Homilia do Vigário regional na Missa em honra de S. Josemaria (Lisboa)

Homilia pronunciada pelo Pe. José Rafael Espírito Santo, Vigário Regional do Opus Dei, no passado dia 26 de Junho em Lisboa (Igreja de Nossa Senhora de Fátima).

Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos,

Há instantes, na Oração da Coleta, pedíamos a Deus que, pela intercessão e exemplo de S. Josemaria, nos concedesse a identificação com Cristo e servir com armor ardente a obra da Redenção, através do trabalho quotidiano. Pedíamos o dom da santidade e do apostolado na vida corrente de cada dia. É um bom resumo da mensagem e da vida de S. Josemaria. Nas leituras que acabámos de ouvir, que são as que a Igreja nos propõe para a celebração litúrgica do Fundador do Opus Dei, aparecem de novo estes elementos: o trabalho como vocação humana primordial, a filiação divina como dom que nos transforma e eleva, o mandato apostólico: “faz-te ao largo... lançai as vossas redes”, “serás pescador de homens”, estendido a toda a terra: “louvai o Senhor, todas as nações”, “pede-me e te darei as nações em herança”: o mundo como herança dos que se sabem filhos de Deus em Cristo.

De facto, quando Deus interveio no coração de S. Josemaria fazendo-lhe ver o Opus Dei no dia 2 de outubro de 1928, abriam-se os caminhos divinos da terra. Deus mostrava como no Evangelho está presente a vida de cada dia: o trabalho, a família, o descanso, as alegrias e as dores, a doença e a saúde, e assim todos os caminhos bons dos homens são caminhos de Deus. Esta é boa nova que nos enche de alegria e a que anseia o coração do ser humano do mundo de hoje. E bem vemos como este mundo, que entre todos constituímos, triste e assustado com os horrores e crises que vai fabricando, está necessitado de esperança, de confiança, da alegria dos filhos de Deus.

Para celebrar o 50º aniversário do início do Concílio Vaticano II, Bento XVI convocou um Ano da Fé, que começa em outubro próximo. Na Carta “A porta da fé”, fala-nos da urgência de nos empenharmos numa nova evangelização, impelidos pelo amor de Cristo, que enche os nossos corações. Há que “descobrir de novo”, diz o Papa, “a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé” (Bento XVI, “A porta da fé”, n. 7). A alegria e o entusiasmo que está no Coração de Jesus, que encheu o coração dos Apóstolos, que sempre há de guiar a Igreja, à qual todos são chamados. Como afirmou o Beato João Paulo II, S. Josemaria, pelo carisma que recebeu e divulgou, foi um dos precursores do Concílio Vaticano II. A sua vida e os seus ensinamentos ajudar-nos-ão a seguir com paixão o Papa e a olhar com audácia para o futuro.

Uma das iniciativas do Santo Padre para o impulso da nova evangelização, foi a criação de um organismo específico com esta finalidade: o Conselho Pontifício para a Nova Evangelização. Este organismo da Santa Sé, juntamente com o Conselho Pontifício para a Cultura, tem promovido uma série de encontros com personalidades do mundo da cultura de diversos quadrantes, com o nome de “Átrio dos gentios”. O “átrio dos gentios” é onde todos nos encontramos, crentes e não-crentes, unidos no desejo de “um mundo novo e mais livre, mais justo e solidário, mais pacífico e jubiloso” (Bento XVI, mensagem, 25-III2011). Sem pôr de parte as próprias convicções, promove-se o diálogo aberto, respeitador e amistoso, “a partir das grandes perguntas acerca da existência humana” (ibidem). No “átrio dos gentios”, une-nos a procura da Verdade, do Bem, da solidariedade, da justiça. Diz o Santo Padre: “A busca da verdade não é fácil. E se cada um é chamado à coragem de se decidir pela verdade, é porque não existem atalhos que levam à felicidade e à beleza de uma vida completa” (ibidem).

S. Josemaria, ao comentar a cena do Evangelho da Missa de hoje, dizia: “Jesus está junto do lago de Genesaré e as pessoas comprimem-se à sua volta, ansiosas por ouvirem a palavra de Deus. Tal como hoje! Não estais a ver? Estão desejando ouvir a mensagem de Deus, embora o dissimulem exteriormente. Talvez alguns se tenham esquecido da doutrina de Cristo; talvez outros, sem culpa sua, nunca a tenham aprendido e olhem para a religião como coisa estranha... Mas convencei-vos de uma realidade sempre atual: chega sempre um momento em que a alma não pode mais; em que não lhe bastam as explicações vulgares; em que não a satisfazem as mentiras dos falsos profetas. E, mesmo que nem então o admitam, essas pessoas sentem fome, desejam saciar a sua inquietação com os ensinamentos do Senhor” (Amigos de Deus, n. 260). Jesus entra na nossa barca, na nossa vida, para que O levemos a todos os que O procuram mesmo sem saberem. Na vida corrente, através da amizade sincera com todos.

Podemos afirmar que o primeiro e fundamental “átrio dos gentios” é a amizade. O local de encontro e de diálogo. É a base do apostolado que estamos chamados a realizar. Diz S. Josemaria: “O apostolado, essa ânsia que vibra no íntimo do cristão, não é coisa separada da vida de todos os dias; confunde-se com o próprio trabalho, convertido em ocasião de encontro pessoal com Cristo. Nesse trabalho, ombro a ombro com os nossos colegas, com os nossos amigos, com os nossos parentes, lutando pelos mesmos interesses, podemos ajudá-los a chegar a Cristo, que nos espera na margem do lago...” (idem, n. 263). Através da amizade que surge com naturalidade.

