João Paulo II: um incansável defensor da verdade

D. Javier Echevarría, prelado do Opus Dei, fala, entre outros temas, dos vinte e cinco anos de pontificado de João Paulo II, das raízes cristãs da Europa e da desejada paz na Terra Santa.

Elevado à honra dos altares no dia 6 de Outubro do ano passado, no dia 26 de Junho celebra-se a festa canónica dedicada a São Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei. Um santo dos nossos dias, que quis a Obra como caminho para dar sentido e dignidade ao trabalho e à vida quotidiana.

O seu sucessor, D. Javier Echevarría, coordena a presença e a actividade da Obra em todo o mundo. “Um pai e uma mãe” para centenas de milhares de fiéis comprometidos em percorrer esse caminho de santificação quotidiana. D. Javier Echevarría, um homem próximo do Papa dentro da Igreja, em contacto com as pessoas-chave do Vaticano, é uma testemunha privilegiada destes vinte e cinco anos de pontificado de João Paulo II, e dos desafios que representam para a Igreja a paz, a dignidade do homem e a salvaguarda das raízes e da cultura cristãs.

Vinte e cinco anos de pontificado são vinte e cinco anos da história do mundo. Que avaliação faz da missão do Papa?

A actividade do Papa é tão ampla e a sua figura é tão significativa a todos os níveis que supera qualquer tipo de avaliação. João Paulo II representa algo único no actual momento histórico. A sua autoridade moral é universalmente reconhecida, o seu prestígio é tal que ninguém pode sequer fingir que ignora as suas intervenções pela dignidade da pessoa humana, pelo respeito à vida, pela paz, pelos povos pobres de nosso planeta. O Papa mostrou novamente com factos, como os seus predecessores, que é “servo dos servos de Deus”, o incansável defensor da verdade, o advogado de todos os homens e de todas as mulheres, em cuja dignidade crê com todas as suas forças. Na realidade, em tudo isto está em jogo algo muito mais importante que o seu simples prestígio pessoal. Nestes vinte e cinco anos, João Paulo II tornou Cristo presente no nosso tempo, levou a humanidade a procurar em Jesus a resposta para as perguntas mais profundas sobre o sentido da existência humana. Este é o motivo último da sua autoridade.

No entanto, parece que na realidade se continua a fazer pouco caso ao Papa. Porquê?

Algumas intervenções do Papa contrastam abertamente com a mentalidade e a cultura dominantes e podem parecer, portanto, importantes, mas anacrónicas. Necessárias, mas destinadas a fracassar. Esta aparente falta de sincronia não significa irrelevância. Os mestres não se deixam restringir pelo tempo. Estas intervenções não devem ser recebidas de acordo com uma óptica partidária, mas como actos de exercício do Magistério. Elas indicam uma direcção que deve ser seguida: uma direcção difícil para todos, mas historicamente inevitável, se queremos realmente a salvação da nossa civilização. São propostos valores sobre os quais toda a discussão precisa ser superada: a promoção da paz, a defesa da vida, a afirmação da justiça, o oferecimento e o pedido de perdão. Aqui reside a dificuldade: na necessidade de não escolher umas coisas para deixar outras. O bem é indivisível.

O Opus Dei deve muito a este Papa?

A mensagem difundida por São Josemaría desde 1928, confirmada depois pelo Concílio Vaticano II, mostra-se particularmente atractiva pelo redescobrimento da beleza extraordinária da santidade cristã, um ideal que é preciso procurar e colocar em prática em todos os momentos da vida: tanto nos de paz e serenidade como nos que são marcados pelos problemas e pela dor. Um ideal ao alcance de todos. A vida quotidiana pode às vezes parecer banal. No entanto, se procuramos a Cristo, o quotidiano transforma-se em caminho para Deus e para a felicidade. Estou agradecido a todos os Papas, porque todos, desde Pio XII até hoje, demonstraram um grande afecto pelo Opus Dei. Temos uma dívida de gratidão particular com João Paulo II porque, durante o seu pontificado, tiveram lugar alguns eventos de especial importância para a história da Obra como, por exemplo, a canonização de São Josemaría.

