Homilias do primeiro Natal de Leão XIV

Apresentamos as homilias das Missas do Santo Padre de 24 e 25 de dezembro, celebradas na Basílica de São Pedro. Nelas, o Papa convida-nos a “dirigir o nosso olhar para a terna impotência de um recém-nascido” e a deixar que o coração seja tocado pela fragilidade do próximo, como caminho para encontrar a verdadeira paz.

24 de dezembro 🔴 25 de dezembro

Solenidade da Natividade do Senhor

Quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Irmãs e irmãos caríssimos!

«Irrompei em cânticos de alegria» (Is 52, 9), brada o mensageiro da paz a todos aqueles que se encontram entre as ruínas de uma cidade inteiramente por reconstruir. Embora empoeirados e feridos, os seus pés são formosos – escreve o profeta (cf. Is 52, 7) –, porque, por estradas longas e irregulares, trouxeram uma alegre notícia, na qual tudo agora renasce. É um novo dia! Também nós participamos nesta mudança, na qual ninguém parece ainda acreditar: a paz existe e já está no meio de nós.

«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou» (Jo 14, 27). Assim disse Jesus aos discípulos, a quem acabara de lavar os pés, mensageiros da paz que, a partir daquele momento, deveriam percorrer o mundo, sem se cansar, para revelar a todos «o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1, 12). Hoje, portanto, não só nos surpreendemos com a paz que já está aqui, mas celebramos como este dom nos foi dado. Com efeito, a partir deste como brilha a diferença divina que nos faz irromper em cânticos de alegria. Por isso, em todo o mundo, o Natal é, por excelência, uma festa de músicas e cânticos.

O prólogo do quarto Evangelho também é um hino e tem como protagonista o Verbo de Deus. O “verbo” é uma palavra que age. Esta é uma caraterística da Palavra de Deus: nunca é ineficaz. Olhando bem, muitas das nossas palavras também produzem efeitos, por vezes indesejados. Sim, as palavras agem. Mas eis a surpresa que a liturgia do Natal coloca diante de nós: o Verbo de Deus aparece e não sabe falar, vem até nós como um recém-nascido que apenas chora e dá vagidos. «Fez-se carne» (cf. Jo 1, 14) e, embora crescerá e um dia aprenderá a língua do seu povo, agora fala apenas a sua presença simples e frágil. «Carne» é a nudez radical à qual, em Belém e no Calvário, falta até a palavra; como a não têm muitos irmãos e irmãs despojados da sua dignidade e reduzidos ao silêncio. A carne humana pede cuidados, invoca acolhimento e reconhecimento, procura mãos capazes de ternura e mentes dispostas à atenção, deseja palavras bonitas.

«Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a quantos o receberam, aos que nele creem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1, 11-12). Eis a forma paradoxal segundo a qual a paz já está entre nós: o dom de Deus envolve-nos, procura acolhimento e mobiliza a dedicação. Surpreende-nos porque se expõe à rejeição, encanta-nos porque nos arranca da indiferença. É um verdadeiro poder o de nos tornarmos filhos de Deus: um poder que permanece enterrado enquanto estivermos distantes do choro das crianças e da fragilidade dos idosos, do silêncio impotente das vítimas e da melancolia resignada de quem faz o mal que não quer.

Como escreveu o amado Papa Francisco, para nos convocar à alegria do Evangelho: «Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 270).

Queridos irmãos e irmãs, uma vez que o Verbo se fez carne, agora a carne fala, brada o desejo divino de nos encontrar. O Verbo ergueu no meio de nós a sua frágil tenda. E como não pensar nas tendas de Gaza, expostas durante semanas à chuva, ao vento e ao frio, e nas tendas de tantos outros deslocados e refugiados em todos os continentes; ou nos refúgios improvisados de milhares de pessoas sem-abrigo dentro das nossas cidades? Fragilizada se encontra a carne das populações indefesas, provadas por tantas guerras em curso ou concluídas, deixando escombros e feridas abertas. Fragilizadas estão as mentes e as vidas dos jovens obrigados a pegar em armas, que precisamente na frente de batalha percebem a insensatez do que lhes é exigido e a mentira de que estão embebidos os discursos inflamados daqueles que os enviam para a morte.

