos de voltar a falar sobre este tema".

Fui à capela, e quando entrei, diante do Sacrário, onde Jesus está realmente presente, disse-Lhe que sim. Decidi que queria dizer sim ao Senhor naquele momento, sem O fazer esperar mais tempo. Tenho a certeza de que foi uma graça muito especial que me levou a decidir-me em tão pouco tempo, mas foi uma decisão completamente consciente que, graças à ajuda de Deus, honrei ao longo de todos estes anos. Fui procurar a Guadalupe para lhe perguntar como havia de pedir a admissão, e ela explicou-me que devia escrever uma carta ao Fundador, dizendo que queria ser do Opus Dei.

Registei sempre a confiança que a Guadalupe me demonstrou ao permitir que eu pedisse a admissão porque, assim que o retiro acabou, eu voltei para minha terra em Jaén, Espanha, onde não havia ninguém do Opus Dei. Precisava de falar com os meus pais. Sabia que eles não se iriam opor, porque o meu pai sempre dizia que primeiro somos filhos de Deus e depois filhos dos nossos pais; e que nenhum pai se poderia opor a uma decisão justa dos seus filhos, não só no campo profissional como nos outros. Contei primeiro à minha mãe, e a sua reação foi olhar para a imagem do Sagrado Coração de Jesus do quarto dela, com lágrimas a correr-lhe pelo rosto. O meu pai, quando percebeu que eu estava determinada, disse-me para ir em frente. - Como conheceu a Guadalupe?

- Em 1949, eu tinha 19 anos. Sou da Andaluzia, mas estava de passagem em Madrid, com os meus pais, para visitar um dos meus irmãos. Uma das minhas irmãs dava-se bem com a Guadalupe e convidou-me para a irmos visitar a Zurbarán, uma residência para estudantes universitárias. Quando chegámos, entrámos numa sala em que Guadalupe ia começar a dar uma palestra… E começou a falar sobre a oração. Até hoje, eu conseguiria provavelmente reproduzir tudo o que ouvi naquele dia. Fiquei impressionada com a força e a convicção com que ela falou. Poderia dizer-se que tudo aquilo brotava da sua experiência pessoal: a forma como nos dizia que podíamos conversar com Deus, de tu a Tu, em qualquer hora do dia, que Deus era nosso Pai e estava loucamente apaixonado por nós. Comentou também a presença real de Jesus Cristo no Sacrário, onde está à espera que nós lhe falemos sobre o nosso dia. Até àquele momento da minha vida, eu já sabia essas coisas e vivia uma vida cristã, mas nunca tinha ficado entusiasmada com elas. E decidi então voltar a Zurbarán. Contei isto às minhas duas melhores amigas, que também tinham ido comigo nesse dia.

- Houve alguma coisa na Guadalupe que a impressionou?

- A sua naturalidade. Inspirava confiança, e notava-se que as estudantes que viviam na residência tinham grande amizade por ela e que a conheciam bem.

- Mas de facto não chegou a falar com ela nesse primeiro dia...

- Exatamente, mas dois ou três dias depois, a minha irmã perguntou-me se eu queria voltar lá. Dessa vez, ajudámos nalgumas tarefas lá em casa. No fim, Guadalupe chegou e conversámos as duas um bocado. Convidou-me para um retiro que ia haver num Centro chamado Molinoviejo, em Segóvia. Como eu só estava em Madrid de férias, respondi que costumava fazer um retiro com a minha paróquia, na Andaluzia. Ela referiu que as datas do retiro combinavam perfeitamente com a minha estadia em Madrid e que ficava convidava para ir, de qualquer forma. Mas eu decidi não ir e despedi-me, pensando que nunca mais a veria. Em todo o caso, lembro-me desse encontro como uma conversa agradável, e saí bem-disposta.

Ainda me lembro de outro dia em que me explicou o que era a Obra, porque me falou sem qualquer imposição, abrindo no meu horizonte um panorama muito atrativo.

- E acabou por voltar a vê-la?

- Nesse mesmo dia, enquanto almoçava na casa onde estávamos, o telefone tocou. Era a Guadalupe. Queria saber o que tinha eu decidido sobre o retiro. Disse-lhe que não ia, e ela disse que me poderia arrepender, e por isso mesmo me ligaria de novo mais tarde, para o caso de eu mudar de ideias. Quando voltei para a mesa, o meu irmão, que tinha ouvido a conversa, perguntou-me: "Mas tu queres ir? Claro que é complicado teres que falar com mãe e o pai, pedir dinheiro...e tudo isso, mas se realmente queres ir, não te preocupes: eu trato do assunto."Quando vi como tudo se tornara fácil, e uma vez que eu queria efetivamente ir, decidi não só ir eu, mas convidar também duas amigas. Telefonei à Guadalupe e disse-lhe que íamos três.

- E a Guadalupe estava nesse retiro?

