João Paulo II mostrou-nos a beleza do rosto de Cristo

Homilia de Mons. José Rafael Espírito Santo, vigário regional do Opus Dei em Portugal, pronunciada na missa de sufrágio celebrada no passado dia 9 de Abril, no Oratório de São Josemaria, em Lisboa.

Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos:

Não tenhais medo! Abri, mais, escancarai, as portas do vosso coração a Cristo!” Foi com estas palavras que o Santo Padre nos mobilizou logo na homilia da Missa com que dava início ao seu Pontificado. De facto, João Paulo II desde o dia em que foi eleito (um Papa polaco, vindo de longe, que quase ninguém conhecia) até ao dia em que nos deixou, não cessou de nos surpreender e de surpreender o mundo, e de nos arrastar e de arrastar o mundo na sua epopeia de santidade.

Foi impressionante a manifestação de reconhecimento da importância da vida de João Paulo II na sua agonia e no seu enterro; uma manifestação da realidade de que Deus não faz acepção de pessoas: chefes de estado, personalidades de todos os âmbitos da sociedade, representantes de todas as confissões religiosas, milhões de pessoas do mundo inteiro, quiseram prestar homenagem a João Paulo II e, só a sua presença, deu um testemunho unânime e universal: aqui está um Homem!, aqui está alguém que viveu do modo que vale a pena viver. No fundo todos em todo o mundo disseram mais: aqui está um santo! Com efeito, são os santos os que realizam de um modo mais pleno a dimensão humana da vida porque a vivem de um modo divino, identificando-se perfeitamente com Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem. João Paulo II encarnou de uma maneira impar a sua missão: ser o vice–Cristo na Terra, mostrando-nos a beleza do rosto de Cristo e do seu amor por cada um dos seres humanos. Porque é que todo o mundo se sente agradecido ao Papa? Porque era um homem extraordinário? Sim, mas sobretudo porque na sua vida encontrou a santidade, encontrou, se calhar sem o perceber explicitamente, o próprio Cristo, e aí estamos todos e cada um, pois, como gostava de recordar o Santo Padre, só Cristo revela o Homem ao próprio homem! Só em Cristo encontramos a razão de ser da nossa existência, a fonte que sacia as ânsias profundas do nosso coração.

O Santo Padre disse-nos as palavras de Cristo

E desse modo, como vice-Cristo, o Santo Padre foi-nos dizendo, com o cunho forte da sua personalidade, as palavras de Cristo, que ressoaram no nosso coração de um modo imperativo e acutilante: “Não temais!” “Não se perturbe o vosso coração”, ouvíamos no Evangelho; “Não tenhas receio”, dirá tantas vezes o Senhor aos Apóstolos, concretamente a Pedro, confundido pela sua indignidade depois da pesca milagrosa: “Não tenhas medo, de agora em diante serás pescador de homens!”. “Faz-te ao largo”: disse-nos o Santo Padre no início deste milénio, descobrindo-nos a primavera de vida cristã que estava a surgir, para nós às vezes só um anseio ainda longínquo; “levantai-vos, vamos”, disse-nos, despertando-nos, como referiu ontem o Cardeal Ratzinger na homilia do funeral, de uma fé cansada, do sono dos discípulos de ontem e de hoje; e sempre era como se nos transmitisse aquele “Segue-me!” que ouvia Cristo dizer-lhe ao longo de toda a sua vida, que, como também ouvíamos ontem, é a palavra–chave para entender a mensagem que deixa a vida de João Paulo II. “Segue-me”: vem comigo percorrer os caminhos de Cristo neste mundo, as aventuras divinas da Redenção que se realiza aqui e agora.

Sim, agora, do Céu o Santo Padre convida-nos a continuar pelo caminho que assinalou: “Eu sou feliz”, terá dito nos últimos momentos, “e quero que também sejais felizes”. Por cada um vai intercedendo, ajudando-nos no dia-a-dia. Dizia o Santo Padre, na Carta “No início do novo Milénio”: “Neste ano, (...) não era raro deter-me a contemplar também as longas filas de peregrinos que esperavam pacientemente a sua vez de atravessar a Porta Santa. Em cada um deles, eu procurava imaginar uma história de vida, feita de alegrias, ansiedades, sofrimentos; uma história acolhida por Cristo, e que, no diálogo com Ele, retomava o seu caminho de esperança.

Naquele fluxo contínuo dos grupos, deparava-se-me quase uma imagem palpável da Igreja peregrina, daquela Igreja que vive, como diz S. Agostinho, « no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus ». A nós, é-nos concedido apenas observar a face mais exterior deste acontecimento singular. Quem pode calcular as maravilhas da graça, que se realizaram nos corações? O melhor é calar e adorar, confiando humildemente na acção misteriosa de Deus e cantando o seu amor sem fim: « Misericordias Domini in aeternum cantabo »!” (João Paulo II, “No início do novo Milénio”, n. 8). Podemos ter a certeza que ao longo destes dias o Santo Padre, do Céu, foi olhando para cada pessoa que se aproximava da Basílica de São Pedro, para cada pessoa que procurou acompanhar os acontecimentos destes dias através dos meios de comunicação social, e agora, sem necessidade de imaginar uma história de vida mas conhecendo-a em Deus, intercedeu por todos para que se tornassem efectivas em cada um as maravilhas da graça.