Quando a fraqueza dos outros penetra o nosso coração, quando a dor alheia despedaça as nossas certezas graníticas, então já começa a paz. A paz de Deus nasce de um choro de criança acolhido, de um pranto ouvido: nasce entre ruínas que invocam solidariedades renovadas, nasce de sonhos e visões que, como profecias, invertem o curso da história. Sim, tudo isso existe, porque Jesus é o Logos, o sentido a partir do qual tudo tomou forma. «Por Ele é que tudo começou a existir; e sem Ele nada veio à existência» (Jo 1, 3). Este mistério interpela-nos a partir dos presépios que construímos, abre-nos os olhos para um mundo em que a Palavra ainda ressoa, «muitas vezes e de variados modos» (cf. Heb 1, 1), e continua a chamar-nos à conversão.

Certamente, o Evangelho não esconde a resistência das trevas à luz, descreve o caminho da Palavra de Deus como uma estrada intransitável, repleta de obstáculos. Até hoje, os autênticos mensageiros da paz seguem o Verbo neste caminho, que finalmente alcança os corações: corações inquietos, que muitas vezes desejam justamente aquilo a que resistem. Assim, o Natal motiva novamente uma Igreja missionária, impelindo-a pelos caminhos que a Palavra de Deus traçou para ela. Não estamos ao serviço de uma palavra prepotente – já ressoam por toda parte –, mas uma presença que suscita o bem, conhece a sua eficácia e não reivindica o seu monopólio.

Eis o caminho da missão: um caminho em direção ao outro. Em Deus, cada palavra é uma palavra dirigida, é um convite à conversação, uma palavra que nunca é igual a si mesma. É a renovação que o Concílio Vaticano II promoveu e que veremos florescer apenas caminhando juntos com toda a humanidade, sem nunca nos separarmos dela. O contrário é mundano: ter-se a si mesmo como centro. O movimento da Encarnação é um dinamismo de conversação. Haverá paz quando os nossos monólogos se interromperem e, fecundados pela escuta, cairmos de joelhos diante da carne despojada do outro. Precisamente nisto, a Virgem Maria é a Mãe da Igreja, a Estrela da evangelização, a Rainha da paz. Nela compreendemos que nada nasce da exibição da força e tudo renasce a partir do poder silencioso da vida acolhida.


Santa Missa da Véspera de Natal
Quarta-feira, 24 de dezembro

Queridos irmãos e irmãs,

Durante milénios, em todas as partes da Terra, os povos perscrutaram o céu, dando nomes e formas às silenciosas estrelas: na sua imaginação, liam os acontecimentos do futuro, procurando lá no alto, entre os astros, a verdade que faltava cá em baixo, entre as casas. Naquela escuridão, como que a tatear, eles permaneciam confusos com os seus próprios oráculos. Todavia, nesta noite, «o povo que andava nas trevas viu uma grande luz; habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles» (Is 9, 1).

Eis a estrela que surpreende o mundo, uma centelha recém-acesa e flamejante de vida: «Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lc 2, 11). No tempo e no espaço, onde quer que estejamos, vem Aquele sem o qual nem mesmo teríamos existido. Vive conosco Aquele que por nós dá a vida, iluminando com a salvação a nossa noite. Não há trevas que esta estrela não ilumine, porque à sua luz toda a humanidade vê a aurora de uma existência nova e eterna.

É o Natal de Jesus, o Emanuel. No Filho feito homem, Deus não nos dá algo, mas a si mesmo, «para nos resgatar de toda a iniquidade e formar para si um povo puro» (Tt 2, 14). Nasce na noite Aquele que da noite nos resgata: o vestígio do dia que amanhece, já não deve procurar-se lá longe, nos espaços siderais, mas inclinando a cabeça, para o estábulo ao lado.