S. Josemaria deu-nos um exemplo extraordinário de alguém que sabe ter amizades. Cultivou a amizade com todo o tipo de pessoas ao longo da sua vida: desde um moço de recados até a cardeais da Santa Sé. Acompanhando-os na medida do possível, com alegria, afeto, espírito de sacrifício, rezando pelas suas necessidades, ajudando-os sempre que necessário, escrevendo quando estavam longe, lembrando-se deles e marcando presença nas datas mais significativas.

Amizade, valor humano universal, que aprendemos no seu grau mais elevado de Cristo. “Chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai”: a confidência, abrir a intimidade. “Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos”: entrega, sacrifício sem limites, como pedra de toque da verdadeira amizade. E isso com todos. Lemos na Forja (n. 558):“Jesus Nosso Senhor amou tanto os homens, que encarnou, tomou a nossa natureza e viveu em contacto diário com pobres e ricos, com justos e pecadores, com novos e velhos, com gentios e judeus. Dialogou constantemente com todos: com os que gostavam dele e com os que só procuravam a maneira de retorcer as suas palavras, para o condenar. – Procura comportar-te como Nosso Senhor”.

É tão importante que saibamos cuidar, cultivar as nossas amizades. Com todos, porque todos são filhos de Deus, sem barreiras nem distinções. Diz S. Josemaria: “o amigo verdadeiro não pode ter, para o seu amigo, duas caras: a amizade, se há de ser leal e sincera, exige renúncias, retidão, intercâmbio de favores, de serviços nobres e limpos. O amigo é forte e sincero na medida em que, de acordo com a prudência sobrenatural, pensa generosamente nos outros, com sacrifício pessoal. Do amigo espera-se a correspondência ao clima de confiança, que se estabelece com a verdadeira amizade; espera-se o reconhecimento do que somos e, quando for necessário, também a defesa clara e sem paliativos” (Carta, 24-III1940).

Apostolado de amizade e confidência: de tu a tu, de coração a coração. Compreendendo e sendo compreendidos. Aprendendo as lições que nos dão os nossos amigos. Abrindo a nossa alma, falando da alegria extraordinária que Deus nos dá, mostrando como o cristianismo é grandeza, liberdade, luz, e não opressão, mesquinhez, obscurantismo. De como nos ajuda a oração, a Santa Missa, a alegria do sacramento da penitência. Da beleza da nossa fé, da luz e esclarecimento que retiramos do Catecismo. De como vale a pena empenhar-se na verdade e no serviço dos outros. “Quem disse que para falar de Cristo,” refere S. Josemaria, “para difundir a sua doutrina, era preciso fazer coisas especiais, fora do comum? Faz a tua vida normal; trabalha onde estás a trabalhar, procurando cumprir os deveres do teu estado, acabar bem o que é próprio da tua profissão ou do teu ofício, superando-te, melhorando-te dia a dia. Sê leal, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo. Sê mortificado e alegre. Será esse o teu apostolado. E, sem saberes porquê, tendo perfeita consciência das tuas misérias, os que te rodeiam virão ter contigo e, numa conversa natural, simples – à saída do trabalho, numa reunião familiar, no autocarro, ao dar um passeio, em qualquer parte – falareis de inquietações que em todas as almas existem, embora às vezes alguns não queiram dar por isso. Mas cada vez as perceberão melhor, desde que comecem a procurar Deus a sério” (Amigos de Deus, n. 273).

Uma cena do Evangelho que comovia S. Josemaria é o encontro de Jesus com os discípulos de Emaús. Via a bondade do nosso Deus que vem ao nosso encontro, e se faz companheiro dos nossos caminhos e das nossas penas. “Iam os dois discípulos para Emaús. O seu caminhar era normal, como o de tantas outras pessoas que transitavam por aquelas paragens. E aí, com naturalidade, aparece-Lhes Jesus e vai com eles, com uma conversa que diminui a fadiga”. (Amigos de Deus, n. 313). “Jesus caminha junto daqueles dois homens que perderam quase toda a esperança, de modo que a vida começa a parecer-lhes sem sentido. Compreende a sua dor, penetra nos seus corações, comunica-lhes algo da vida que Nele habita” (Cristo que passa, n. 105). E é assim que cada cristão deve tornar Cristo presente nas suas amizades. “«Nonne cor nostrum ardens erat in nobis, dum loqueretur in via?». – Não é verdade que sentíamos abrasar-se-nos o coração, quando nos falava caminho? Se és apóstolo,” recorda-nos S. Josemaria, “estas palavras dos discípulos de Emaús deviam sair espontaneamente dos lábios dos teus companheiros de profissão, depois de te encontrarem a ti no caminho da vida” (Caminho, n. 917). Caminhos de Emaús: hão de ser os caminhos do nosso dia a dia, em nossa casa, no trabalho, do local de descanso, onde nos encontrarmos com alguém. “Nada impomos, mas sempre propomos”, disse Bento XVI na homilia no Porto. Sim: se somos portadores de Cristo, sempre haveremos de propor o encontro com Cristo que está no nosso coração. E isso é proporcionar o acesso à verdadeira alegria, que não terá ocaso, da qual tem sede todo o coração humano.

Festa de S. Josemaria: a alegria da santidade na vida corrente. A audácia da Redenção na amizade de cada um.

Deus interveio na vida de S. Josemaria pela intercessão da Virgem Maria, como dizemos na oração da pagela. Que por intercessão de Maria Santíssima, aparecida em Fátima, saibamos nós também ser continuadores da vida santa de S. Josemaria e iluminemos, com a luz da fé e do amor, os caminhos divinos desta terra.

Lisboa, igreja de Nossa Senhora de Fátima

Padre José Rafael Espírito Santo, vigário regional do Opus Dei

Pe. José Rafael Espírito Santo