Não podemos ficar num mero movimento emotivo

Este pontificado que tivemos, estes dias que vivemos, são, poder-se-ia dizer, o impulso definitivo que o Santo Padre nos dá para nos decidirmos a viver a fé até às últimas consequências, e assim mudemos este mundo, tão necessitado de Redenção. Não podemos ficar num mero movimento emotivo: haveremos de procurar que se traduza em resoluções firmes. Decisões de entrega, de pôr a nossa vida à disposição do que Deus nos possa pedir, na nossa vida normal e corrente; decisões de maior generosidade no serviço aos outros: dar a vida pelos outros; decisões de santidade, união com Deus, no trabalho, nas amizades, de contemplar o rosto de Cristo e de o reflectir no relacionamento com os outros.

Depois destes dias, ao interiorizarmos o exemplo extraordinário que recebemos, a nossa vida tem de subir de tom de santidade. Quando nos custar rezar ou sintamos a tentação de deixar a oração para depois, lembremo-nos do Santo Padre metido em Deus, rezando com intensidade e envolvendo-nos na sua oração, como presenciámos em Fátima, no ano 2000; ao sentir o cansaço no meio do trabalho e se insinue o desejo de nos esquivarmos ao nosso dever, recordemos o Santo Padre cansado, sem se poupar na realização das tarefas de cada dia; quando quisermos refugiar-nos em pretensos direitos com os quais no fundo queremos justificar o nosso orgulho, vejamos uma vez mais o Papa pedindo perdão e indo ao encontro de todos e cada um; ao ter de enfrentar a doença e as limitações físicas, que bem nos faz trazer à memória essa imagem de João Paulo II sofredor, sem dar importância aos seus padecimentos; se, perante as boas inquietações que Deus desperta no nosso coração, experimentarmos o medo de nos entregarmos e surgir a miragem de uma vida fácil, ouçamos de novo as palavras do Santo Padre a falar-nos da sua alegria na entrega total a Deus e dizer-nos, como vem na sua Mensagem para o próximo dia mundial de orações pelas vocações, “é a vós que renovo o convite de Cristo a “fazer-se ao largo”!

Nestes momentos temos de rezar pelo próximo Papa, a quem já começamos a amar

Na epopeia vivida pelo Papa, não fomos meros espectadores: também fomos protagonistas; bem sabemos como o Santo Padre, ao enfrentar os momentos mais difíceis, se apoiava na oração dos que procurávamos ser seus filhos fiéis, de todos os que, na Igreja, apesar das nossas fraquezas e fragilidades que o Santo Padre também bem conhecia, nos esforçávamos por ser seus altifalantes, dos que o acompanhávamos em todas as suas aventuras e desafios. Dizia-nos o Prelado do Opus Dei, D. Javier Echevarría, que nos momentos da agonia do Santo Padre, com a nossa oração demos-lhe a fortaleza de que necessitava nesse transe difícil. Agora também continuaremos a ser protagonistas da vida da Igreja, com o empenho por ser santos. “Depois de um Papa vem outro”, dizia tantas vezes João Paulo II, dando a razão da sua entrega sem limites. Nestes momentos temos de rezar pelo próximo Papa, a quem já começamos a amar, seja quem for; temos de preparar-lhe o caminho de santidade com a nossa oração e mortificação: rezar pelo Conclave, invocando o Espírito Santo, oferecendo o trabalho e muitas pequenas mortificações, “até a respiração”, dizia São Josemaría em ocasiões como esta. Peçamos ao Santo Padre João Paulo II que interceda pela Igreja, pelo próximo Papa, para que seja pelo menos tão santo como ele o foi.

Neste Ano da Eucaristia, João Paulo II convidou-nos a viver a cena dos discípulos de Emaús: “Fica connosco, Senhor!” e experimentar o ardor no coração que é consequência da intimidade com Cristo. Sabemos como, quando os discípulos O reconhecem, o Senhor desaparece da sua presença, mas encontram-no no seu coração: e partem felizes a comunicar aos outros o que tinham vivido. Também nós, durante os dias da sua agonia, quereríamos dizer a João Paulo II: “Fica connosco” e Deus fez com que de facto agora o tenhamos mais perto do que nunca, animando-nos a vencer os medos que nos retraem de viver a aventura da entrega. Vamos procurar o rosto de Cristo, meter-nos no coração de Jesus, presente no Sacrário; peçamos ao Santo Padre que nos leve por esse caminho.

Totus tuus, Maria”: como nos ajudou o Santo Padre a crescer no nosso amor à nossa Mãe do Céu, a aperceber-nos da dimensão do dom que temos em Fátima. É por aí que temos de avançar para levar à prática as decisões que o Santo Padre suscitar nos nossos corações. Quantas vezes João Paulo II nos confiou à protecção de Maria! Agora no Céu, fá-lo-á de um modo ainda mais eficaz, porque nos há-de ajudar a saber aproveitar as graças maternais que Nossa Senhora nos consegue.

“A todos só quero dizer uma coisa: «Que Deus vos recompense»”. Assim termina praticamente o testamento do Santo Padre. Temos a certeza de que podemos contar com a sua ajuda. “Não tenhais medo!”; “Faz-te ao largo!”; “levantai-vos, vamos!”; “Segui-me”: vale a pena!

9 de Abril de 2005.

Mons. José Rafael Espírito Santo

Vigário Regional do Opus Dei