Londres, Agosto de 1958: Tu não podes! Mas Eu sim!

O fundador do Opus Dei foi a Londres pela primeira vez em 1958. Ficou impressionado com a agitação da cidade. Pensando nas pessoas que deambulavam pelas ruas, sentia-se impotente para fazer fosse o que fosse. Foi nessa altura que o Senhor lhe respondeu claramente com uma locução que tão firmemente lhe ficou gravado na memória: «Tu não podes! Mas Eu sim!»

Deu uma volta por Londres e chegou à City, em cujas ruas se atarefavam as pessoas: empregados de escritório, executivos com chapéu de coco, fato escuro e colarinho engomado. O trânsito de autocarros encarnados e táxis pretos era intenso. Era tudo compacto, premente e febril.

Em toda a parte, havia rótulos com datas antigas:Established in 1748; … in 1760; … 1825… A mente do Padre penetrava no seu significado histórico, abarcando as consequências: persistência no trabalho, transacções com todos os continentes, riqueza, poder económico…; uma crosta singular e consistente. A City era como uma árvore centenária, com as raízes à vista. E, por entre a multidão, cada um embrenhado na sua actividade, viam-se os mais exóticos rostos e fatos: indianos, africanos, chineses e árabes.

O trânsito de autocarros encarnados e táxis pretos era intenso. Era tudo compacto, premente e febril.

Nos primeiros dias, visitou alguns locais de Londres e de outras cidades vizinhas: O Parlamento, Fleet Street, Westminster, Whitehall; Oxford, Saint Albans… No Domingo, dia 10, de manhã, foi novamente à City, ainda mais impressionante na sua ausência de vida. O weekend introduzia uma mudança radical: ruas totalmente desertas, onde não se avistava um transeunte, vazias de trânsito; edifícios fechados a sete chaves, mortos, em silêncio. Nesse Domingo, escreveu a Michael Richards, que fora o primeiro a pedir a admissão em Inglaterra, e se encontrava nessa altura no Colégio Romano:

Pensando nas pessoas que deambulavam pelas ruas, em tantos que não amavam a Deus ou que tinham um conhecimento superficial de Cristo, sentia-se impotente para fazer fosse o que fosse.

"Esta Inglaterra, bandido, è una grande bella cosa! Se nos ajudarem, especialmente tu, vamos trabalhar com firmeza nesta encruzilhada do mundo: rezem e ofereçam, com alegria, pequenas mortificações"(2).

Foram dias de oração e trabalho. Pensando nas pessoas que deambulavam pelas ruas, em tantos que não amavam a Deus ou que tinham um conhecimento superficial de Cristo, sentia-se impotente para fazer fosse o que fosse. Essa impotência conduzia-o para Deus, como uma criança que recorre ao pai. E fazia oração, que é o segredo da eficácia do Opus Dei, e que, como dizia aos seus filhos de Londres, era um grande guarda-chuva contra as inclemências do tempo e as contrariedades.

Deve ter sido por essa altura que o Senhor lhe respondeu com uma locução (..) e que tão firmemente lhe ficaram gravadas na memória: «Tu não! Mas Eu sim!»

Na Segunda-feira 11, foi a Cambridge. E na Quarta-feira à tarde, numa tertúlia em Netherhall House, falou-lhes da expansão para Oxford, Cambridge, Manchester, mostrando-lhes as possibilidades apostólicas que se lhes ofereciam a partir de Inglaterra, que era uma encruzilhada do mundo por onde passava gente de todos continentes e de todas as nações, países aos quais a Obra ainda não tinha chegado na sua expansão apostólica, mas onde estavam à sua espera. Os seus filhos ouviam-no atentamente.

Esteve em Michaelham Priory, Eastbourne… No dia 15, renovou a consagração da Obra ao Coração Imaculado de Maria no Santuário de Willesden. Seria capaz de dar a volta a Inglaterra?

Deve ter sido por essa altura que o Senhor lhe respondeu claramente com uma locução, uma das muitas que teve e que tão firmemente lhe ficaram gravadas na memória: «Tu não! Mas Eu sim!» Tu certamente que não és capaz; mas Eu sou (3).

Referiu-se a essa experiência sobrenatural ao regressar a Roma, contando aos seus filhos, numa meditação:

"Há pouco mais de um mês, estava numa nação que muito amo, onde pululam as seitas e as heresias, e reina uma grande indiferença pelas coisas de Deus. Ao considerar esse panorama, senti-me desconcertado e incapaz, impotente: Josemaria, aqui não podes fazer nada. E tinha razão: sozinho, não conseguiria nenhum resultado; sem Deus, não conseguiria sequer erguer uma palha do solo. Era tão patente toda a minha pobre ineficácia, que quase me senti triste; o que é mau. Um filho de Deus, entristecer-se? Pode estar cansado, porque puxa o carro como um burrinho fiel; mas triste, não. A tristeza é uma coisa má!

De repente, no meio de uma rua percorrida por pessoas de todos os cantos do mundo, senti dentro de mim, no fundo do coração, a eficácia do braço de Deus: tu não podes nada, mas Eu posso tudo; tu és a ineptidão, mas Eu sou a Omnipotência. Eu estarei contigo e haverá eficácia!, levaremos as almas à felicidade, à unidade, ao caminho do Senhor, à salvação! Também aqui semearemos paz e alegria abundantes!" (4)

A 26 de Agosto e a 3 de Setembro foi a Canterbury, à igreja de S. Dustan, rezar diante do túmulo dos Roper, onde repousa a cabeça de S. Tomás Moro (5).

Estava a terminar a sua estada em Londres; esperavam-no em Roma. Na véspera da partida, deu a bênção aos seus filhos de Inglaterra. No dia 16 de manhã, na fronteira do porto de Dover, despediu-se deles com um Sancta Maria, Regina Angliae, filios tuos adiuva! Partiu de Inglaterra com impressões muito gratas.

(1) No próprio dia da sua chegada a Londres disse aos que o acompanhavam que seria conveniente começar a trabalhar na Universidade de Oxford: cfr. Juan António Galarraga Ituarte, RHF, T-04382, p. 7.

(2) Carta de Londres, em EF-580800-3.

(3) Cfr. Álvaro del Portillo, PR, p. 15006; e Javier Echevarría, Sum. 2782.

(4) Meditação, 2-XI-1958, citada por Álvaro del Portillo, em Sum. 1642.

(5) Cfr. Juan António Galarraga Ituarte, RHF, T-04382, p. 9.

Andrés Vázquez de Prada, Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, vol. III: Os caminhos divinos da terra, trad. port., p. 271-274. Lisboa, Verbo, 2004

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