Como apoia o Opus Dei o empenho do Papa? O Santo Padre manifestou-se, por exemplo sobre a constituição europeia e o reconhecimento das raízes cristãs da Europa. Qual é o empenho da Obra a esse respeito?

A missão e o empenho do Opus Dei é dar formação aos fiéis da Prelatura e a outras pessoas que o desejem e o peçam. Uma formação espiritual coerente suscita a responsabilidade pessoal, o desejo de contribuir para a construção de uma sociedade mais humana e mais cristã. Ignorar as raízes cristãs da Europa equivaleria a negar a própria realidade e história europeias: é o que destacou a Comissão dos Episcopados da União Europeia. No seu trabalho, a Igreja não procura privilégios, mas pelo contrário, procura colocar-se sempre numa dinâmica de serviço e de abertura. Trata-se de respeitar a realidade, sem se curvar perante preconceitos anticlericais que pertencem ao passado. De facto, o cristianismo é o berço da Europa. Neste contexto, a Obra insistirá na responsabilidade pessoal de cada um, em particular de cada cidadão cristão, de contribuir para a evangelização da cultura com o seu próprio trabalho, com espirito de iniciativa, indo contra a corrente se for necessário, abrindo caminhos para as novas gerações.

Mas parece que a Igreja pretende ter a hegemonia na Europa política...

Junto ao valor da liberdade, é preciso recordar também o do pluralismo. Ninguém pode pensar que os católicos promovem um “modelo único” para a Europa, nem na vertente cultural nem na política. No Velho Mundo convivem culturas que, apesar das suas raízes cristãs comuns, são muito diferentes entre si, e que ninguém pretende uniformizar. Respeito à liberdade e respeito à história, em suma, num clima de liberdade e pluralismo.

O valor da liberdade está muito ligado com o da paz. Será possível um dia viver em paz na Palestina?

Na Terra Santa a luta é por um território... Esta é a verdade. Combate-se por uma questão de justiça. Entre palestinianos e israelitas há homens e mulheres capazes de conviver fraternalmente. A paz é uma bênção do céu que precisa na terra de homens e mulheres de boa vontade. É preciso construir a paz. A paz é um esforço humano. A paz autêntica, inseparável da justiça, procede de uma cordial compreensão entre as pessoas. E isto requer a boa disposição de compreender e perdoar, além do empenho de conhecer e estimar os outros. São Josemaría não se cansava de repetir que a paz nos povos e entre os povos só pode nascer da paz nas consciências. E acrescentava que a violência nunca serve para vencer nem para convencer. Quem a usa sai sempre derrotado.

Muitas vezes, as guerras têm a sua origem em situações dramáticas de pobreza, como acontece na África. O continente africano precisa de ajuda. O Opus Dei comprometeu-se a fazer algo por aqueles que se encontram em estado de maior pobreza, na África?

Quando o Papa tornou pública, no ano passado, a sua intenção de canonizar São Josemaría, formou-se um comité organizador que, entre outras coisas, promoveu a criação de um fundo de solidariedade com África a partir dos donativos dos participantes da canonização. Assim nascia o projecto Harambee 2002. Na formação do fundo participaram, até agora, várias empresas e instituições, e mais de cem mil pessoas, na sua maior parte com pequenas contribuições. Os fundos arrecadados servirão para ajudar dezoito projectos educativos na África subsaariana. Entre estes, encontra-se um centro para a reinserção social de crianças obrigadas a combater durante a guerra civil em Serra Leoa. É apenas uma gota num mar de necessidades. Mas o Projecto Harambee 2002 serviu para canalizar, no momento da canonização, a alegria natural de quem recebeu muitos favores através de São Josemaría para o desejo de lembrar-se daqueles que se encontram em dificuldades. Porque disto é feita a vida: de alegria e de dor, de saúde e de doença, de força e de debilidade. Sempre viveremos entre luzes e sombras. O importante é colocar a vida ao serviço dos outros.

Paolo Cavallo / Il Secolo XIX (Génova) 2003-07-10