Com efeito, o sinal claro dado a um mundo às escuras é «um menino envolto em panos, deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). Para encontrar o Salvador, não é preciso olhar para cima, mas contemplar o que está em baixo: a onipotência de Deus resplandece na impotência de um recém-nascido; a eloquência do Verbo eterno ressoa no primeiro choro de um bebé; a santidade do Espírito brilha naquele corpinho recém-lavado e envolto em panos. É divina a necessidade de cuidado e calor, que o Filho do Pai partilha na história com todos os seus irmãos. A luz divina que irradia deste Menino ajuda-nos a ver o homem em cada vida nascente.

Para iluminar a nossa cegueira, o Senhor quis revelar-se como homem ao homem, sua verdadeira imagem, segundo um projeto de amor iniciado com a criação do mundo. Enquanto a noite do erro obscurecer esta verdade providencial, então «não há espaço sequer para os outros, para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros» (Bento XVI, Homilia na noite de Natal, 24 de dezembro de 2012). Estas palavras do Papa Bento XVI, lembram-nos que na terra não há espaço para Deus se não houver espaço para o homem: não acolher um significa não acolher o outro. Em vez disso, onde há lugar para o homem, há lugar para Deus: então um estábulo pode tornar-se mais sagrado do que um templo e o ventre da Virgem Maria é a arca da nova aliança.

Caríssimos, admiremos a sabedoria do Natal. No Menino Jesus, Deus dá ao mundo uma vida nova: a sua, para todos. Não uma ideia que resolve todos os problemas, mas uma história de amor que nos envolve. Perante as expectativas dos povos, Ele envia um bebé, para que seja palavra de esperança; perante a dor dos miseráveis, Ele envia um indefeso, para que seja força para se levantarem; perante a violência e a opressão, Ele acende uma luz suave que ilumina com a salvação todos os filhos deste mundo. Como observava Santo Agostinho, «a soberba humana esmagou-te tanto que só a humildade divina podia levantar-te» (Sermo in Natale Domini 188, III, 3). Sim, enquanto uma economia distorcida leva a tratar os homens como mercadoria, Deus torna-se semelhante a nós, revelando a infinita dignidade de cada pessoa. Enquanto o homem quer tornar-se Deus para dominar o próximo, Deus quer tornar-se homem para nos libertar de toda a escravidão. Será este amor suficiente para mudar a nossa história?

A resposta surge logo que, como os pastores, despertamos da noite de morte para a luz da vida nascente, contemplando o Menino Jesus. Sobre o estábulo de Belém, onde Maria e José, cheios de admiração, velam o Recém-nascido, o céu estrelado torna-se «uma multidão do exército celeste» (Lc 2, 13). São hostes desarmadas e desarmantes, porque cantam a glória de Deus, cuja manifestação na terra é a paz (cf. v. 14): efetivamente, no coração de Cristo palpita o vínculo que une no amor céu e terra, Criador e criaturas.

Por isso, há exatamente um ano, o Papa Francisco afirmou que o Natal de Jesus reaviva em nós «o dom e o compromisso de levar a esperança onde ela se perdeu», porque «com Ele a alegria floresce, com Ele a vida muda, com Ele a esperança não desilude» (Homilia na noite de Natal, 24 de dezembro de 2024). Com estas palavras, começou o Ano Santo. Agora que o Jubileu se aproxima do seu termo, o Natal é para nós um tempo de gratidão e missão. Gratidão pelo dom recebido, missão para o testemunhar ao mundo. Como canta o Salmista: «Proclamai, dia após dia, a sua salvação. / Anunciai aos pagãos a sua glória / e a todos os povos, as suas maravilhas» (Sl 96 ,2-3).

Irmãs e irmãos, a contemplação do Verbo feito carne suscita em toda a Igreja uma palavra nova e verdadeira: proclamemos, então, a alegria do Natal, que é festa da fé, da caridade e da esperança. É festa da fé, porque Deus se faz homem, nascendo de uma Virgem. É festa da caridade, porque o dom do Filho redentor se realiza na dedicação fraterna. É festa da esperança, porque o Menino Jesus a acende em nós, tornando-nos mensageiros da paz. Com estas virtudes no coração, sem temer a noite, podemos ir ao encontro do amanhecer do novo dia.

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