- Sim. O que me lembro desse retiro é do ambiente de silêncio, que dava a cada uma a possibilidade de conversar realmente com Deus e de O ouvir. Mas o que melhor recordo é a conversa que tive com a Guadalupe. Ela explicou-me a mensagem do Opus Dei – a ideia da santidade no meio do mundo – de uma forma muito bonita, clara e com pormenor, mostrando, ao mesmo tempo as exigências. Exigia amar Jesus Cristo com todo o coração, com toda a força, no trabalho e em casa, dando-O a conhecer e esforçando-se por semear paz e alegria em todo o lado. E a certa altura, ela perguntou-me: "Não te parece que esta poderia ser uma bela chamada para ti?"

ERA UMA PESSOA MUITO INTELIGENTE, DE UMA SÓ PEÇA, E TINHA UM GRANDE DESEJO DE AJUDAR MUITAS PESSOAS A APROXIMAR-SE MAIS DE DEUS, O QUE ELA FAZIA DE FORMA MUITO NATURAL.
Me habló con mucho cariño y respeto a mi libertad, y yo tenía la disposición de hacer lo que Dios me pidiera. Sin embargo, me sorprendió su audacia y le dije: “Guadalupe, tú no me conoces, ¿cómo puedes proponerme esto?”. Guadalupe me contestó: “Tienes razón, no te conozco, pero conozco muy bien a tu familia y sé la formación que has recibido en tu casa, así que ahora es cuestión de generosidad”. Y añadió: “Tú piénsalo y haz absolutamente lo que quieras —subrayó mucho la libertad— pero si te decides, te decides. No es hoy sí y mañana no, es una decisión para siempre”. Ella me lo explicó tan bien que yo entendí que, si me decidía, lo hacía plenamente. Luego me dijo: “Ya no te diré nada más, no te hablaré más de este tema”.

Me fui al oratorio, y cuando entré, delante del sagrario, donde está realmente presente Jesucristo, le dije que sí: decidí que quería responder que sí al Señor en ese momento, sin hacerle esperar más. Seguramente fue una gracia muy especial, que me llevó a decidirme en poco tiempo, pero fue una decisión totalmente consciente, que luego he mantenido —con la ayuda de Dios— durante todos estos años. Fui a buscar a Guadalupe para preguntarle cómo podía pedir la admisión y ella me explicó que debía escribir una carta al fundador del Opus Dei, para decirle que quería ser del Opus Dei.

Noté la confianza que Guadalupe había tenido en mí al dejarme pedir la admisión porque, nada más terminar el retiro, me volví a Baños de la Encina, en Jaén, donde no había nadie del Opus Dei. Allí, debía hablar con mis padres. No temía que se opusieran, porque mi padre decía siempre que los hijos son, primero, hijos de Dios y, después, de los padres, y que ningún padre se puede oponer a una justa determinación de los hijos, no solo en el campo profesional, sino en todos los ámbitos. Primero se lo conté a mi madre, y su reacción fue mirar una imagen del Sagrado Corazón que teníamos en el salón, mientras se le saltaron dos lágrimas. Mi padre, cuando vio que estaba decidida, me dijo que adelante.

- Manteve-se em contacto com a Guadalupe depois disso?

- Encontrei-a, depois, apenas mais algumas vezes, em Espanha. Naquela altura, a Obra estava a começar a expandir-se para novos países: México, Estados Unidos... e soube então que a Guadalupe tinha ido para o México.

- Quando a viu de novo?

- Dois anos depois, em 1951, fui viver para Roma. Em 1956, encontrei-a lá, de novo, porque fez uma viagem do México a Roma. Era exatamente a mesma: uma pessoa muito animada, que tinha muitas coisas para contar, incluindo histórias engraçadas, e cantava muitas canções... Estava sempre sorridente, feliz, amável e era muito sociável.

S. Josemaria convidou a Guadalupe para viver em Roma e trabalhar com ele, por isso durante essa época víamo-nos ocasionalmente. Na última vez que a vi, ela estava doente e tinha acabado de receber os últimos sacramentos. Melhorou e continuou serena e atenta às pessoas. No entanto, a sua saúde frágil – sofria do coração – fê-la voltar para Espanha de forma permanente.

- Há algumas qualidades de Guadalupe que a tocaram mais?

- A simplicidade nas suas relações com Deus. Era uma pessoa muito inteligente, de uma só peça, e tinha um grande desejo de ajudar muitas pessoas a aproximar-se mais de Deus, o que ela fazia de forma muito natural. Não era forçado... Ainda me lembro do dia em que me explicou a Obra, porque me falou sem qualquer imposição, abrindo diante dos meus olhos um panorama muito atraente. Mencionaria também o seu esforço para tornar a vida agradável aos outros, a sua capacidade de estar atenta a cada pessoa.

- Quando estava com Guadalupe, pensou alguma vez que estava com uma santa?

- Quando se abriu o seu processo de beatificação, pareceu-me ser a coisa mais natural. Não havia qualquer dúvida no meu espírito de que essa mulher tinha ido direitinha para o Céu.

Para dizer a verdade, durante muito tempo rezei por ela com muita gratidão, porque tinha sido para mim um apoio tão forte. Rezei pela Guadalupe até a sua Causa de beatificação ter sido aberta.

A maneira como a Guadalupe viveu o espírito do Opus Dei – de forma simples mas concreta– impressionou-me profundamente. A santidade dela era uma santidade muito normal, que procurava tornar a vida agradável aos que a rodeavam.

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